Na minha aldeia não há onde comprar jornais.
Em tempos, na vila lá em baixo não havia jornais à venda. Só se liam os da terra e uns outros que vinham da capital. Por assinatura ou correio postal.
A vida corria entre semeaduras e colheitas, entre vindimas e desfolhadas, no lagar e na eira. O gado convivia com as gentes e nós, os da "cedade", vínhamos a férias e gostávamos deste viver calmo, sem bulício, bonançoso. Até depressa, jovens que éramos, o aborrecermos.
Era assim que nesta Europa se vivia. Eram maus esses tempos... mas havia muitas coisas boas. Muitas.
Os ditadores tinham nomes conhecidos e temidos por todos, eram venerados por alguns (sabiam lá eles porquê...) e combatidos por uns poucos. E não havia jornais, nem televisão, nem rádio. Só uma grafonola em que giravam discos daqueles de 78 rotações sob agulha que fazia vrum-vrum, e tocava músicas de portas abertas para a rua onde os vizinhos se atardavam.
Agora não. Agora, na minha aldeia não há onde comprar jornais. Mas eles entram-me em casa pela porta do computador. Vivemos em liberdade e democracia, que muito por elas se lutou e sofreu. E pergunta-se (há quem pergunte, há!) para quê, para que foi essa luta, pois pensa-se (há quem pense, há) que elas teriam vindo à mesma, mesmo que por ela não se tivesse tanto lutado.
Vivemos, diz-se, em democracia porque se vota de vez em quando, e em liberdade porque não se é preso por dizer mal do governo. Pobres democracia e liberdade por que tanto se lutou.
Só há que continuar a lutar, dizemos nós. Os que lutaram antes e a lutar continuam. Pela democracia e pela liberdade
E, na minha aldeia, sabemos logo logo as notícias do mundo. E "ouvemos" coisas de espantar.
Querem um exemplo?
Os irlandeses disseram não a um tratado que uns tratantes dizem ser o melhor do mundo, ou pelo menos da europa. E, aqui, na minha aldeia, sei tudo (bem... quase tudo) que isso faz dizer.
Por exemplo: o senhor doutor Durão Barroso disse, num jornal de hoje, que «quando um governo assina um tratado, assume a responsabilidade da sua ratificação». E eu pasmo! E chego a ter saudades do tempo em que, na minha aldeia, gente desta não entrava em minha casa.
.
8 comentários:
É bem verdade que há coisas que mais vale não ler nem saber que existem, por razões de saude e higiene mental, nomeadamente todo este processo de ratificação do Tratado de Lisboa e a chantagem de que a Irlanda está a ser vitima.
Tiveste no entanto uma vantagem, não tiveste que rasgar o jornal. Um simples clique e o Durão foi-se...
Adorei a tua narração.
Um tempo em que o dia tinha 24 horas!
Tenho por hábito ler jornais (um mal genético) depois digo mal de tudo e sobretudo de mim. Sempre é mais vantajoso dormir.
Este fulano é mesmo um tratante fascistazoide.
Grande pressão que a Irlanda deve estar a sofrer.
GR
Para compensar, os eleitores deviam ter o direito de lhes partir as trombas quando se saem com frases destas...
Os patrões estão a apertar, e os lacaios têm de apresentar serviço, foi isso que prometeram, para poderem estar onde estão!
Coitados ;- devem de estar muito aflitos, tudo por causa daqueles ingratos Irlandeses!
Já não há Pasárgadas, é o que é...
O Durão Barroso está para a União Europeia como o A.J. Jardim está para a Madeira: ambos são carrascos do território que presidem!
bjs
«Só há que continuar a lutar, dizemos nós»: e continuamos a lutar!
Enviar um comentário