segunda-feira, janeiro 24, 2011

Metáforas, parábolas e coisas assim

História (ou anedota) antiga recuperada e adaptada nestes tempos FaMIgerados:
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O pai aproveitava todas as oportunidades para “dar lições ao miúdo”. Era um "paidagogo".
Daquela vez, foi sobre dinheiro. Aliás, como em muitas vezes. Mas, daquela vez…, a “lição” tivera como tema a circulação do dinheiro.
Disse o "paidagogo": “… pois é, meu filho, é assim! Fica sabendo esta regra para a vida: dinheiro puxa dinheiro”. E, convencido de ter dito o que era preciso ser dito, acabou a aula.
O miúdo reteve.

Ficou a matutar. Sabia da gaveta em que o pai guardava o ordenado quando o trazia do armazém onde trabalhava, antes de o distribuir pelos envelopes do “orçamento familiar”. Um para a renda da casa, outro para entregar à “dona da casa” para a gestão doméstica, mais um para “extravagâncias” – que era sempre substancialmente transferido para outros fins, dada a necessidade de “orçamentos rectificativos” –, ainda um com as "sobras" para “pôr no banco” (e para ir sendo levantado se... isto é, quando fosse preciso, substituindo o esburacado “pé de meia”) e ficavam umas moeditas de trocos como que esquecidas, e que parece que sabia bem reencontrar como se fosse por acaso.
Era uma gaveta na secretária de herança e de estimação, a única que tinha chave, chave que o pai guardava cuidadosamente, só por hábito que não por precaução.
O miúdo sabia de todas estas "operações de tesouraria", aliás pretexto para outras aulas de economia.
Matutou, matutou, e resolveu passar às provas práticas. E úteis, esperava...
No dia do recebimento do ordenado e acções sequentes, quando tudo ficou sossegado e silencioso, sozinho em casa por um acaso, com uma moedita sua começou a fazer fosquinhas na ranhura da fechadura da gaveta, para ver se a moeda puxava as outras que, lá dentro, tinham ficado espalhadas.
E tanto fez – até acompanhado por uma espécie de lenga-lenga para ajudar: “dinheiro puxa dinheiro, dinheiro puxa dinheiro...” – que os deditos afrouxaram e… a moeda caiu dentro da gaveta, passando a ranhura da fechadura.
Ficou atrapalhado. Nas estritas regras morais que se impunham naquela casa, o miúdo sentiu-se em falta, e – também! – receou que o pai descobrisse uma moeda a mais quando fizesse a vistoria ao “cofre”-gaveta. Tudo razões (umas mais morais que outras) para confessar o pecadilho. Contei à mãe, sempre disposta a amaciar as penitências, se lugar a elas houvesse.
A mãe riu e resolveu ser também pedagoga, embora "mãedagoga" não dê tanto jeito como "paidagogo"
“Olha meu rico filho, o teu pai tinha razão… moeda puxa moeda, e as moedas que estavam na gaveta puxaram a tua moedita… diz-lhe adeus e é esse o teu castigo!”
O miúdo nunca mais se esqueceu. Ao longo da vida tem visto como as muitas moedas de uns poucos puxam as poucas moedas de muitos.

6 comentários:

samuel disse...

Também conheço a anedota desde miúdo... mas há sempre uns tansos prontos a acreditar que se ficarem ao lado dos ricos... ainda lhes pode "tocar" alguma coisa...

Abraço.

Justine disse...

Assim era, e assim continua a ser! Bela lição, muito "paidagógica"...

Fernando Samuel disse...

Olha a mãedagoga, como ela sabia ensinar!...

Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

Grande lição desta economia que puxa as moedas dos pobres para os milhões dos ricos.


Um beijo.

Maria disse...

Lindo! :))))
Por acaso também conheço estórias parecidas...

Unknown disse...

Não direi "mística", mas esta história descreve quase uma experiência "religiosa". Eheheh!