segunda-feira, dezembro 14, 2015

Da ameaça ao susto e ao reforço da ameaça

Não que este espaço se esteja a transformar num recipiente de artigos de outros (particularmente de origem expressa), mas há que aproveitar e divulgar o que de bom, e merecedor de divulgação, se vai publicando. No Expresso-curto de hoje:

Valdemar Cruz
Por Valdemar Cruz
Jornalista

14 de Dezembro de 2015

França livra-se (para já) a Afronta Nacional



A França tem um novo inimigo, a juntar aos vários inimigos internos e externos que tem vindo a alimentar. Melhor, uma certa ideia de França está a desmoronar-se perante a evidência do imparável crescimento da Frente Nacional (FN). A extrema-direita francesa, racista, xenófoba, demagógica, populista, anti-globalização, anti-união europeia, e o mais que se queira, não venceu em nenhuma das 13 regiões, mas recolheu ontem o voto de seis milhões e meio de franceses. Perdeu uma batalha. Porém, a causa maior pela qual luta é outra. Aí o combate assume novas proporções e, como diz hoje Joël Gombin, especialista em extrema-direita numa entrevista ao Libération, os resultados de ontem "devem garantir à FN a presença na segunda volta". Avizinha-se uma guerra. Tem data marcada, maio de 2017, e chama-se eleições presidenciais. Será o tudo ou nada para Marine Le Pen e os principais partidos políticos franceses já identificaram o problema.


Não significa que o tenham percebido. Tal como não perceberam quando, ao longo de anos, por razões estratégicas, a Frente Nacional, tida como uma bizarria de Le Pen, foi em momentos cruciais levada ao colo para o regaço de potenciais eleitores. No El País, em artigo intiulado "Un desastre anunciadio", Samir Naïr, filósofo franco-argelino especialista em emigração, recorda como a história da subida da Frente Nacional começa nos anos de 1980, com Miterrand, para lá do não cumprimento de promessas como as de acabar com o desemprego, a usar uma estratégia muito perigosa ao apostar na FN para tentar dividir a direita e impedi-la de vencer as eleições. Face a um apelo de Le Pen, que na altura não estava, sequer, a conseguir reunir as assinaturas necessárias para concorrer às presidenciais, Miterrand fez com que lhe fossem escancarados os programas de maior audiência na televisão e rádio nacionais. O próprio Le Pen chegou a afirmar que "A 'omertá' foi rompida graças a Miterrand".



Naïr poderia recuar um pouco mais e ir até Jacques Chirac, que em junho de 1991, então ainda "Maire" de Paris, ao fazer em Orléans o agora célebre discurso do "odor e do barulho" provocado pelos emigrantes, de alguma forma credibilizou muitas das teses da FN.



São palavras duras, estas. Parecerão até injustas. Sê-lo-iam se o objetivo fosse radicar na ação daqueles ex-presidentes da República a ascensão da FN. Ou acrescentar-lhes apenas o papel de Sarkozy nesta última semana, que se deslocou tanto para a direita que, em alguns casos, se tornava difícil perceber se quem falava era um ideólogo da FN ou um "republicano", como passou a chamar-se o centro-direita. É impossível afastar da análise à ascensão da FN as consequências de uma crise económica prolongada e sem fim à vista, a raiva provocada pela exponencial disparidade entre os rendimentos dos mais ricos e os dos mais pobres, os mal resolvidos problemas de emigração, o acantonamento de emigrantes em verdadeiros guetos, o dilema da segurança e como a resolver no contexto de uma sociedade democrática (tema levantado no que ando a ler). Tudo questões em geral arredadas de um debate sério e consequente no âmbito do espaço público.



Os próximos dias serão pródigos na produção de análises ou contributos para perceber como foi possível um movimento durante anos visto como apenas umas excentricidade se ter tornado na terceira força política francesa, com praticamente a mesma percentagem (28%) de votos do PS (29%). No jornal Público, Jean-Yves Camus, diretor do Observatoire des Radicalités Plitiques da Fundation Jean Jurés, autor de vários livros sobre a extrema-direita, assegura que a "França nunca esteve tão à direita como hoje".



É uma evidência patente, desde logo, no modo como funcionou esta espécie de aliança republicana contra a FN. O método em si mesmo nem é novo, com todos os riscos implícitos para o PS, que ficará todo um mandato sem qualquer presença nos órgãos políticos de várias regiões. A grande diferença, que dá substância à afirmação de Camus, reside no facto de, não há muitos anos, esta disciplina republicana ser materializada em desistências recíprocas, à segunda volta, dos candidatos do PS e do Partido Comunista Francês para vencerem a direita. Desta vez não houve reciprocidade. O PS desistiu em várias regiões em favor do colocado melhor colocado, mas Sarkozy, determinado em assegurar uma posição forte para entrar na corrida às presidenciais, não tomou a mesma atitude em favor da esquerda. A abstenção diminuiu (41%), Sarkozy venceu (40,7%), mas radicalizou o discurso à direita. Criou anti-corpos no seu próprio partido. Seguiu uma estratégia perigosa, mesmo aos olhos dos seus correligionários, por pressentirem que está a facilitar o caminho de François Hollande.



O presidente, de resto, não está também isento de críticas, pela suspeita de que poderá estar a atuar em função das presidenciais de 2017. O modo como o poder reagiu aos atentados terroristas de 13 de novembro em Paris foi caracterizado pelo excesso, segundo vários analistas, com declarações de guerra, estado de emergência prolongado, anúncio de mudanças constitucionais, mudanças na lei da atribuição de nacionalidade. O Estado acaba por adotar como suas algumas propostas passíveis de reforçarem o clima de medo e a deriva securitária tão ao gosto da FN.



Muito vai estar em jogo na política francesa a partir de agora, com óbvias repercussões na Europa. Está tudo em aberto e pejado de incógnitas sobre a evolução do eleitorado até 2017. Como se percebe, já ninguém ousa lançar a pergunta que demasiadas vezes muitos quiseram colocar em tom jocoso: C'est qui, Marine Le Pen?

(...)

Para descomprimir, vamos lá abandonar a França e ouvir um pouco de rádio em português, onde, já agora, a música francesa tem um lugar de relevo. Ainda se lembra daqueles programas tão cativantes e tão envolventes que o tempo parecia correr à velocidade da luz? Já não existem, dirá. Não é verdade. Experimente sintonizar a Antena 1 às 0h00 das terças-feiras e terá uma enorme surpresa. Prepare-se para ouvir algo raro. Chama-se "Crónicas da Idade Mídia" e é uma invenção de Ruben de Carvalho, muito bem acompanhado por Iolanda Ferreira. Ruben é uma enciclopédia de conhecimento, de saber. Iolanda é, sem ofensa, uma excelente facilitadora de conversas. Trata-se de uma hora de viajam no tempo, durante a qual se contam histórias grandiosas, umas, deprimentes outras, sempre a partir da relação que tiveram com a música, ou vice-versa. Já por lá passaram programas sobre a Belle Époque, Nelson Mandela, as histórias das músicas de Natal, Edith Piaf, fados e desgarradas, pubs irlandeses, as músicas associadas à Revolução Francesa, ao 25 de abril em Portugal. A lista é gigantesca e inclui grande espaço para uma das paixões de Ruben de Carvalho, a música popular norte-americana, nas suas múltiplas vertentes, dos blues ao rock, do jazz ao folk. Experimente entrar porque inúmeros programas já emitidos continuam disponíveis na página da Antena 1.
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Já cá voltaremos, nós...

1 comentário:

Olinda disse...

Interessante análise de Valdemar Cruz,sobre as eleições francesas.Nada,que não saibamos,claro!Acresce,a importancia dada a Marine Le Pen,pelos mídias,cujo comportamento .é igual em todo o lado.É a classe mais perversa,dos nossos dias|Bjo