quinta-feira, março 15, 2012

TáVisto

As crónicas de Correia da Fonseca
(no Alentejo Popular)

O AUTO-RETRATO


1. A televisão também nos dá a ver, eventualmente a ouvir, auto-retratos. Alguns são mais ou menos voluntários, outros nem por isso. Na passada semana aconteceu um desses auto-retratos que deu muito que falar na TV e fora dela: suscitou opiniões contraditórias, discussões, debates, implicações políticas ainda que de via reduzida, juízos éticos. O relevo do caso resultou da circunstância de o auto-retratado ser um sujeito importante, embora não tanto quanto ele próprio julga pois, como se sabe, a importância de um homem decorre muito mais da qualidade do monge que do hábito que ele enverga. Tudo começou com um livro recentemente editado. Na verdade, o livrinho não teria nada que especialmente atraísse as atenções se não fosse, precisamente, o auto-retrato que nele se contém à transparência, digamos assim. Não que os traços evidenciados constituam surpresa: pelo menos os cidadãos atentos já decerto haviam dado por eles, no todo ou em parte. Mas talvez nunca se houvessem revelado de um modo tão nítido, quase se diria que tão chocante. Poderá talvez dizer que de uma forma que de certo modo nos envergonha a todos nós, cidadãos portugueses. Ou, pelo menos, capaz de envergonhar os que há um pouco mais de um ano inadvertidamente constituíram uma maioria.

2.O factor que funcionou como revelador do auto-retrato foi a aversão de um homem em relação a outro. Falo em aversão e não em ódio porque convém não exagerar nas palavras, mas é claro que nisto de sentimentos positivos ou negativos é fácil acontecerem deslizes de uma intensidade para outra. Passemos. Trata-se, pois, de dois homens, e desde já convém acentuar que estas duas colunas de prosa tosca estão longe da militância por qualquer deles. Porém, como escreveu Sophia e tantas vezes se cita, “vemos, ouvimos e lemos, /não podemos ignorar”. Lembremos, pois. Ouvimos, um dia, um primeiro-ministro dizer ao País que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. Veio agora o mesmo acusar um outro de “falta de humildade política”.O mesmíssimo formula agora a acusação de “deslealdade” havida há já quase um ano, mas o acusado está agora longe do País e mesmo da política, é duvidoso que queira ou mesmo que possa contrapor argumentos e defender-se, pelo que o ataque agora desencadeado contra um ausente não sugere coragem mas sim o contrário. Poderá alegar-se que o indício é ligeiro. Mas soma-se, na distância de algum tempo, a uma silenciosa passividade havida em Viena da Áustria perante uma insolência anti-portuguesa ou, para quem preferir exemplo mais recente, a uma fuga perante um esquadrão de adolescentes irreverentes. E assim a falta de coragem se acrescenta à falta de humildade.

3.Mas há mais, e talvez mais amplo, e talvez pior. Há o desejo, porventura o quase furor, de ser o chefe, o superior, o diferente por ser reconhecido como o melhor. A nossa memória pode lembrar um antigo chefe de governo que se referia como meros “ajudantes” aos seus ministros para assim sublinhar a abissal superioridade da sua própria função. Neste caso de involuntário auto-retrato, destaca-se a queixa por o alvo da sua hostilidade ter partido para uma negociação no estrangeiro sem previamente lhe dar conta disso, sem lhe pedir opinião, sem tacitamente lhe pedir licença, ignorando de facto a sua superioridade. Acontece que não tinha de fazê-lo, especialistas na matéria o confirmam. Mas a ambição de mandar e de com esse mando dissimular a efectiva mediocridade que está lá, nele, camuflada com diplomas de efectiva validade já caduca, mediocridade que ele próprio já pressentirá ainda que confusamente (porque uma enorme e inexpugnável auto-estima lhe impede a clarividência) é-lhe um motor para a raiva incontida. Ele tem de ser sempre o patrão e de ser tratado como tal mesmo quando a Lei diga o contrário. Para que todos se convençam disso. Para que ele possa continuar a ser feliz.

(muito obrigado, C da F.)

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Depois de tanto tempo passado é que o homem se queixa!!!!!
Qual seria a intenção dele, na altura? Quem o comanda? Ele pode ser chefe, mas obedecendo a alguém!!!!

Um beijo.