domingo, março 06, 2016

Claro, esclarecedor... para quem quiser, claro!

ENTREVISTA
“Não colocamos as questões no plano da intransigência e das linhas vermelhas”
 
02/03/2016 - 07:27
 Depois do sim histórico do PCP ao orçamento, o partido está a discutir as propostas na especialidade com o PS e há medidas de justiça fiscal e de aumento das pensões que vão obrigar os socialistas a tomarem decisões, diz João Oliveira, líder parlamentar dos comunistas.João Oliveira, líder parlamentar do PCP NUNO FERREIRA SANTOS
Os comunistas admitem ajudar o Governo a desenhar as medidas adicionais que Bruxelas pediu – desde que seja para ir buscar receita aos grandes grupos económicos e às grandes fortunas, diz o líder parlamentar. João Oliveira afasta quezílias com o Bloco, mas quando diz que o PCP prescinde da “encenação em favor da substância” não está a fumar o cachimbo da paz.
Jerónimo de Sousa admitiu que foi difícil a decisão de votar a favor deste Orçamento do Estado (OE). A reunião do Comité Central em que se decidiu o voto favorável foi mais complicada do que a que ratificou o acordo com o PS?
Não. Foi uma boa reunião de discussão, reflexão e de afirmação da unidade e coesão do partido na intervenção neste quadro político com todas as exigências que ela tem.
Quais foram as principais críticas levantadas na reunião?
As preocupações e a apreciação crítica estão traduzidas no comunicado do CC. Quer a apreciação crítica dos aspectos negativos, e contra os quais o PCP terá que se bater, quer sobre o que é insuficiente ou limitado, quer também em relação às medidas positivas a que dá expressão.
O OE traz coisas novas positivas, como o desaparecimento de um conjunto de artigos que restringiam direitos dos trabalhadores, limitações às autarquias, prestações sociais. Ou medidas que resultam do contributo relevante do PCP para o articulado, como o combate à precariedade na administração pública. E ainda outras medidas que já foram tomadas e são agora concretizadas, como a devolução dos salários, a redução e eliminação da sobretaxa, a reposição dos complementos de pensão.
No seio do PCP ainda há quem esteja dividido em relação a este apoio ao PS?
Temos noção que os compromissos que o PS mantém com a UE e a zona euro limitam muito a capacidade de discutir neste OE medidas de outro fôlego para responder aos problemas do país, ao apoio aos sectores produtivos e à recuperação a economia nacional.
E o PCP tem a consciência que apesar dessas limitações as coisas se fazem passo a passo – é isso que representa o voto favorável?
Sim, apesar dessas limitações e sem prescindir da nossa perspectiva de fundo de que essa resposta só pode ser dada com a política patriótica e de esquerda que nós propomos. Sem perder esse objectivo de vista, aquilo que estamos a procurar fazer nesta fase é, a partir desta correlação de forças que existe na AR, levar tão longe quanto possível a concretização das medidas que sejam positivas para recuperar direitos, rendimentos, desenvolvimento do país, ter justiça social.
Tendo em conta a análise crítica, a abstenção ou voto contra estiveram em cima da mesa?
Quando se trata de apreciar a posição de voto em relação a qualquer medida, qualquer opção tem de estar em cima da mesa.
Fizeram-se contas com os sentidos de voto já anunciados?
Esse calculismo aritmético nunca seria bom para a solidez das posições. Isso implica ficar dependente das posições dos outros para um determinado resultado. Essa perspectiva não é boa.
O sentido de voto foi votado no CC? Com que resultado?
A convocação da reunião do CC não teve como objectivo transferir para o CC uma responsabilidade que é da direcção do PCP. O comunicado do CC que faz a apreciação de fundo sobre o OE e que inclui a perspectiva de votação favorável na generalidade foi aprovado por unanimidade.
Foi um voto histórico do PCP. Mas foi contrariado?
Não, julgo que não. É um sentido de voto que é apurado com uma noção muito clara da situação e da avaliação que se faz do OE.
Como é que o PCP explica aos seus militantes reformados que têm a pensão mínima, ou que estão desempregados e sem apoios sociais que aprovou o OE ao mesmo tempo que o critica?
A resposta a essa pergunta não pode partir da circunstância individual de cada um; tem que ser uma apreciação política global. Mas pego na situação que refere: até para os desempregados sem prestações sociais pode haver uma resposta clara com a concretização de uma proposta do PCP sobre o subsídio social de desemprego. Num quadro de Governo PSD/CDS isso seria impossível.
E como explica aos reformados do PCP que votou contra a actualização das pensões à taxa da inflação prevista, como propunham PSD e CDS, e aceite os 0,4% do PS, que é mais baixo?
Porque o que PSD e CDS propunham era que os reformados ficassem eternamente amarrados à perspectiva de só terem aumentos das pensões se houvesse mais inflação e crescimento económico. Nós temos uma opinião diferente: deve haver um aumento real do valor das pensões, para lá do valor da inflação, para se poder recuperar poder de compra e vamos apresentar propostas nesse sentido.
Que propostas são?
Não temos a formulação definitiva. Pode passar por aumentos extraordinários que em alguns anos façam subir mais depressa ou mais devagar, acima da inflação e a determinado ritmo. Ou pode-se fixar com critérios que majorem o valor do aumento do valor em função da inflação.
Como está a decorrer a negociação das propostas do PCP na especialidade com o PS?
A discussão vai sendo feita. Estamos a discutir se poderá haver alguma coisa sobre o subsídio social de desemprego, a possibilidade de redução da taxa máxima do IMI, a progressiva gratuitidade dos manuais escolares e o não aumento das propinas.
São matérias em que há aumento da despesa e diminuição da receita. Foi pedido que propusessem receita para compensar?
A discussão não é feita na base da moeda de troca. Temos discutido a possibilidade de haver um aumento da taxa de adicional de solidariedade em sede de IRS para os rendimentos acima de 80 mil e 250 mil euros. Na nossa estimativa, um aumento das taxas de 2,5% para 3,75% nos rendimentos acima de 80 mil euros e de 5% para 7,5% nos rendimentos acima de 250 mil euros permitia uma receita de 15 milhões de euros.
Outra proposta é o aumento da contribuição sobre o sector energético, que tem uma taxa de 0,85% [há ainda taxas intermédias consoante o tipo de negócio]. Com um aumento de 50% da taxa permite uma receita de 60 milhões de euros. Temos discutido outros exemplos de justiça fiscal: o imposto sobre o património mobiliário (acções, títulos) pode ser modulado. Temos uma proposta de aplicação ao património acima dos 100 mil euros, mas podem ser considerados aumentos temporários diferentes. Se incidisse sobre património acima de um milhão de euros com uma taxa de 1%, significava 150 milhões de euros de receita.
Qual a receptividade do PS?
Tem havido reflexão e troca de argumentos; não diria que possa estar fechada qualquer uma das propostas, mas o exemplo do IMI e dos fundos imobiliários comprova que vale a pena insistir.
Qual a redução da contribuição para a ADSE que vão propor? O Governo já admitiu o alargamento dos beneficiários.
Ainda estamos a avaliar a modelação de forma a não comprometer a sustentabilidade da ADSE, não temos a proposta fechada. O alargamento da ADSE tem que ser equacionado em função do destino dado ao dinheiro. Não nos agrada a perspectiva de transformação da ADSE num seguro de saúde que sirva para financiar o negócio privado da saúde. Deixaremos para mais tarde.
O voto final favorável também está garantido?
A apreciação feita para já foi do OE na generalidade. Portanto até à decisão sobre a votação final ainda teremos que fazer um trabalho de análise.
Está dependente de questões que o PCP considere imprescindíveis como o aumento real das pensões?
A consideração sobre a votação final global resultará do que globalmente no final for o OE. Nós não temos a perspectiva das linhas vermelhas. Batemo-nos por propostas com a noção do que é justo, necessário e do que não é possível aceitar.
Não há linhas vermelhas neste OE?
O que nós fazemos é uma discussão em função dos problemas a resolver e dos objectivos políticos a alcançar na resposta a esses problemas. Não colocamos as questões no plano da intransigência e das linhas vermelhas.
O aumento real das pensões é fulcral?
O objectivo político nas matérias das pensões deve ser o aumento real com o critério da reposição do poder de compra aos pensionistas - e é por ele que nos vamos bater.
Como lê a estratégia do PSD de votar contra o articulado e se abster nas propostas de alteração para forçar o PS a votar contra o PCP?
É uma posição que resulta dos compromissos que o PSD tem com a política de retrocesso e exploração que se está a procurar inverter. Não me estranha.
Sente-se pressionado para não desafiar o PS?
No dia em que nos deixarmos condicionar nas propostas pelas posições que o PSD assume não estamos a fazer aquilo que resulta dos nossos compromissos com os trabalhadores e o povo português.
Então o que PCP e PS podem fazer para contrariar essa ideia da geringonça a perder peças veiculada pela direita?
A preocupação com o discurso do PSD e CDS sobre a dita geringonça não deve ocupar um minuto na vida de ninguém.
O termo irrita-o?
De forma nenhuma. É um termo suficientemente superficial e aligeirado para não irritar.
Que termo usaria, em troca, para classificar o PSD e CDS?
Na política não é bom pensarmos em função de moeda de troca. O Jerónimo certamente tem muito melhores condições para arranjar uma expressão popular que corresponda a isso. (risos) Eu não tenho nenhuma.
PCP e BE estão de acordo há muito tempo sobre a renegociação da dívida. Não teriam uma posição de maior força sobre o PS se apresentassem uma proposta conjunta?
Porquê? Quando a 5 de Abril de 2011 apresentámos a proposta pela primeira vez estávamos isolados. Ninguém nos acompanhou. É de saudar o caminho que o Bloco fez de se aproximar da proposta do PCP. E na sociedade portuguesa cada vez mais muita gente reconhece a justeza e necessidade dessa proposta. Julgo que mesmo entre aqueles que a recusam liminarmente há a consciência de que mais cedo ou mais tarde lá teremos que chegar. Até o FMI já o reconheceu num relatório há uns anos.
O ministro das Finanças disse que está aberto ao debate mas só quando a questão se colocar em termos europeus. Viu nisso uma abertura à proposta do PCP?
Não sei se será exactamente uma abertura. A discussão que tem sido feita na sociedade tem vindo a confirmar o espaço cada vez mais reduzido que têm aqueles que defendem que a dívida não deve ser renegociada.
Há perspectivas que são colocadas como se fossem de renegociação a dívida que verdadeiramente não o são. São perspectivas de reestruturação da dívida num quadro europeu que considere a intervenção do BCE e que implicam novas perdas de fatias de soberania nacional. Se é verdade que uma parte da dívida é ilegítima também é verdade que, do ponto de vista da renegociação, o processo só faz sentido se ele tiver associado um conjunto de medidas: os milhares de milhões de euros que deixamos de pagar pela dívida temos que os usar no apoio aos sectores produtivos, na criação de emprego. Ou seja, deixar de gastar dinheiro com os juros da dívida para aplicá-lo bem.
O problema que existe em relação à renegociação da dívida é a opção de fundo que o PS faz pela sua não renegociação. A partir do momento em que o PS assume a opção pelo não questionamento das regras do euro, das opções económicas no plano europeu, das imposições a partir da UE sobre a nossa soberania – a que nós chamamos constrangimentos - é natural que o PS aja nesse quadro.
Porque é que o PCP não integra o grupo de trabalho sobre a dívida que o BE vai ter com o Governo?
Não me vou intrometer na forma como o Bloco decidiu relacionar-se com o PS e com o Governo. O que faz sentido é fazer uma discussão sobre as questões da renegociação da dívida. Se o BE preferiu fazer um grupo de trabalho e nós preferimos fazer essa discussão bilateralmente com o PS, a diferença não é grande. O nome que se dá às coisas não altera a substância das negociações.
Não haverá uma altura da legislatura em que o PCP coloque a renegociação da dívida como condição para continuar o apoio parlamentar?
Desde o dia 7 de Outubro ficou claro para nós e para o PS que cada um é autónomo em relação às suas posições e que há matérias em que já sabemos que não convergimos. O grau de compromisso que se alcançou nessa discussão, que está traduzida na posição conjunta, reflecte aquilo em que foi possível encontrar convergência. As matérias da renegociação da dívida não são uma dessas matérias.
O voto contra no rectificativo fez mossa na relação com o PS?
Julgo que não surpreendeu ninguém a posição do PCP de não aceitar que fossem os portugueses a pagar a falência de mais um banco.
Nas propostas da renegociação da dívida e do Novo Banco PCP e BE pareciam estar a ver quem chega à meta primeiro.
Não vejo isso como tentativa de chegar à meta. Se a questão é sobre quem apresenta iniciativas primeiro… em 2011 entrou na AR o nosso primeiro projecto de renegociação da dívida e há dois anos apresentámos uma proposta para o controlo público da banca. A nossa proposta do Novo Banco decorre dessa.
Não há corridas?
Nós não intervimos politicamente com a preocupação da corrida ou de uma capa de jornal. Nem apresentamos iniciativas na AR com o objectivo de chegar à frente de quem quer que seja, mas com o objectivo de dar resposta a problemas concretos com soluções concretas.
Então como estão as relações com o Bloco? Não se cruzaram no acordo, não houve um aperto de mão no orçamento…
Eu compreendo que essa componente de encenação na política se tenha tornado uma coisa tão marcante que as pessoas já não consigam viver sem ela, mas nós prescindimos da encenação toda em favor da substância das coisas.
Não há desconforto, mesmo depois de duas eleições em que o BE ganhou tanto terreno?
Da nossa parte não. Nós não medimos a nossa intervenção nem pelos nossos resultados eleitorais nem dos outros. Até porque nas últimas legislativas nós crescemos: aumentámos os votos e o número de deputados, só temos que ficar satisfeitos com isso.
Mas o BE cresceu muito mais…
Em que é que isso prejudica o nosso resultado? Julgo que em nada.
O PCP podia ter maior poder de influência sobre o PS.
Ah, mas quem fizer disso critério de avaliação dos seus resultados eleitorais poderá chegar a essa conclusão, mas nós não fazemos. A correlação de forças não é indiferente, agora as relações que temos ou não com o BE a partir dos resultados eleitorais que cada um tem isso não são elementos que tenham correspondência.
Vai ajudar o Governo na preparação das medidas adicionais pedidas por precaução por Bruxelas?
Nós temos muitas soluções para os planos A de resposta aos problemas.
E tem vontade de participar num plano B?
Todas as medidas que sejam positivas para os trabalhadores e para o povo português nós cá estamos para as apoiar. Todas as que não o sejam contarão com a nossa oposição. Se forem medidas adicionais para obrigar os grandes grupos económicos a pagar mais impostos ou para tributar de forma mais justas os mais ricos entre os ricos, cá estaremos para adicionar essa medida.
Quando a maior parte dos pontos do acordo estiverem cumpridos o que se faz? Um aditamento durante a legislatura ou é um documento intocável?
Acho que se está a dar por curto um caminho que não é pequeno. Há muita coisa que está por fazer. Há um conjunto de questões da posição conjunta que não são de pouca monta. A começar pelo primeiro: combate à precariedade. Por isso agendámos um debate logo a seguir ao orçamento, para dar sinal de que é preciso dar prioridade ao assunto, apresentámos iniciativas e temos uma campanha política na rua desde 18 de Fevereiro.
Se será feita em menos de quatro anos? Depende da rapidez com que o trabalho for feito e da intensidade que se colocar. Há medidas aprovadas que também não estavam no acordo e só foi possível por haver esta nova correlação de forças, como as indemnizações aos trabalhadores mineiros e os hospitais de Évora e do Seixal.
Se conseguíssemos amarrar a vida nas linhas do papel provavelmente a vida tinha muito menos interesses.
O que espera de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém?
Eu espero que cumpra a Constituição e que lhe dê cumprimento de forma cabal porque já seria uma novidade relativamente ao exercício daquelas funções. Tenho que esperar o melhor e estar preparado para o pior, como aquela máxima do Antonio Gramsci do optimismo da vontade e o pessimismo da razão. E espero também não ter que chegar ao final do seu mandato fazendo um balanço tão negativo como fazemos deste que agora cessa funções.
Já alguém do PCP se reuniu com Marcelo?
Não tenho conhecimento disso.
Espera que seja coerente com as críticas que fez às políticas do PSD quando era comentador?
Espero que seja mais coerente com o cumprimento da Constituição do que com qualquer outra coisa e, sinceramente, que a coerência seja de facto com o juramento que vai fazer no dia em que vai assumir o mandato.

3 comentários:

Luís Neves disse...

Habemos camarada! Liso e áspero? Talvez! Mas sobretudo de nós e... comunistaaaaa!
Ab ab ab abraço!!!

Justine disse...

Cabeça limpa, pés no chão e coração aberto! Alentejano com raízes fundas!!!

Olinda disse...

Lucidez e determinação!Gostei bastante.Bjo