Trecho de texto lido em 27 de Abril de 2011
no 35ª aniversário da Constituição de 1976:
«(...)
O
momento que vivemos (irrisório em tempo histórico, mas relevante pelo modo como
a ele se chegou e pelo que de nós exige para dele sairmos) indisponibilizou o
senhor Governador do Banco de Portugal de me fazer chegar, em tempo útil, o
texto que eu deveria comentar. Para, talvez inadequadamente, usar plebeísmos a
que sou atreito diria, sem ofensa, que quando os “patrões” estão na loja não
há dias santos… nem para a Constituição que nos é, e que nós
somos.
Assim
sendo, e pelo respeito que me mereceu o convite, e quem o fez, e também respeitando
o compromisso que tomei, resolvi aproveitar os últimos documentos publicados do
Banco de Portugal para me actualizar e elaborar o meu comentário. São eles a Nota
de Informação Estatística, de 21 de Abril e o Indicadores de
Conjuntura 4|2011, também de 21 de Abril.
Antes,
no entanto, de os comentar, quero deixar claro, ao posicionar-me para o
comentário, que este terá, evidentemente, de ter como primeiro referencial a Parte
II da Constituição, sobre a Organização económica,
artigos 80º a 107º, com particular destaque para as alíneas a) dos artigos 80º
e 81º
A organização económico-social
assenta nos seguintes princípios:
a)
Subordinação do poder
económico ao poder político democrático;
e
Incumbe prioritariamente ao Estado
no âmbito económico e social:
a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da
qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro
de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
e o ponto 1. do artigo 82º
1.
É
garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.
Ora,
esta sumaríssima enunciação obriga-me a um também breve parênteses sobre a
temática do funcionamento e financiamento da economia, para que
não haja qualquer ambiguidade na minha abordagem de tão delicado tema.
Considero
haver duas maneiras, histórica e ideologicamente – estando estas duas vertentes
inter-relacionadas –, de encarar a economia e o seu funcionamento.
i)
Ter como ponto
de partida e de chegada as coisas que satisfazem as necessidade sociais,
históricas, sendo a coisa-dinheiro um instrumento, um
meio, que se foi historicamente tornando cada vez mais indispensável e
influente no funcionamento da economia, enquanto – e sempre – relação entre
seres humanos.
ou
ii)
Ter como ponto
de partida e de chegada a coisa-dinheiro, com base material real
ou criada artificialmente, fictícia, em relações de produção em que as
classes sociais se separam por terem ou não propriedade dos meios de produção.
Predominando
esta segunda “maneira”, ou estas relações que definem o modo de produção e a
formação social, a totalização do funcionamento da economia, a produção e
a circulação de mercadorias, desencadeia inevitáveis contradições na
sua concretização de caminhada dialéctica.
Estamos
a vivê-las, isto é, estamos a atravessar um período histórico em que explodiu o
que vinha sendo larvar ou de vulcão aparentemente em repouso. E será (diria) vital
retomar a análise totalizadora dos processos (de produção e de circulação) nas
suas contemporâneas expressões, como Marx, Keynes, Kondratief, Kalecki, Oskar
Lange, Nagels, e outros mais recentes (mas também mais raros) que me escapam
entre os dedos das leituras e das citações, se oportunas fossem.
O
que me parece evidente é que na situação actual, na sua correspondente
representação super-estrutural, na sua inteligenciação, se esquece ou se menospreza
a visão total, quer no funcionamento da economia, quer para fora dela enquanto
ciência social, numa globalização planetária “às fatias” espaciais e temporais,
saltando da multi-nacionalidade empresarial de há décadas e em confronto com
uma alternativa visível e em “guerra fria”, para a trans-nacionalidade
financeira, em que o crédito e a moeda sem base metálica se foram tornando
avassaladoramente dominantes,
Em
clara desmesura para além do papel do circuito monetário e creditício no
funcionamento da economia, enquanto área de racional utilização dos recursos da
natureza (de que o ser humano é parte) para satisfação das necessidades sociais
através do trabalho, sempre mais cristalizado e sempre mais podendo dispensar o
trabalho vivo.
Voltemos,
então, a Portugal (de onde nunca sai) e à revisita à nossa Constituição
de Abril (de 2 de Abril de 1976) já tão novembrada a posteriori,
mas com 35 anos… e não com maior ou menor idade. Levantando algumas
(im)pertinentes questões.
- A Constituição
da República Portuguesa existe?
- O que se jura é
para se cumprir?
·
Quando
incompatível com um direito dito comunitário, qual prevalece?
· Respeita-se, na
organização económica, o que ela diz da articulação de sectores, do
favorecimento aos desfavorecidos, da subordinação do poder económico (e
financeiro) ao poder político democrático?
- É admissível
que, neste quadro de partida, se coloque sequer a hipótese de adopção de regras
orçamentais com quantificação de limites e com valor constitucional?
- Como se adapta o
necessário financiamento do Estado ao espírito e às vigentes regras
constitucionais?
(...)»