O “expansionismo” chinês
Carlos Branco, Major-general e Investigador do IPRI-NOVA 15
Maio 2020, 00:19
O comportamento dos EUA, na sua curta existência, foi diametralmente oposto ao da China, que na sua vida milenar mostrou relutância em usar a opção militar em primeiro lugar.
in Jornal Económico
O combate à ameaça percebida colocada pela China aos EUA será,
porventura, o único assunto que faz as elites políticas americanas cerrar
fileiras, tanto democratas como republicanas. A peleja prolongar-se-á para lá
da Administração Trump. Foi interiorizada como um desafio existencial. Nunca a
campanha antichinesa nos EUA foi tão virulenta.
A campanha contra o “vírus chinês” insere-se naquele combate,
mas numa lógica de curto prazo – eleições americanas –, sendo por isso menos
importante. A China é apresentada como a maior ameaça ao modo de vida
americano, sendo acusada de ter um comportamento militar provocador. A China e
a Rússia procuram criar um mundo à imagem do seu modelo autoritário, diz-se e
escreve-se em Washington.
Estas afirmações são graves e merecem ser contraditadas.
Questionamos a sua verosimilhança. Porque, ao contrário dos EUA, que se
auto-encarregaram da messiânica e espinhosa tarefa de espalhar a liberdade, a
democracia e os valores universais pelo mundo – a excecionalidade americana –,
a China não pretende promover globalmente a sua civilização, muito menos
impô-la aos demais Estados. Não impôs a si própria a missão de criar um mundo à
sua semelhança, um mundo comunista. Já lá vai o tempo em que a China
patrocinava movimentos subversivos no Terceiro Mundo. Esse tempo acabou há
muito.
A convicção inabalável de que o mundo seria um lugar melhor se a
humanidade aderisse e implementasse os valores americanos dá pretexto a
Washington para impor a sua cosmovisão aos outros, recorrendo à “persuasão militar”,
sempre que tal se revele necessário. O cumprimento dessa prosélita missão foi
responsável pelo envolvimento dos EUA em mais conflitos militares do que
qualquer outro Estado. Sobre esta matéria, o comportamento dos EUA, na sua
curta existência, foi diametralmente oposto ao da China, que na sua vida
milenar mostrou relutância em usar a opção militar em primeiro lugar. A China
não travou uma única grande guerra nos últimos 40 anos.
São conhecidas as diferenças entre a ética confucionista e
protestante. A civilização chinesa não é, nem foi, militarista nem
expansionista. Se o fosse teria conquistado os territórios vizinhos. A
Austrália não teria sido colonizada por potências europeias. Mas não o fez. Não
por incapacidade militar, mas por idiossincrasias culturais. Ao contrário dos
EUA, que quando confrontados com um desafio estratégico privilegiam o emprego
da força militar, os chineses evitam as opções militares. A China não recorrerá
aos meios militares como primeira expressão de poder, como, aliás está bem
evidente no “White Paper” de 2019, onde se prioriza a salvaguarda da soberania
e da integridade territorial nacional.
Desmonta-se com alguma facilidade a falácia argumentativa do
“perigo amarelo” e da ameaça direta, física, existencial da China à América e
ao modo de vida americano. Muitos outros argumentos poderiam ser adicionados.
Igualmente grave são as caixas de ressonância que proliferam, nomeadamente em
Portugal, e se prestam a alinhar nesta propaganda insana.
Estranhamente, nenhum delas alerta para a precariedade da
manobra americana. Estamos ainda sem perceber onde é que Washington quer
chegar. Está a envolver-se numa competição, sem antes ter desenvolvido uma
estratégia global e abrangente sobre como pretende lidar com a China.
1 comentário:
Interessante,mas espelho de muitas reflexões com a mesma opinião.Tenho aproveitado a quarentena para ir relendo ,um pouco ao acaso,obras que já não me lembrava.Tenho em mãos :SOS América de Henri Alleg,da Caminho,escrito nos anos 80 .Testemunho de quem percorreu várias cidades dos EUA e conviveu com os seus cidadãos.É incrível,como pouco mudou na sociedade norte-americana,desde essa época.Bjo.
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