- Edição Nº2228 - 11-8-2016
Comentário
Diz-me o que celebras…
O final de Julho trouxe consigo a decisão da Comissão Europeia relativamente à situação de «défice excessivo» em que, segundo esta, Portugal se encontra.
Particular projecção mereceu na comunicação social o desenvolvimento relativamente à ameaça de multa – como medida punitiva – que pesava sobre o País, mais especificamente a decisão de cancelar essa multa.
Pelo seu significado profundo, vale a pena guardar registo das múltiplas reacções que se seguiram a esta decisão. Da «vitória para Portugal» (daquelas de fazer encher o Marquês...) às laudatórias profissões de fé na União Europeia e nas suas instituições, chegando-se mesmo a concluir, como o fez o ministro Santos Silva, que «vale a pena jogar o jogo das regras europeias». O registo celebrativo imperou. A destoar, o PCP considerou a decisão da Comissão Europeia «inaceitável», «ilegítima» e «atentatória da soberania e dos interesses nacionais».
Como compreender esta disparidade de reacções?
Olhemos à letra da decisão da Comissão Europeia. Mais concretamente, olhemos às duas comunicações que seguiram do colégio de comissários para o Conselho da UE, como propostas de decisão.
Uma delas (COM(2016) 519 final), sobre a «imposição de uma multa a Portugal por ter falhado em adoptar as medidas necessárias para pôr fim à situação de défice excessivo», propõe o cancelamento da multa a Portugal. Nos considerandos da decisão, lá consta o reconhecimento de que «não se tomaram medidas efectivas para combater o défice» (quando nem sequer existiam, segundo a Comissão, «circunstâncias económicas excepcionais que pudessem justificar esse incumprimento»), mas lá vem também, como atenuante justificativa da decisão de cancelamento da multa, entre outras, o compromisso do governo português de cumprir com o Pacto de Estabilidade já em 2016 e de adoptar as recomendações da UE para 2017 (seja no plano orçamental, seja no plano das «reformas estruturais»).
Refira-se que se a expressão pecuniária mais imediata da sanção – a multa – foi, por agora, cancelada, já a sanção propriamente dita essa permanece em aberto. Diz a Comissão Europeia que uma decisão sobre a suspensão dos fundos da UE a Portugal (a outra vertente da sanção) ainda terá de ser tomada. Lembra que nestes casos essa suspensão é obrigatória, de acordo com os tratados e legislação da UE. E acrescenta que lá para Outubro (ou seja, em plena discussão do Orçamento de Estado para 2017) será tomada uma decisão a este respeito.
A outra comunicação da Comissão Europeia (COM(2016) 520 final) leva o elucidativo título: «Notificação a Portugal para tomar medidas de redução de défice julgadas necessárias a fim de corrigir a situação de défice excessivo». E é, a par da primeira, todo um cardápio da mais ignóbil ingerência. De indisfarçável recorte colonial, é uma eloquente demonstração do que é a União Europeia.
Ficam claros os objectivos que determinaram e determinam todo o processo das «sanções», assim como fica clara a importância de olhar para lá das sanções: para o intricado conjunto de mecanismos de chantagem, de condicionamento e de ingerência de que as sanções são mero corolário.
A UE exige a Portugal um défice das contas públicas de 2,5 por cento em 2016. Determina que quaisquer «receitas extraordinárias ou inesperadas» sejam utilizadas obrigatoriamente para acelerar a redução do défice e da dívida. Exige «medidas de consolidação» correspondentes a 0,25 por cento do PIB em 2016 e o cumprimento pleno e efectivo das medidas de controlo da despesa incluídas no Programa e Estabilidade apresentado pelo governo PS, ao qual se devem acrescentar «medidas adicionais de natureza estrutural». O documento da Comissão Europeia tece considerações relativamente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), à Segurança Social e ao Sector Empresarial do Estado (SEE). Destaca-se a exigência de que Portugal apresente um «roteiro claro e implemente medidas para vencer atrasos e aumentar a eficiência no SNS, diminuir a dependência das pensões face às transferências do Orçamento de Estado e assegurar poupança orçamental na reestruturação do SEE». Termina fixando o prazo de 15 de Outubro para que Portugal apresente um relatório dando conta das medidas concretas que estão ser implementadas para cumprir com este cardápio de exigências.
O conteúdo desta decisão, aqui apenas sumariamente enunciado, lança alguma luz sobre as manifestações de regozijo que se lhe seguiram. «Diz-me o que celebras».
João Ferreira
2 comentários:
PORTUGAL DEVE AFIRMAR-SE COMO PAÍS SOBERANO
E
O SEU GOVERNO, OS SEUS POLÍTICOS E O SEU POVO DEVEM
MANDAR À MERDA BRUXELAS E O BCE
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... como é que isso se faz, oh iluminados?, que contributo dais vós?, além de bocas foleiras e/ou falsificadas?
quem LUTA por Portugal como País soberano?
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