sexta-feira, março 02, 2012

Crónicas de Televisão - Correia da Fonseca

No Alentejo Popular:


NO RETORNO PARA O VAZIO

1.  O “Portugal Português”, programa do TVI24, dedicou uma das suas recentes emissões ao projecto “Os Novos Povoadores”. Não é uma iniciativa muito recente, terá desde o seu início uns dois anos pouco densos e talvez mal medidos, os frutos que proporcionou entretanto ou que simplesmente prometeu são escassos e de consistência duvidosa, mas é significativa: trata-se de um movimento de retorno ao despovoado interior português por parte de cidadãos que se sentem escorraçados dos grandes centros do litoral onde, muito simples e dramaticamente, não conseguem ganhar a vida a despeito das qualificações académicas ou outras que obtiveram. Tornam-se então como que aderentes ao mito do empreendedorismo, um quase neologismo que corresponde de facto ao princípio não escrito mas muito praticado segundo o qual cada um que se amanhe pois o Estado não tem nada com isso. É, como bem sabe quem o queira saber, coisa importada do lado de lá do Atlântico, da Grande Democracia onde se contam trinta milhões de desempregados afora as vítimas do subemprego. Por cá, o empreendedorismo tem sido muito preconizados pelos instalados no poder político, com destaque para o senhor Presidente da República. É, como bem se compreende, uma óptima e cómoda atitude que implica, pelo menos tacitamente, a responsabilidade de cada desempregado pela sua própria situação de desemprego: fosse ele mais empreendedor e já as coisas lhe seriam diferentes. Por outro lado, o conselho tende a promover o milagre da multiplicação do empresariado microcapitalista ao mesmo tempo de dispensa o Estado de investir de forma criar emprego, o que aliás constituiria infracção à sagrada regra que o proíbe de tamanho pecado. Dispensado de contribuir directamente para o crescimento económico, o Estado pode também dispensar-se de cobrar dos grandes grupos financeiros e das grandes fortunas os impostos que o municiariam para esse esforço. Nada de espantar: para este tipo de gestão é que os poderosos se aplicam a promover os governos que de facto serão os seus mandatários, executores das políticas que lhes garantam os proventos e a tranquilidade.

2. Este suposto, de qualquer forma mínimo, “regresso” de fragmentos das populações urbanas ao interior desertificado durante as décadas anteriores tem qualquer coisa de aventureiro no melhor dos sentidos, de pioneirismo um pouco mo estilo do faroeste norte-americano. Mas no interior português, que por sinal não é a Oeste mas sim a Leste, nem sequer há índios, há sobretudo velhos à espera do fim, incapazes de coleccionarem escalpes, e ainda menos há ouro. Na verdade, salvo alguns centros urbanos de segunda ou terceira dimensão, já não há praticamente nada, sucessivos governos esvaziaram-no de tudo: de centros de saúde, de escolas, de postos de correio, de ligações ferroviárias, de cidadãos em idade activa, de crianças, e o processo ainda não chegou ao fim. Parafraseando um estribilho dos anos do fascismo, poderá dizer-se que enquanto subsistir uma estrutura pública que apoie quem ainda por lá reste a tarefa de promoção do deserto continua. Por vontade de um senhor primeiro-ministro de apelido Cavaco, foram há uns anos construídas estradas que penetraram nessas áreas do território, modernas vias de comunicação que facilitaram o acesso ao que entretanto se metamorfoseou em relativo deserto. Por elas se encaminham agora, tanto quanto de pode supor, estes migrantes internos, os chamados “novos povoadores”, tanto quanto se sabe sem apoios do Estado, provavelmente apenas com o auxílio dos Céus onde habitam padroeiras e santos protectores que, segundo consta, sempre olharam pelos portugueses, mas não tanto quanto o fizeram por outras gentes da Europa que, segundo há anos foi anunciado, estaria connosco, mas acabou por faltar ao encontro marcado. Pode-se e deve-se, naturalmente, desejar a todos eles o maior dos êxitos. Mas é inevitável suspeitar de que, pelo menos quando do minúsculo fenómeno se faça uma avaliação integrável numa escala nacional, se trata sobretudo de uma miragem ou, mais provavelmente, de uma diversão. Abençoada, se não estimulada, pelos que em confortáveis gabinetes instalados nos grandes centros saboreiam as vantagens do poder efectivo.

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

É uma miragem e uma burla!!!
Muito boa esta crónica!

Um beijo.