- Edição Nº2210 - 7-4-2016
Angola: solidariedade e coerência
A rapidez com que se passa da discussão
de um processo judicial em curso nos tribunais angolanos
para considerações categóricas sobre Angola
e o caminho que os angolanos devem fazer
mostra bem o quadro em que é feita esta discussão.
Quem recorrentemente tem levado à Assembleia da República a discussão sobre Angola não tem qualquer preocupação com o povo angolano, as suas condições de vida, a sua liberdade ou o seu futuro. Pretende sim encontrar um pretexto que lhe permita retirar dividendos políticos imediatos instrumentalizando legítimos sentimentos de solidariedade com aquele povo, mesmo que para isso tenha de acompanhar (e alimentar) uma campanha que visa atingir o contrário das proclamações sobre liberdade e democracia com que se disfarça.
E se, pelo caminho, houver condições para apontar toda a artilharia ao PCP, tanto melhor. Não se espera sequer meia-dúzia de horas para que, a partir da comunicação social dominante ou das redes sociais, se esteja a atirar àquele que, para muitos, era afinal o alvo escondido sob o pretexto de Angola. Ou será que ninguém estranha que se tenha ocupado mais tempo a atacar a posição do PCP (em muitos casos sem sequer a conhecer ou deturpando os seus fundamentos) do que a escrutinar os argumentos daqueles que usam ora Rafael Marques ora Luaty Beirão para se guindarem a educadores do povo angolano, ditando aos angolanos o que o seu país é e o que dele devem fazer?
É óbvio que a maioria dos portugueses se identifica com os anseios do povo angolano de viver num país mais democrático, mais desenvolvido e com mais justiça social e, naturalmente, é solidária com essa luta do povo angolano. E a questão nem sequer é a da legitimidade e justeza dessas aspirações e reivindicações, que não se questionam onde quer que seja que os trabalhadores e os povos lutem para as alcançar. A questão é a de saber se essas justas aspirações e reivindicações são ou não instrumentalizadas conduzindo precisamente à sua negação.
Manipulação e ocultação
Em nome da liberdade, dos direitos humanos e da democracia fizeram-se as guerras ao Iraque e à Líbia, que serviram afinal para saquear e controlar as riquezas daqueles países, destruindo os seus estados e negando aos trabalhadores e aos povos desses países os mais elementares direitos. Em nome da liberdade, da democracia e da justiça social deram-se apoios e financiamento àqueles que se designava por «combatentes da liberdade», incluindo os que a partir da Síria, da Líbia ou do Iraque vieram a constituir com esse apoio o que hoje se designa por auto-proclamado Estado Islâmico (ou Daesh).
Em nome do combate à corrupção e à oligarquia e exigindo liberdade e democracia foram apoiados na Ucrânia os golpistas da Praça Maidan que conduziram os nazi-fascistas ao poder, mesmo quando já era claro que era essa a natureza das forças que dirigiam e que eram falsas as proclamações com que se dissimulavam.
Ninguém nega a justeza das aspirações e reivindicações de mais democracia, liberdade e justiça social mas também ninguém se atreverá a negar que elas foram instrumentalizadas para conduzir ao resultado exactamente oposto.
Solidariedade ou instrumento?
A solidariedade do PCP com os trabalhadores e o povo angolano exige que não deixemos Angola à mercê de quem quer fazer daquele país o mesmo que fez à Líbia ou ao Iraque, instrumentalizando legítimos anseios ou aspirações. A nossa solidariedade com os trabalhadores e os povos que lutam por mais democracia, liberdade e justiça social exige que recusemos acompanhar aqueles que, em nome desses valores, alimentam operações que conduzam à ingerência, à desestabilização externa e à guerra e à imposição de menos liberdade, menos democracia e menos justiça social.
Mesmo quando para alguns isso é difícil de compreender por que não bate certo com as operações mediáticas construídas a partir da propaganda determinada pelos centros do imperialismo. Ou será que ninguém estranha que as posições assumidas por BE e PS nos votos que apresentaram sobre Angola sejam convergentes com aquelas que foram assumidas pelo Departamento de Estado norte-americano e pela União Europeia?
Ao contrário de outros, que se posicionam como instrumentos de cada operação desencadeada pelo imperialismo para liquidar a soberania e submeter países às suas ordens, que têm as suas mãos sujas com o sofrimento, a morte e a devastação que atinge os povos desses países, que são também responsáveis pelos milhões de refugiados que resultam dessas agressões, o PCP afirmará sempre a sua defesa da liberdade, da democracia, dos direitos dos cidadãos e nunca será instrumento ao serviço das operações que querem fazer de Angola mais uma vítima, que queiram fazer de Angola uma nova Líbia.
João Oliveira
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