sábado, novembro 13, 2021

É isto mesmo

  - Nº 2502 (2021/11/11)

O pudim


Os conceitos, quaisquer que eles sejam, só são úteis quando é claro (pelo menos para a maioria) aquilo que representam. Caso contrário, corre-se o risco de se achar que nos referimos todos ao mesmo quando, afinal, falam uns de alhos e outros de bugalhos.


O conceito de esquerda não constitui, a este respeito, qualquer excepção. Nas últimas semanas, tem-se falado muito da convergência da esquerda, das divergências à esquerdado Orçamento também ele muito de esquerdaMas o que é, então, isso de esquerda? Uma atitude? Uma proclamação? Uma tradição? Um posicionamento mais ou menos efémero que se afere apenas e só em relação com o de outros? Ou será algo mais?

Estaremos realmente todos a falar do mesmo?

Será possível colocar numa mesma categoria genérica de esquerda aqueles que assumem a valorização dos salários e o trabalho com direitos como factores de crescimento económico e progresso social e os que, curvando-se perante o poder económico, generalizam a precariedade e dão cobertura a despedimentos colectivos?

Podem ser de algum modo equiparados os que pretendem repor os prazos, montantes e condições de atribuição do subsídio de desemprego praticados antes da troika e aqueles que querem deixar tudo como está?

É aceitável amalgamar sob um mesmo conceito quem se bate por fixar médicos e outros profissionais de saúde no SNS e aqueles que por acção ou inacção promovem a sangria de milhares de médicos, enfermeiros e técnicos para o estrangeiro ou para o sector privado? Os que defendem um real investimento nos hospitais e centros de saúde e simultaneamente os que alimentam com avultados fundos públicos o sinistro negócio da doença? Pode ser de esquerda tanto o que defende o direito à habitação como o que facilita despejos, favorece a especulação e reserva centros históricos para o turismo e para os condomínios de luxo?

Ajudará ao esclarecimento público designar da mesma forma quem pretende controlar os preços dos combustíveis, no momento em que se encontram em máximos históricos, e quem observa passivamente o mercado a funcionar, não estando disposto a beliscar em um cêntimo que seja os interesses das petrolíferas? São semelhantes os que se batem pela criação de um serviço público de cultura e quem pretendia consagrar apenas 0,25% do Orçamento do Estado a este sector fundamental?

Fosse esclarecer e informar a intenção da generalidade da comunicação social e dos comentadores e politólogos e conceitos desta natureza seriam utilizados com maior prudência. No fundo, era importante que se passasse a falar mais de conteúdos e menos de rótulos sem correspondência com a realidade, pois no fim é isso que importa. Como diziam os clássicos, a prova do pudim passa por comê-lo.

Gustavo Carneiro

2 comentários:

Justine disse...

Pois é, só que a intenção da generalidade da comunicação social não é esclarecer nem informar!
Antes pelo contrário...

Sérgio Ribeiro disse...

Pois é!... c.q.d.