Em 1996 (há 20 anos!... e já, então, a escrever memórias...), escrevi isto, agora encontrado na indispensável e periódica "limpeza":
A(s) memória(s)
incómoda(s)
Convidávam-nos, e ouviam-nos, quando éramos a voz isolada, quando só nós destoávamos dos
consensos sobre os "caminhos europeus".
Atribuiam-nos o estatuto de contra-prova. Como o do controlo
anti-doping que só serve para confirmar que o atleta "foi à
compota". Nós éramos os "contra a Europa", os catastrofistas, os
que serviam para mostrar como "eles" tinham razão, razão que até se
confirmava porque nós, "estes"!, estávamos em desacordo.
Convidavam-nos, pouco mas q.b. para sermos a horrenda bruxa madrasta
que realça beleza e bondade das Brancas de Neve.
Depois, os tempos correram, como é próprio dos tempos (e também das
Alices e mais figurantes do País das Maravilhas), pois não há tempo sem que
tempos corram. Bastaram poucos os anos dos tempos corridos para confirmar o que
previmos e prevenimos.
Falamos da "Europa", claro, e de Maastricht, e da moeda
única, e das crises que não são ou já foram mas sofremos, e das especulações e
contradições que a realidade mete pelos olhos dentro, e do desemprego, e da
pobreza, e da exclusão.
Falamos, claro, de todas as "surpresas" que deram cabo de
todas as previsões de quem tem credibilidade para fazer previsões e mais
credibilidade ganha quanto mais previsões falha.
E deixámos - conjunturalmente? - de ser convidados. Ou melhor, as
portas dos Centros Culturais de Belém e afins que nos são abertas são as das
plateias para ouvirmos e homologarmos presencialmente o que outros disserem de
cima de palcos ou estrados, das cadeiras de debitadores de certezas ou das estantes de
conferencistas.
Aí, se ouvirá o que lemos em todos os jornais que dão relato do que por lá
se passa, com destaque de protagonistas. As profundas análises, os lúcidos
comentários, as preclaras (e displicentes) explicações de... porque é que foi
assim e não como tinha sido previsto (por "eles"...). Depois, com a
força de quem pode, com o saber de quem tem os livros e os códigos, retomam o
papel de ditadores do futuro. Do futuro que não será, que os trairá!
Nós, ignorantes que somos... "vemos, ouvimos e lemos, não podemos
ignorar", como escreveu a Sofia e o Fanhais cantava.
Mas o problema é a memória. Não a nossa, que é natural que não
esqueçamos o que por nós foi dito e escrito. O que previmos e prevenimos. Até
porque assim (mais ou menos) aconteceu. O problema, e grande, não é a nossa
memória, é a de quem nos teria ouvido e lido e, eventualmente - não esquecido
aquilo que até escrito está!
O facto é que deixaram - conjunturalmente? - de nos convidar para as mesas
pluralistas-mas-não-demais, sobretudo quando se corre o risco de aparecerem
(im)pertinentes confrontos entre previsões, razões e causas. Et pour
cause...
06.02.1996
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