quinta-feira, abril 22, 2010

As Catarinas e as Marianas da nossa luta

Publiquei esta mensagem em docordel.blogspot.com. Mas porque a quero mais conhecida, mais lida, também aqui a trago:


Morreu Catarina Rafael.

Senti a sua morte como a perda de uma amiga, dada a amizade pessoal que tenho com a família, como a perda de uma camarada que também é um dos símbolos da nossa luta, da luta de cada um de nós – de cada mulher, de cada homem – fazendo a luta de todos nós.
E há nomes que parecem predestinados para terem esse valor de símbolo. Como o de Catarina. Porque não há só a Catarina Eufémia, de Baleizão, que tanto nos diz, que tanto cantamos, que é tão nossa. Há também a Catarina Rafael, de Vale de Vargo, que tão nossa é, esta camarada que agora nos deixou, mas de que temos de guardar a lembrança indelével do que foi a sua vida, do que é o seu exemplo.
26 anos de clandestinidade, mais de um quarto de século a fazer (com o seu companheiro, o Joaquim Rafael) - não sentados a um computador como estou agora a escrever, mas compondo com tipos de chumbo, fazendo rolar o compressor manual carregado de tinta, sempre vigilantes a todos os sinais de perigo -, a fazer, operariamente, o Avante!, o Militante, todas as publicações e documentos que mostravam – e eram também – a luta na clandestinidade contra o fascismo, pela liberdade e pela democracia, pelo povo português. Mas também a sua vida, a vida daqueles dois camaradas, com o seu direito a serem felizes, porque iguais a todos nós e tão melhores que todos nós.

Em tempos (há tantos anos!) li um livro Um homem na revolução, e penso como a Catarina e o Joaquim Rafael mereciam um livro, um filme, um DVD, sei lá o quê…, que contasse a história de Uma Família na Revolução. Sim, porque, clandestinos, tendo, tantas vezes…, de sair apressadamente de um lugar para defender a luta e as tarefas – como o fizeram da Corredoura, em Ourém, e sempre o fizeram com a heroicidade e a tão indispensável vigilância que lhes permitiu nunca serem presos e garantirem a continuidade da tarefa –, não eram só os dois, era também a filha querida, porque querida foi e na clandestinidade nasceu, a Mariana, que outros nomes teve como Clarinha se chamou quando por terras de Ourém.
Mariana! Mais um nome predestinado para tornar quem o tem um símbolo da luta. Porque há a Mariana Balbina Janeiro, de Baleizão também, essa mulher determinada, valente como outra não conheci, e que, por isso, a PIDE barbaramente destruiu com a violência das torturas. Mas também a Mariana Rafael, a filha de Catarina e Joaquim. De que gosto de contar a história, em resumo romanceado (“do cordel”): nasceu na clandestinidade, casou na clandestinidade, teve filhos na clandestinidade, e quando, depois de tanto nos ter ajudado a conquistar a liberdade para nós todos, depois de ter visto os filhos adultos e licenciados (e que lindos eles são, disse-o uma vez, há quase uns 10 anos...), resolveu que era a hora de si, de ser ela a formar-se, e tirou, brilhantemente, um curso superior, ela que nem à escola primária tinha ido porque a clandestinidade não lho tinha consentido.
Quando morre Catarina Rafael, quero dizer uma “frase batida” a vida continua. E continua porque sim, mas também porque a neta, mais uma Catarina! - perdão, a dra. Catarina -, honra a avó e o nome que tem (e os pais), e aí está a Sofia a começar a viver - com que força... -, às portas do futuro e, se for preciso, capaz de as abrir, seguindo o exemplo das Catarinas e das Marianas da nossa luta.

10 comentários:

João de Sousa Teixeira disse...

Depois de tudo, só vendo o Armando
com a Sofia ao colo, como só os avôs babados sabem fazer...

Abraço
João

Maria disse...

E eu não sei o que hei-de dizer, porque nunca sei, nestas situações.
Mas sei que a melhor maneira de honrarmos a memória da Catarina Rafael é seguirmos a Luta, que foi dela, é nossa e será da Sofia...

Um abraço, sentido.

Pata Negra disse...

Dos fracos não reza a história! Esta não foi daquelas que se tornou anti-fascista no dia 25 de Abril. Paz à sua alma!
E um abraço

samuel disse...

Muito bonito!
As pessoas assim... não partem.

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

São tantos e tantos os que quase anònimamente se deram à luta !!!!!!
A lei da vida não permite que eles continuem, mas o seu exemplo fica e eles acompanharão sempre os que continiam a lutar.
"Não fiques para trás Companheiro
Até mortos vê ao nosso lado"

Um beijo emocionado.

Sérgio Ribeiro disse...

Depois de ter escrito este texto, sentido e reflectido, em que termino com um nome de Sofia na senda do futuo aberto por Catarinas e Marianas, soube da morte de Sofia Ferreira. Outro nome maior da nossa luta, sempre com esse futuro na sua vida de luta. A Sofia que, com pouco mais de 20 anos, em 1946 "saltou" para a clandestinidade, que foi presa com Álvaro Cunhal e Militão em 1949, no Luso, que esteve presa 13 anos... que era uma mulher encantadora!
Para não fazer do blog uma sucessão de mensagens de homenagens e saudades, aqui fica a nota, pobre para o tanto que Sofia merecia.

Abreijos para todos.

Redcat disse...

Também não sei o que dizer... Só agradecer as palavras em nome da família, se isso posso fazer.
Coincidência em relação às Catarinas, Marianas e Sofias é que a Sofia Ferreira era minha madrinha, com tudo o que poderia acarretar ser madrinha na clandestinidade. Felizmente em menos de um ano veio a Revolução que estas duas camaradas, como tantas e tantos outros, ajudaram a fazer.
A saudade é muito grande. Mas lembremo-nos do seu exemplo e do facto de terem vivido muitos e bons anos, em Liberdade, e de terem alcançado uma provecta idade.
Adaptando uma frase da minha Avó: as páginas do livro fecharam-se. Mas podemos sempre voltar a lê-lo.
Catarina (sem dra)

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado, Catarina!
grande beijo

Anónimo disse...

Antes de mais gostaria de saudar o Sérgio por colocar post's tão oportunos quando se aproxima o 25 de Abril,para se honrar mulheres que lutaram por algo que acreditaram até ao fim dos seus dias,onde se inclui a camarada Sofia Ferreira com quem trabalhei e militei,nos seus ùltimos anos ainda fazia as tarefas com denodo e empenho num dos centros de trabalho do partido (Beato)em Lisboa onde também pertenci.Há uns cinco anos vim para o Alto Minho e esta notícia deixa-me consternado.
Um abraço
Albano

albano ribeiro disse...

O post de cima não é anónimo,
pertece-me