sábado, abril 02, 2016

Nos 35 anos, um colóquio no Tribunal Constitucional

Trecho de texto lido em  27 de Abril de 2011 
no 35ª aniversário da Constituição de 1976:






«(...)
O momento que vivemos (irrisório em tempo histórico, mas relevante pelo modo como a ele se chegou e pelo que de nós exige para dele sairmos) indisponibilizou o senhor Governador do Banco de Portugal de me fazer chegar, em tempo útil, o texto que eu deveria comentar. Para, talvez inadequadamente, usar plebeísmos a que sou atreito diria, sem ofensa, que quando os “patrões” estão na loja não há dias santos… nem para a Constituição que nos é, e que nós somos.
Assim sendo, e pelo respeito que me mereceu o convite, e quem o fez, e também respeitando o compromisso que tomei, resolvi aproveitar os últimos documentos publicados do Banco de Portugal para me actualizar e elaborar o meu comentário. São eles a Nota de Informação Estatística, de 21 de Abril e o Indicadores de Conjuntura 4|2011, também de 21 de Abril.
 Antes, no entanto, de os comentar, quero deixar claro, ao posicionar-me para o comentário, que este terá, evidentemente, de ter como primeiro referencial a Parte II da Constituição, sobre a Organização económica, artigos 80º a 107º, com particular destaque para as alíneas a) dos artigos 80º e 81º
A organização económico-social assenta nos seguintes princípios:
a)   Subordinação do poder económico ao poder político democrático;
e
Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
e o ponto 1. do artigo  82º
1.   É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.
Ora, esta sumaríssima enunciação obriga-me a um também breve parênteses sobre a temática do funcionamento e financiamento da economia, para que não haja qualquer ambiguidade na minha abordagem de tão delicado tema.
Considero haver duas maneiras, histórica e ideologicamente – estando estas duas vertentes inter-relacionadas –, de encarar a economia e o seu funcionamento.
i)                 Ter como ponto de partida e de chegada as coisas que satisfazem as necessidade sociais, históricas, sendo a coisa-dinheiro um instrumento, um meio, que se foi historicamente tornando cada vez mais indispensável e influente no funcionamento da economia, enquanto – e sempre – relação entre seres humanos.
ou
ii)             Ter como ponto de partida e de chegada a coisa-dinheiro, com base material real ou criada artificialmente, fictícia, em relações de produção em que as classes sociais se separam por terem ou não propriedade dos meios de produção.
Predominando esta segunda “maneira”, ou estas relações que definem o modo de produção e a formação social, a totalização do funcionamento da economia, a produção e a circulação de mercadorias, desencadeia inevitáveis contradições na sua concretização de caminhada dialéctica.
Estamos a vivê-las, isto é, estamos a atravessar um período histórico em que explodiu o que vinha sendo larvar ou de vulcão aparentemente em repouso. E será (diria) vital retomar a análise totalizadora dos processos (de produção e de circulação) nas suas contemporâneas expressões, como Marx, Keynes, Kondratief, Kalecki, Oskar Lange, Nagels, e outros mais recentes (mas também mais raros) que me escapam entre os dedos das leituras e das citações, se oportunas fossem.
O que me parece evidente é que na situação actual, na sua correspondente representação super-estrutural, na sua inteligenciação, se esquece ou se menospreza a visão total, quer no funcionamento da economia, quer para fora dela enquanto ciência social, numa globalização planetária “às fatias” espaciais e temporais, saltando da multi-nacionalidade empresarial de há décadas e em confronto com uma alternativa visível e em “guerra fria”, para a trans-nacionalidade financeira, em que o crédito e a moeda sem base metálica se foram tornando avassaladoramente dominantes,
Em clara desmesura para além do papel do circuito monetário e creditício no funcionamento da economia, enquanto área de racional utilização dos recursos da natureza (de que o ser humano é parte) para satisfação das necessidades sociais através do trabalho, sempre mais cristalizado e sempre mais podendo dispensar o trabalho vivo.
Voltemos, então, a Portugal (de onde nunca sai) e à revisita à nossa Constituição de Abril (de 2 de Abril de 1976) já tão novembrada a posteriori, mas com 35 anos… e não com maior ou menor idade. Levantando algumas (im)pertinentes questões.
  •     A Constituição da República Portuguesa existe?
  •     O que se jura é para se cumprir?

·       Quando incompatível com um direito dito comunitário, qual prevalece?
·     Respeita-se, na organização económica, o que ela diz da articulação de sectores, do favorecimento aos desfavorecidos, da subordinação do poder económico (e financeiro) ao poder político democrático?
  •     É admissível que, neste quadro de partida, se coloque sequer a hipótese de adopção de regras orçamentais com quantificação de limites e com valor constitucional?
  •     Como se adapta o necessário financiamento do Estado ao espírito e às vigentes regras constitucionais?

(...)»


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