Há um quarto de século fomos todos (exploradores e
explorados, algozes e vítimas, intervenientes e espectadores desatentos)
sujeitos a uma sacralização: a do limite
dos 3% para os défices orçamentais. Quem não o tinha deveria tender para
ele, quem já o observava merecia o prémio
de entrar para a União Económica e Monetária… desde que fosse consistente nos 3%. Portugal
estava entre estes últimos (com o sacrifício bem custoso dos do costume, dos
trabalhadores).
Mudaram os tempos (poucos) mas não teriam mudado as
vontades dos que predominam na correlação de forças. Estava escrito, e o que
está escrito é para se cumprir. Embora dependa de escrito onde.
E Portugal, sempre na “linha da frente” dos
obedientes que não dos disciplinados, encheu-se de brio: 3% é muito, somos capazes dos 0%! Mesmo que isso pudesse
implicar a entrega de empresas fulcrais e de sectores essenciais a grupos
privados transnacionais, mesmo que se tivessem de sacrificar, primeiro, adiar
depois, direitos dos do costume, sempre mercadorizando o que não pode ser
mercadoria e mais precarizando o que deveria ser estável. Artificializando o
progresso social.
O sagrado mantinha-se sagrado. E fora de riscos de
heresia. Pois se se almejava mais que o tal 0%, se se afirmava pretender o que seria mais que equilíbrio.
De repente, por esta data da sagração da Prima vera,
a surpresa: face à gravidade da situação económica-financeira (ou financeira a
arrastar a económica), a Comissão Europeia anuncia a heresia: os 3% deixam de
ser sagrados.
Depois, será a re-escalada da dívida. Quando ainda
não estão pagas – longe disso – as dívidas e custas resultantes da sacralização dos 3%.
O capitalismo tem manhas que agridem o humano e a
sua inteligência. Tem que se lhe retirar as más caras e travar a vocação
suicida, de que não se esquivam por saberem que a longo prazo estão todos
(eles!) mortos e quem vier que feche a porta ou faça os enterros, se houver
quem.
1 comentário:
Uma heresia que os fiéis "du sacré" nos vão fazer pagar caro.Um texto de alerta inteligente e bem conseguido.Bjo.
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