quinta-feira, fevereiro 02, 2012

A mentira e a verdade da Revolução de Abril - 3

(continuação da resposta do professor Francisco Pereira de Moura à primeira pergunta, sobre a crise e a Revolução de Abril, na entrevista do Diário de Lisboa, em Abril de 1977, entrevista publicada na totalidade em livro de edição Seara Nova, com o título O projecto burguês do governo socialista.)


FPM - (...) Recordando estas circunstâncias, que são indiscutíveis, até se pode admitir a hipotese de os meios da média e alta burguesia portuguesa terem impulsionado o golpe militar ou - o que, ao menos, sem dúvida aconteceu - terem procurado apropriar-se dele, controlando-lhe a evolução. Simplesmente, o povo veio para a rua e a revolução social começou a substituir-se ao simples golpe militar e às alterações palacianas. E assim, para além da queda do fascismo e da conquista das liberdades democráticas, projecto que reuniu grupos muitos diversos de oficiais do MFA e que viria a revelar-se suficiente para muitos dirigentes políticos caudilhando a média e alguma prquena burguesia, para além dessas transformações na "carapaça" política, começaram a avançar transformações bem mais profundas:
a descolonização, que é coisa diferente de pôr termo às guerras e encontrar uma solução política, por exemplo, no quadro de uma federação - sonho, entre outros, do primeiro presidente Spínola;
a democracia nas empresas, com conquista de salários mas também com direito dos operários a serem tratados como pessoas, levando à fuga de autênticos carrascos, até então lucrando impunemente, e ao aparecimento das primeiras formas de intervenção dos trabalhadores no controlo, enquanto não se passava a alterações mais fundas nas relações sociais;
e ainda outra transformação que se iniciou foi um embrião de poder popular, com entrada de gente limpa para as autarquias, e com acções nos bairros e em torno dos problemas das crianças, da mulher trabalhadora-dona de casa, das escolas, etc.
Tudo isto pôs frente a frente a alta e média burguesia, que previam certo rumo para as coisas, e o povo trabalhador que, evidentemente, julgava chegada a hora do início da sua libertação.
DL - Pensa, portanto, que os antagonismos entre classes se agudizaram logo nessas ocasião?
FPM - Sim, é nesse contexto de antagonismos e de luta que tem de situar-se toda a evolução e os altos e baixos verificados - e mais os que ainda estão para vir. Claro que a crise do capitalismo (reduzindo exportações portuguesas, entradas de turistas, rendimentos dos emigrantes e, portanto, as suas remessas) levaria a dificuldades na balança de pagamentos; e a alta de preços do petróleo e outras matérias-primas agravaria, inevitavelmente, a mesma balança. Assim como o termo das guerras, levando à desmobilização rápida de quase 100 mil soldados e a crise económica capitalista, fechando de repente a emigração teriam de suscitar um grave problema de desemprego no País. E algumas perturbações na produção, nos movimentos de capitais e de transferências, no turismo haviam de dar-se, mesmo que tivéssemos tido a revolução mais ordeira, calma, regular que se queira imaginar. Mas o somatório de todas estas razões de crise não levaria aos enormes ritmos de alta de preços destes últimos meses, nem à perda de reservas de divisas e ao esbanjar sucessivo das que se vêm obtendo com empréstimos, nem aos 500 mil desempregados. E por isso temos de voltar ao esquema  de antagonismos e lutas na condução da revolução para ver mais claro.  

3 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Se aluta se impunha nessa época,que dizer no tempo presente?
Gostei de ler as declarações de FPM.

m beijo.

Antuã disse...

Pois, pois se não fosse o Povo teríamos uma coisinha spinolista. Felizmente há PCP!

Olinda disse...

O povo é o motor da história.O que seria um golpe de estado,para resolver a "vida" a alguns militares,trasformou-se numa perspectiva de esperança para o povo português.
Porque nao conseguiu esta geraçao,transmitir toda essa força aos seus descendentes?