Cada vez é mais evidente que o Banco de Portugal já não é o Banco de
Portugal, mas uma agência do Banco Central Europeu, que atua por ordens de
Frankfurt e que, quando decide pela sua cabeça, desculpa-se depois com as
ordens que supostamente vêm de fora. Os exemplos já são muitos mas hoje surgiu
mais um.
Pelo seu estatuto orgânico, o Banco de Portugal apenas obedece ao BCE.
O governador é inamovível e não pode ser demitido pelo Governo, a não ser no
caso de falha grave (mas até agora nunca tal aconteceu em nenhum país da União
Europeia). E quando o país foi obrigado a cortar duramente em salários e
reformas, os funcionários do Banco de Portugal mantiveram-se olimpicamente “a
latere” desse esforço.
A primeira grande confusão veio, contudo, com a resolução do BES.
Supostamente, o BCE decidiu exigir num fim-de-semana uma linha de crédito de
três mil milhões concedida ao banco e impedir o seu acesso para se refinanciar
junto do Eurosistema. O Governo PSD/CDS não lutou contra esta imposição, o
Banco de Portugal também não e o terceiro maior banco do sistema, na altura já
liderado por uma pessoa escolhida e convidada pelo próprio governador, Vítor
Bento, foi mesmo riscado do mapa, com prejuízos enormes para milhares de
depositantes e acionistas e para a economia nacional.
Não contente com isto o Banco de Portugal voltou a ter uma atuação
perfeitamente opaca no caso do Banif, cuja resolução impôs em Dezembro de 2015,
depois de ter assistido de forma passiva à aparente degradação da situação,
tanto mais que tinha um homem nomeado por si na administração do banco, que
depois passou a ser o responsável pela supervisão do banco central. Para além
do custo para acionistas e clientes, desta vez os contribuintes também
receberam uma fatura de três mil milhões para pagar. E o governador atirou
responsabilidades para cima de todos (o presidente do Banif, o anterior e o
atual Governo, a Comissão e o BCE), menos para si próprio.
Não contente com isso, o Banco de Portugal decidiu de repente passar
cinco emissões obrigacionistas que estavam no Novo Banco para o banco mau, o
que atraiu as atenções dos investidores internacionais para a situação do país
e pressionou as taxas de juro da dívida pública para a alta, além de criar uma
desconfiança acrescida na atração de investimento estrangeiro e novas pressões
das agências de rating.
Agora, pelos vistos, o Banco de Portugal quebrou uma regra que se
repetia anualmente: entregar os seus dividendos ao Estado em Abril, já que
fecha as suas contas em Março. Pois bem, este ano passou essa entrega para
Maio, o que está a ser um motivo adicional para em Bruxelas se pedir que o país
seja alvo de sanções (pelos resultados de 2015) e que ponha em prática novas
medidas (porque a evolução orçamental não está em linha com o previsto).
Disse o primeiro-ministro que, se o Banco de Portugal tivesse entregue
as verbas em causa em Abril, a evolução orçamental estaria em linha com o
previsto e seria mesmo mais favorável. Mais: explicou que bastaria isso para
que o défice estivesse com uma evolução melhor, mesmo que o Banco de Portugal,
justificando-se com uma alteração de regras, vá entregar este ano ao Estado
apenas um terço do que entregou em anos anteriores.
Ora mesmo sem uma pessoa ser adepto das teorias da conspiração,
começam a ser casos demais contra os interesses do país. Ou se levarmos a teoria
ainda um pouco mais longe, começam a ser casos demais contra o atual Governo,
com que obviamente o governador não compartilha as mesmas opções económicas e
ideológicas.
Convenhamos, por isso, que Carlos Costa começa a estar a mais na
liderança do Banco de Portugal. Mas como manifestamente não se vai demitir,
então talvez seja boa ideia começar a chamar-lhe funcionário superior do BCE e
não governador do Banco de Portugal – que, como digo, já não existe. O que há é
uma casta de funcionários, que não estão sujeitos às leis do país, liderados
por um senhor que está sempre do lado de Bruxelas e Frankfurt – e não de
Portugal.