Insistente e insidiosamente, está instalada a ideia de que Álvaro Cunhal é "um vencido” e que Mário Soares é “um vencedor”.
Por princípio, recuso este tipo de valorações e etiquetagens. Mas, num outro dia, em conversa amiga, aquela ideia apareceu com contornos de consenso irrecusável. Fiquei por reagir.
Numa insónia – por isso não me fazendo perder tempo, antes procurando ganhar sono – assaltou-me “isto” que segue.
Ora vejamos.
Um ser humano vence ou não vence na sua vida a partir do que ele (e as suas circunstâncias) o fizeram querer que fosse a sua vida.
Para Mário Soares, a sua vida, pode avaliar-se pelos seus (dele) resultados eleitorais.
Teve derrotas pessoais estrondosas. Enumerem-se alguns. Apostou-se todo, pessoalmente, no processo eleitoral que levaria Almeida Santos a 1º ministro e alcançou metade da percentagem necessária, jogou-se (a nosso ver estupidamente) numa batalha para ser eleito presidente do Parlamento Europeu e levou um “correctivo” (vergonhoso para um ex-Presidente da República) de uma senhora de direita que ele tanto menosprezara que foi insultuoso, candidatou-se serodiamente a Presidente da República como se fosse o dono do lugar (de hortaliça?), e levou uma "banhada" de Cavaco Silva e, internamente, de Manuel Alegre, vingativo, patrocinou a candidatura de Fernando Nobre contra o “amigo que o desconsiderara” e foi uma coisa de fazer pena, por último, e para estabelecer uma “ponte” para Álvaro Cunhal, se não fosse a o empenho deste mobilizando os eleitores comunistas, teria perdido desastradamente as eleições da 2ª volta contra Freitas do Amaral.
Em contrapartida, Álvaro Cunhal, além do objectivo nuclear da sua vida de ser coerente com a sua concepção de vida e de ser humano, que venceu inteiramente sem falhas, foi definindo objectivos, nas condições históricas concretas, que foi vencendo (com outros, em colectivo). Na fuga de Peniche, na correcção do desvio de direita, no relatório Rumo à Vitória, na transformação de um golpe militar num processo revolucionário, na criação de condições para uma democracia avançada, no evitar de uma situação que poderia vir a ser de violência e guerra civil, na elaboração e promulgação de uma Constituição que, apesar dos tratos de polé, é um espinho em todo o processo contra as conquistas da revolução, no contributo para que o povo português não tivesse sido mais um a sofrer o vírus da “orfandade da União Soviética”, contribuindo de forma decisiva para se manter um partido com nome, símbolo e base teórica marxista-leninista e uma central sindical de classe, que hoje tão necessários são e tanta falta fazem noutros lugares. Também, o que, evidentemente, nada tem a ver com vitórias ou derrotas, teve um enterro como outro não houve (nem haverá, proximamente…), em Portugal.
Nunca se tratou, pelo menos de um lado, de competição entre dois homens. Por isso, tanto perdeu o "vencedor" e tanto venceu o "perdedor".
Gostámos e não gostámos de ter preenchido a insónia com este escrito. Coisas da dialéctica…
9 comentários:
Querido camarada Sérgio
Esta análise é preciosa .
Quem ganhou foi quem lutou coerentemente até ao fim, quem perdeu foi quem traiu, embora os factos possam contrariá-lo. Mas essa ideia existe só na cabeça dos mal intencionados.
Um beijo, camarada.
Esta dialetica, este exercício de querer comparar as coisas que se medem com as coisas que se pesam, não estará a ocultar?!... Pois faz hoje anos que...
Um abraço por uma coisa e outro por outra
Não se pode comparar o incomparável.
Estão tão longe um do outro.
Um abraço,
mário
Eu creio que a leitura e a reflexão que suscita o artigo "Um problema de consciência"de Álvaro Cunhal,publicado no Avante nº1657-01/09/2005,elimina todas as comparações com essa figura de trampolineiro[perigoso]que foi,é e será Mário Soares!
Abraço
Muito, muito bom!!!
Abraço.
Ó meus caros amigos, que fique bem claro que nunca me passou pela cabeça comparar o que é incomparável.
A vida de cada um apenas é comparável entre os que têm os mesmos objectivos para as suas vidas.
Abraços para todos
Soares nunca foi Homem.
É uma pessoa bonita, tão bonita o nosso Álvaro! De facto não são comparáveis, mas é um bom exercício!
Abraço
Uma reflecçao muito bem feita.A verdade é sempre simples.
Enviar um comentário