- Edição Nº2433 - 16-7-2020
«Empurrar com a barriga»...
Inicia-se amanhã a reunião do Conselho Europeu que aponta como objectivo chegar a acordo quanto ao Quadro Financeiro Plurianual – o orçamento – da União Europeia, para o período entre 2021 e 2027, e quanto ao chamado fundo de recuperação, engendrado na sequência dos profundos efeitos económicos e sociais do surto de COVID-19, que aceleraram o despoletar uma crise já latente ao nível da UE.
Como habitualmente, adensa-se a dramatização, com a atribuição dos diferenciados papéis na contenda, mas em que os possíveis parâmetros do desfecho foram previamente definidos e delimitados por quem tem a batuta.
Entendamo-nos…, o Conselho Europeu não irá debater, entre outras importantes medidas que se impunham: a anulação da dívida pública emitida pelos Estados que integram a Zona Euro no âmbito da resposta às consequências económicas e sociais do surto epidémico;
a necessidade do financiamento directo dos Estados por parte do BCE, dando combate à escandalosa especulação dos mercados financeiros;
a renegociação das dívidas públicas de Estados, permitindo direcionar recursos para a resposta ao agravamento dos problemas económicos e sociais; o reforço do orçamento comunitário, assegurando o que devia ser a sua função redistributiva, com vista a uma efectiva coesão económica e social;
a rejeição da criação de impostos europeus, que desviariam para a UE meios financeiros indispensáveis ao desenvolvimento de Estados;
ou a adopção de medidas que visem o controlo da circulação de capitais.
De igual modo, não estará em debate no Conselho Europeu a necessária revogação dos mecanismos – como o Pacto de Estabilidade, o Tratado Orçamental ou o Semestre Europeu – que condicionam Estados na promoção do investimento público, no financiamento dos serviços públicos, na dinamização da actividade económica, na resposta aos problemas sentidos pelos trabalhadores e os povos. Pelo contrário, todos os esforços são feitos para a manutenção destes instrumentos de condicionamento, de controlo, de chantagem e de ingerência, que foram, são e serão utilizados consoante a conveniência das grandes potências da UE e do grande capital.
Num quadro de crescentes dificuldades, Merkel multiplica-se na afirmação do magnânimo gesto de solidariedade que representaria a aprovação do Quadro Financeiro Plurianual e do chamado fundo de recuperação, no entanto tal não significaria mais que a adopção do que a Alemanha considera necessário para, neste momento, não acrescentar mais crise à crise. Isto é, aliviar momentânea e relativamente a Itália e a Espanha, com o intuito de salvaguardar a Zona Euro e o Mercado Único, instrumentos económicos e políticos, nas actuais circunstâncias ainda mais essenciais para os grandes grupos económicos e financeiros alemães. Ou seja, a Alemanha muda alguma coisa para garantir o essencial, empurrando o problema com a barriga…
Aqueles que ocultam esta realidade, e que neste contexto anunciam «boas notícias vindas da Europa», mais não fazem do que semear ilusões quanto à UE, à sua natureza, aos seus objectivos, às suas políticas de incremento da exploração, de desigualdades sociais, de assimetrias de desenvolvimento, de imposição de relações de dependência e domínio político, de bloco imperialista.
Pedro Guerreiro
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