Sobre o primeiro «debate» pré-eleitoral entre os candidatos dos dois partidos que monopolizam o poder nos EUA, as opiniões são quase unânimes: «caótico», «grotesco», recheado de «interrupções, insultos e ataques pessoais», uma «vergonha e um circo»… Mesmo os mais ferozes apologistas da «democracia americana» foram forçados a reconhecê-lo, embora para ver nele um simples entorse no «exemplar» funcionamento das instituições e não o produto de um sistema em decadência e das disputas na classe dominante sobre caminhos para deter o declínio do poder mundial do imperialismo norte-americano.
A propósito do «debate» um artigo de opinião, desgostoso e temeroso pela «menor capacidade de [os EUA] servir de exemplo», titulava Isto não pode ser a América (Público, 1.10.20). A verdade porém é que pode e é. Na realidade, estamos perante a imagem de uma sociedade onde o domínio sem freio do grande capital alimenta as maiores iniquidades: uma insultuosa concentração do capital e da riqueza; exércitos de desempregados, pobres e sem abrigo; milhões e milhões sem qualquer proteção na Saúde, na base do recorde mundial de 209 mil mortos pela pandemia; cadeias superlotadas com mais de dois milhões de presos e pena de morte ainda em vigor; a insegurança e o medo generalizados, alimentando poderosos negociantes de armamento; o racismo, o supremacismo branco e o fascismo organizados, tolerados, actuando à luz do dia; um avassalador domínio dos média e das grandes empresas de comunicação digital, que semeiam a confusão, banalizam a mentira, manipulam descaradamente a opinião pública...
Mais do que aquele grotesco espectáculo, é a própria realidade do capitalismo norte-americano que não pode «servir de exemplo» e, muito menos, legitimar a arrogância dos EUA para dar lições ao mundo. No que respeita a Portugal, é inquietante que as descaradas ingerências dos EUA nos assuntos internos do nosso país não só não tenham sido firmemente repudiadas pelo Governo e Presidente da República, como tenham sido seguidas de reafirmações de «fidelidade» a alianças que comprometem a soberania de Portugal, passando rapidamente uma esponja sobre as insultuosas declarações do embaixador norte-americano e mesmo disponibilizando a Base das Lages aos EUA, como fez o Ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva na sua entrevista ao Público de 1.10.20.
Mas o mais significativo no «debate», mais que no seu carácter grotesco, consistiu na ausência de um real confronto político que permitisse identificar diferenças de fundo entre as duas candidaturas. Claro que seria errado subestimar episódios como a recusa de Trump em condenar os fascistas supremacistas brancos ou a ameaça de não reconhecer os resultados eleitorais. São episódios que confirmam o real perigo de fascismo apontado pelo Partido Comunista dos EUA. Mas quanto às candentes questões da vida internacional, praticamente nada a não ser a concordância quanto à luta pela hegemonia mundial dos EUA.
Foi assim o «debate» a que muitos, procurando semear ilusões que só podem servir para tentar desmobilizar a luta anti-imperialista, chamaram o «combate que pode mudar o mundo».
1 comentário:
A total ausência de sentido de Estado, educação e respeito pelo adversário,neste debate (se se pode chamar debate)reflecte a decadência acentuada do império.Bjo
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