quinta-feira, dezembro 24, 2015

O imperialismo é isto!

 - Edição Nº2195  -  23-12-2015

Sykes-Picot no Século XXI

Em 1916, diplomatas ingleses e franceses cozinharam um plano secreto de partilha do então Império Otomano (turco). Enquanto enganavam os árabes com promessas de independência, planeavam entre si o controlo da região (com umas migalhas para o czarismo russo). Após a Revolução Russa de 1917, o jovem poder soviético descobriu o acordo Sykes-Picot nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e revelou-o ao mundo. Um século depois, repetem-se os planos de partilha imperialista.

Há quase uma década (Junho 2006), o norte-americano Armed Forces Journal publicava um mapa que redesenhava as fronteiras do Médio Oriente. Desde então, as guerras imperialistas deram lugar à fragmentação do Iraque e Síria e ao surgimento do «Califado Islâmico» ou ISIS. Agora começam a surgir as confissões públicas semi-oficiais dos objectivos. O ex-Embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, escreveu (NY Times, 24.11.15) que «a realidade é que o Iraque e a Síria, tal como os conhecemos, já não existem». E falando do que chama o «eixo russo-iraniano e dos seus intermediários», afirma sem pestanejar: «o seu objectivo de recuperar para os governos iraquiano e sírio as antigas fronteiras é um objectivo fundamentalmente contrário aos interesses americanos, israelitas e dos estados amigos árabes». Não querendo ficar atrás, o chefe dos Serviços Secretos franceses para o Estrangeiro (DGSE), Bernard Bajolet afirmou: «o Médio Oriente que nós conhecemos acabou e duvido que ele volte […] não sei bem em que moldes. Mas seja como for, será com um figurino diferente do que foi estabelecido após a Segunda Guerra Mundial», quando esses países deixaram de ser colónias francesas e inglesas. O portal belga que reproduz estas afirmações (www.rtl.be, 28.10.15) acrescenta que «o director da CIA [John Brennan] exprimiu um ponto de vista semelhante». Igual objectivo foi expresso pelo ex-Ministro de Negócios Estrangeiros inglês, William Hague, falando na Câmara do Lordes em apoio dos bombardeamentos ingleses na Síria: «Devemos estar abertos a novas soluções. Ao fim e ao cabo, se as comunidades e dirigentes não conseguem viver em paz na Síria e no Iraque, teremos de tentar que vivam em paz, mas em separado, através da partição desses países» (BBC, 2.12.15). Repare-se no desplante de fingir que estamos perante um problema de indígenas incapazes de se governarem, que nada tem a ver com duas décadas de guerras, invasões e agressões, nas quais o imperialismo inglês desempenhou papel destacado.



Os objectivos de dominação explicam o que de outra forma parece contraditório, como as alianças à la carte ou os pretextos para intervir na região: o governo inglês que em 2013 queria bombardear o governo sírio está agora a bombardear a Síria invocando a ameaça do ISIS... que combate o governo sírio. O pretexto é esse. A realidade é outra, como fica patente no cada vez mais claro papel da Turquia (potência da NATO) no apoio e tráficos que sustentam o ISIS. O governo sírio fez este mês queixa formal à ONU de que quatro aviões da «coligação anti-ISIS» chefiada pelos EUA bombardearam uma base do seu exército, «matando três soldados e ferindo 13» (www.cbc.ca, 7.12.15), numa «província em grande parte nas mãos do ISIL» (BBC, 7.12.15). Na semana passada, coube a sorte ao exército iraquiano em pleno combate contra o ISIS, que sofreu dezenas de baixas num ataque aéreo de aviões dos EUA (Press TV, 18.12.15). A «coligação anti-ISIS» dos EUA mais parece a Força Aérea do ISIS. Não surpreende assim que, como titulava o insuspeito Washington Post (1.12.15), «Iraquianos pensam que os EUA estão feitos com o Estado Islâmico».


O caos e o terrorismo são uma arma para justificar as guerras e agressões e, no plano interno, os estados de emergência e os mecanismos de repressão fora de controlo. Na raiz estão sempre os interesses económicos e de classe do grande capital. O imperialismo é isto.




Jorge Cadima

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