domingo, dezembro 13, 2015

Quando a desigualdade mata - Stiglitz



de A Estátua de Sal (obrigado), para que  fique legível:

Quando a desigualdade mata


(Joseph Stiglitz, in Expresso, 12/12/2015)
Autor
Joseph
Stiglitz
Os norte-americanos brancos também estão a morrer mais cedo à medida que os rendimentos decrescem, como revela Angus Deaton, Prémio Nobel da Economia.

NOVA IORQUE — Esta semana, Angus Deaton receberá o Prémio Nobel da Economia “pela sua análise do consumo, pobreza, e desenvolvimento”. Merecidamente. Na verdade, pouco depois de o prémio ter sido anunciado em outubro, Deaton publicou um trabalho impressionante com Ann Case nos Proceedings of the National Academy of Sciences — uma investigação que é, pelo menos, tão digna de nota como a cerimónia do Nobel.
Ao analisarem uma grande quantidade de dados relativos a saúde e mortes entre os americanos, Case e Deaton mostraram que a esperança de vida e a saúde estavam a piorar para os americanos brancos de meia-idade, especialmente para aqueles com instrução secundária ou inferior. Entre as causas estavam o suicídio, as drogas e o alcoolismo.
A América orgulha-se de ser um dos países mais prósperos do mundo, e pode gabar-se de, em todos os anos recentes exceto num (2009), o PIB per capita ter aumentado. E a boa saúde e a longevidade são aparentemente um sinal de prosperidade. Mas, embora os EUA gastem mais dinheiro per capita em cuidados médicos do que quase qualquer outro país (e mais como percentagem do PIB), estão longe de liderar o mundo na esperança de vida. A França, por exemplo, gasta menos de 12% do seu PIB em cuidados médicos, comparando com os 17% dos EUA. Contudo, os americanos têm uma expectativa de vida inferior, em três anos completos, à dos franceses.
Durante anos, muitos americanos tinham uma explicação para esta distância. Os EUA são uma sociedade mais heterogénea, defendiam, e a distância refletia a grande diferença na esperança média de vida entre os afro-americanos e os americanos brancos.
A barreira racial na saúde é, claramente, demasiado real. De acordo com um estudo publicado em 2014, a esperança de vida para os afro-americanos é cerca de quatro anos menor para as mulheres e mais de cinco anos menor para os homens, relativamente aos brancos. Esta disparidade, contudo, é dificilmente apenas um resultado inócuo de uma sociedade mais heterogénea. É um sintoma da desgraça americana: discriminação generalizada contra os afro-americanos, refletida num rendimento familiar mediano que é menos de 60% do das famílias brancas. Os efeitos do rendimento menor são exacerbados pelo facto de os EUA serem o único país avançado que não reconhece o acesso aos cuidados de saúde como um direito básico.
Alguns americanos brancos, no entanto, tentaram desviar a culpa de morrer mais novo para os próprios afro-americanos, citando os seus “hábitos de vida” [NdT: lifestyles]. É talvez verdade que os hábitos pouco saudáveis estejam mais concentrados entre americanos pobres, e que muitos destes sejam negros. Mas estes hábitos em si são uma consequência das condições económicas, para não falar das pressões do racismo.
O PIB não é normalmente uma boa medida do bem-estar de uma sociedade
Os resultados Case-Deaton mostram que essas teorias já não servem. A América está a tornar-se uma sociedade mais dividida — dividida não apenas entre brancos e afro-americanos, mas também entre os 1% e o resto, e entre os que têm um nível de educação superior e os que não o têm, independentemente da raça. E a divisão pode ser medida não apenas em salários, mas também em mortes precoces. Os americanos brancos, também, estão a morrer mais cedo à medida que os seus rendimentos decrescem.
Esta evidência dificilmente choca aqueles que estudam a desigualdade na América. O rendimento mediano de um trabalhador masculino a tempo inteiro é inferior ao que era há 40 anos. Os salários dos trabalhadores masculinos com educação secundária caíram perto de 19% no período estudado por Case e Deaton.
Para não se afundarem, muitos americanos contraíram dívidas junto de bancos a taxas de juro usurárias. Em 2005, o Governo do Presidente George W. Bush fez com que fosse muito mais difícil para as famílias declararem falência e solicitarem perdão de dívidas. Depois veio a crise financeira, que custou os empregos e lares a milhões de americanos. Quando o seguro de desemprego, desenhado para pequenos períodos de falta de trabalho num mundo em pleno emprego, se esgotou, foram abandonados à sua sorte, sem rede de segurança (além dos vales-alimentação), enquanto o Governo resgatava os bancos que tinham causado a crise.
Os privilégios básicos de uma vida de classe média estavam cada vez mais longe do alcance de um conjunto cada vez maior de americanos. A Grande Recessão mostrara a sua vulnerabilidade. Aqueles que investiram no mercado bolsista viram desaparecer muita da sua riqueza; aqueles que aplicaram o seu dinheiro em títulos de dívida pública viram os rendimentos da sua reforma a diminuir quase até zero, à medida que a Fed baixava incessantemente as taxas de juro tanto no curto como no longo prazo. Com o aumento das propinas da faculdade, a única maneira para os seus filhos terem a educação que lhes permitisse uma réstia de esperança seria pedir emprestado; mas, com empréstimos a estudantes praticamente nunca reembolsáveis, a dívida para estudar parecia ainda pior do que outras formas de dívida.
Não havia maneira para que esta crescente pressão financeira não colocasse os americanos de classe média e as suas famílias sob uma maior tensão. E não surpreende que isto se tenha refletido em maiores taxas de abuso de drogas, de alcoolismo e de suicídio.
Fui economista-chefe do Banco Mundial no fim da década de 90, quando começámos a receber notícias igualmente deprimentes provenientes da Rússia. Os nossos dados mostravam que o PIB tinha caído perto de 30% desde o colapso da União Soviética. Mas não confiávamos nas nossas medições. Os dados que mostravam a diminuição da esperança de vida masculina, mesmo quando esta aumentava no resto do mundo, confirmavam que as coisas não iam muito bem na Rússia, especialmente fora das grandes cidades.
A comissão internacional para a medição do desempenho económico e do progresso social, a que copresidi e onde Deaton participou, já tinha salientado que o PIB não é normalmente uma boa medida do bem-estar de uma sociedade. Estes novos dados sobre a degradação do estado de saúde dos americanos brancos confirma esta conclusão. A sociedade que representa a quintessência da classe média no mundo está em vias de tornar-se a primeira sociedade pós-classe média no mundo.

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