segunda-feira, julho 27, 2020

De um quase-diário... ao sabor das penas

26.07.2020

(...)

Do muito que li, ou por onde passei os olhos, nesta semana de tanto para ler, ouvir e ver, houve uma frase que retive e que, de certo modo, se impôs às minhas reflexões:

 

Uma das evidências é que as regiões mais castigadas têm elevada dependência da indústria, comércio e turismo.
 

&-----&-----&

 

Era conclusão de um estudo sobre a evolução do desemprego registado nos concelhos do continente de Portugal, o que não é o mesmo que desemprego real, até porque a malha e pentração dos serviços de inscrição dos desempregados não é homogénea, mas serve para aproximações à evolução do desemprego.

 

&-----&-----&

 

O que fez reter-me nessa frase, ou o que se me agarrou, foi poder servir para síntese de uma evolução da economia (e da sociedade) portuguesa que é questão que me ocupa e preocupa. 

 

&-----&-----&

 

No contributo de Collin Clark para a análise macro-económica, haveria um sector primário (agricultura, pesca), um sector secundário (de transformação ou industrial) e um sector terciário (o de construção, comércio e outros serviços). 

 

&-----&-----&

 

A evolução económica geral passaria por uma  secundarização, ligada à industrialização, para uma terciarização, com predominância dos serviços, onde se inclui o turismo. 

 

&-----&-----&

 

Não se trata de estar a rever “matéria dada”, mas de (me) ajudar a ir ao âmago dessa constatação em estudo sobre a evolução do desemprego quando a economia (a sociedade) leva um abanão (ou abalo) como o que estamos sofrendo.

 

&-----&-----&

 

  Portugal já foi o País da arte de empobrecer alegremente (alegre para poucos, bem triste para muitos…) enquanto outros se industrializavam, numa autarcia estagnada até à guerra de 1939-45. 

 

&-----&-----&

 

Depois, com a resistência, com interesses e gente como Ferreira Dias, Jor. (Linha de Rumo), com as conservas dos produtos do sector primário, com os têxteis, com uma C(ompanhia)U(nião)Fabril, com os cimentos, com a metalurgia, com a S(iderurgia)N(acional), avançou alguma relevante industrialização quebrando a estagnação e a misantropia salazarenta (antes mesmo de cair da cadeira ou, em nova versão, escorregado na banheira)

 

&-----&-----&

 

Ainda, e muito, a guerra colonial, o enorme surto emigratório dos anos 60 que levaram a abrir mais o fechado e cinzento País. 

 

&-----&-----&

 

O 25 de Abril chegou a Portugal trazido pelos portugueses, no ano de 1974, que era o ano em que se deveria iniciar o já projectado 4º Plano de Fomento Nacional. 

 

&-----&-----&

 

O 1º fora o de 1953-58, o 2º fora de 1959-64 e tanto mexera que um grupo de economistas que nele trabalhara foi preso pela PIDE, a seguir veio o Intercalar – por hesitações causadas pela guerra colonial e os processos de integração europeus em curso – de 1965-67, 3º foi o de 1968-73 e, na sequência, o 4º deveria ser o de 1974-79… 

 

&-----&-----&

 

… e seria (se viesse a ser) o primeiro pós-Salazar, que não vira essa coisa dos planos de fomento com muito bons olhos (modernices tecnocráticas…), e impôs muita coisa como a de que fossem hexagonais para não se confundirem com os quinquenais das… terras do Demo, lá de Leste.

 

&-----&-----&

 

Em vez desse 4º Plano, onde estavam equacionadas coisas como a necessidade de regionalização(em 1973!), trabalhou-se para que houvesse um outro plano, com outras intenções, e refiro o Plano de médio prazo, de 1977-80 – de emprego e necessidades básicas –, de que não me canso de contar a história e a criminosa (para mim!) decisão do Governo PS (1º constitucional e minoritário), de – após tê-lo aprovado no executivo – não o levar à Assembleia da República, que se seguira à Assembleia Constituinte, que nos deixara a Constituição que ainda temos (com 7 rombos mas ainda a navegar).

 

&-----&-----&

 

Aliás, e salta-me agora dos dedos a afirmação que esse tal Plano de médio prazo emparceiraria na perfeição com a Constituição para se fazer um caminho bem diferente do que levou ao FMI, à divida, à “Europa connosco”, às privatizações do começo dos anos 90 (e que se têm prosseguido), cujas consequências têm dado bastante trabalho à P(olícia)J(udiciária) P(rocuradoria)G(eral)daR(epública), embora tardem os julgamentos.

 

&-----&-----&

 

  Em contrapartida à secundarização-industrialização nacional seguiu-se uma apressada desindustrialização. 

 

&-----&-----&

 

 A Auto-Europa não é argumento, pois trata-se de significativo e quase isolado investimento produtivo externo enquanto se desindustrializavam siderurgias, estaleiros, e se empreendedorizava num vazio produtivo. 

 

&-----&-----&

 

O avanço pela terciarização foi a via, com a construção especulativa (para que se avançou com vistos dourados) e o turismo à cabeça, porque há sol e praias, e pessoal a habilitar para servir os reformados do norte carentes de calor, areia e mariscos (ou outras especialidades com que a natureza nos prodigalizou ou portugalizou).

 

&-----&-----&

 

Nas ruas de Lisboa e do Porto, nas praias do Algarve e onde mais as há (fluviais em quantidade, e tenho uma excelente aqui à porta), sentíamo-nos estranhos ou estrangeiros na nossa terra, e era chocante, para quem se sente português nas entranhas, passar por tanto sítio do nosso espaço ocupado, com a ajuda de uma hospitalidade que nos apraz (e apraz aos hóspedes que se sentem “em  casa”) mas que nos custa cara.

 

&-----&-----&

 

E, de súbito, veio a epidemia cavalgar a crise económica que ensaiava o trote e

 

Uma das evidências é que as regiões mais castigadas têm elevada dependência da indústria, comércio e turismo”.

 

&-----&-----&

 

  É a descoberta do lado negativo de opções estratégicas (de quem, para quem, porquê, contra quais), a descoberta surpresa do que foi previsto, prevenido, e agora confirmado.

 

&-----&-----&

 

Curiosamente (é uma maneira de dizer), e com alguma esperança, sente-se um regresso ao primário, ao produtivo, há alguma crescente economia informal, da que não passa pelo que leva aos PIBs e quejandos mas nos traz à soleira da porta e à mesa legumes, hortaliças, galinhas e outra criação, queijos caseiros, produtos de uma pequena agricultura reanimada e fortalecedora de relações de boa vizinhança.

 

&-----&-----&

 

  E receio publicar isto, não vá alertar o fisco e o seu policiamento, mas o que também é certo é que torna menos certeira, ou acertadas, outras estatísticas.

 

&-----&-----&

 

  Somos, na verdade, cada vez menos, mais velhos, desempregados e mal pagos, mas sobrevivemos manejando o digital com dificuldade mas com os nossos dedos.

 

&-----&-----&

 

  E têm de contar connosco, mesmo que as estatísticas não nos contem.

3 comentários:

Olinda disse...

Uma reflexão,que por sua vez,me ajuda a reflectir,e bem,ou melhor,e muito.Obrigada.Bjo

Maria João Brito de Sousa disse...

Também a mim me ajuda a reflectir, esta reflexão.

Obrigada!

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado...por me ajudarem a reflectir. Até porque reflectir sózinho é não só triste como inútil!