Seria para o quase-diário, que durante anos escrevinhei, não estivesse ele "em estaleiro"... Por isso, vem para aqui o que se me impõe registar.
Acabávamos de almoçar quando a vizinho que, por dias combinados, nos vem ajudar em lides caseiras entrou, e depois das saudações, me perguntou se eu me lembrava das cheias de há 50 anos, de que ouvira coisas na televisão e mal se lembrava tão pequena era mas, de que guardava uma recordação.
O que ela veio trazer-me!!!
Andava há uns dias com esse dia na memória a aguardar espaço (ou tempo) para a ele voltar, por efeito de mails (do Jorge Vasconcelos, por exemplo) e outros sinais, mas a vizinha Rosa, com o seu questionar, despoletou tudo, isto é, fez arranjar tempo (ou espaço) para recuar 50 anos.
Nesse dia 25 de Novembro de 1967, a Estampa organizara um colóquio para, com os depoimentos nele gravados e segundo a coordenação e apresentação de Urbano Tavares Rodrigues, vir a editar o 2º volume de uma nova colecção - Polémica - que lançara.
O tema proposto foi A Condição da Mulher Portuguesa e a editora (e o coordenador) incluíra-me entre os depoentes, como economista a parceirar com uma socióloga (Isabel Martins, mais tarde também escritora conhecida como Isabel Barreno), quatro escritores (Isabel da Nóbrega, Augusto Abelaira, Natália Nunes e Agustina Bessa Luís) e uma jurista (Maria da Conceição Homem de Gouveia).
O colóquio realizou-se no fim da tarde. E chovia!
No meu depoimento, comecei com o lamento/justificação por, com tais interlocutores, ter de me atribuir a tarefa de "(...) apresentar os áridos números, (e) sei que isso me pode tornar no desinteressante estragador de troca de impressões vivas, sobre temas vivos.(...)".
E chovia lá fora!
Depois de prologar a introdução/lamento, disse:
"(...) Mas vamos às tarefas auto-atribuídas. Lá fora, aqui ao lado, há frio, há fome, há quem apanhe chuva.(...)".
Era o dia 25 de Novembro de 1967. De há 50 anos. Só horas depois se teve a clara consciência da tragédia que, estes anos passados, se assinala, particularmente com a justa lembrança (vivida por alguns de nós) da solidariedade dos jovens estudantes universitários e do Partido Comunista, então na dura e violenta clandestinidade, mobilizada para minorar a tragédia sofrida pelos de "ali ao lado"!
A propósito, ao folhear o livro, deparei-me com este trecho do depoimento de Isabel Barreno:
«(...) Um dia, a assistente social foi visitar a oficina, viu as mulheres trabalhando ao torno, e, conversando com o contramestre, mostrou-se muito satisfeita com a promoção daquelas mulheres, "e elas agora ganham o salário de um torneiro não é verdade?"; o contramestre disfarçou, mostrou-se pouco à vontade, "bom, por enquanto não, por enquanto são aprendizes"; a assistente social insistiu, "sim, mas depois vão ganhar o mesmo que os outros torneiros, não é?", e o homem então resolveu entrar a direito no assunto: "oh minha senhora, não diga isso, parece mal, as mulheres a ganharem o mesmo que os homens, até parece comunismo".(...)».
Ah!, pois parece...
Ah!, pois parece...
1 comentário:
Estórias de outros tempos,não muito diferentes destes.O 25 de Novembro impediu que a igualdade de género ,ainda não seja uma realidade plena|Bjo
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