terça-feira, março 13, 2012

Crónica inesperada


Estou em Lisboa. Vim, de “expresso”, para uma iniciativa sobre "editoras e livros que foram resistência", em que irei participar, em nome da Prelo, no Museu da República e da Resistência".

(E, também – confesso – para acompanhar o crescimento do meu neto Diogo… que já passou o mês e uma semana e os 60 centímetros, e está nos 5 quilos!).

Almoço e ali pendurado, próximo do tecto, o televisor traz-me o título do programa, Conhecer a crise, e a imagem de António Barreto. Perorando.
Está tudo ligado! Lembro a editora Prelo, há 40 anos, a receber um original de dois jovens a estudar na Suíça – Carlos de Almeida e António Barreto – com um título apelativo, Capitalismo e emigração em Portugal.
Lá em cima, com o seu ar de Einstein-de-trazer-por-casa, Barreto perora. Em 13 de Março de 2012. Mais de 40 anos depois. Sobre como conhecer a crise, decerto. Felizmente não o ouço, e a digestão faz-se normalmente.
Mas lembro. Lembro a reunião na Prelo, e a decisão de arriscar a edição do original dos jovens camaradas. Um bom estudo e texto. Na colecção Cadernos de Hoje. Risco assumido e concretizado, com a apreensão pela PIDE, e alguns incómodos correlativos, além dos financeiros.
Lembro, uns anos depois, a ida a Genève, em Junho de 1974, ainda com o corpo a cheirar(-me) a Caxias, e a desilusão de aquela delegação, a primeira às Nações Unidas depois do 25 de Abril, não ter tido sequer uma visit(inh)a daqueles compatriotas que ainda por lá esperavam que rumo dar às vidas. Mas já então, ao que me constou, Barreto considerava que não seria suficientemente (ou que seria excessivamente?...) revolucionário o rumo das coisas cá pela pátria. E "nós" os responsáveis...
Depois, bem… depois foi, no 1º governo constitucional, a consagração de António Barreto, com a lei que traz o seu apelido e que é bem o símbolo da contra-reforma agrária. Do que, eventualmente, se orgulhará, ou, talvez…, de que, mesmo que deseje esquecido o seu nome nesse documento político do maior significado no processo social português, tirará pessoais e  sempre actualizados dividendos.
Feito isso, esse feito da Lei Barreto!, remeteu-se AB à carreira de universitário, comentarista e perorador apartidário. Como grande (mais de um metro e oitenta…) intelectual e pensador. Com êxito nas hostes. Ao que parece. 
Está ali em cima a explicar-nos a crise...

É das minhas referências de estimação. Desde há quase 40 anos. Nunca trocámos duas palavras. Nem bom dia, nem boa tarde
Terá passado de pretensamente revolucionário a demasiado revolucionário, de demasiado revolucionário a excessivamente reaccionário, de excessivamente reaccionário a muito respeitado (por quem?!) sociólogo. Sempre, e só, António e Barreto. Demasiado, excessivo!

(isto saltou-me para a toalha de papel. Irei ler logo na sessão no “Museu da República e da Resistência”? Talvez…)

5 comentários:

Madeira disse...

Sou emigrante em Paris desde 1969 e tive ocasião de encontrar muitos miseráveis como esse.É gente que não faz história apenas estão de passagem à procura de encontrar um tacho vendendo-se a quem melhor lhe pagar.

Graciete Rietsch disse...

É que o rumo do verdadeiro Abril não traria tachos a ninguém.

Um beijo.

jrd disse...

Um "idiota útil", um dos maiores, que "eles" gostam de apresentar como sendo de "esquerda".

Clotilde Moreira disse...

Gostei do texto mas tive de ir ver o significado de perorador. Eu chamo palrador. Como é que uma pessoa que acabou com a reforma agrária (se calhar não seria ideal mas era melhor do que ter-se abandonado o campo a troco de dinheiro) e agora está a palrar?
Clotilde

samuel disse...

Crónica boa demais para tal besta!

Abraço.