terça-feira, abril 25, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 27


Poder Local
O presidente da Junta de Freguesia, que fora escolhido pelo padrinho, o senhor presidente da Câmara, nomeado este por quem seu padrinho era, SEXA. ministro do Interior, nem queria acreditar.
No dia 25-de-Abril, uns capitães em MFA e o povo nas ruas fizeram cair dos poleiros padrinhos e padrinhos dos padrinhos.
Como seria inevitável, também caíram afilhados… Ele deixou de ser presidente da Junta.
Depois, cumprindo-se honradamente um programa, houve eleições.
Ele, que tinha sido presidente apadrinhado da Junta, votou para a Assembleia Constituinte, votou para a Câmara, foi candidato à Junta.
Não foi eleito. Dessa primeira vez…

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 26

Regresso
Ela desligara o telefone para que o efeito do comprimido não fosse anulado. A toque de despertador, correu a acordar o miúdo.
Com aparente firmeza, comandou “vá… toc’a levantar!”.
O João ainda protestou mas resignou-se ao cumprimento do ritual.
Banho. Vestir. Pequeno-almoço. Lavagem de dentes. Beijo à porta.
Já na rua, a carrinha mesmo a chegar:
“Mãe…(ela esperou a pergunta de todas as manhãs desde que “aqueles homens maus” tinham vindo buscar o pai)… quando é que ele volta?”
Sorriu, triste e cansada “Não sei, filho… era tão bom que fosse hoje!”
Foi! O dia nascido era 25-de-Abril-de-1974

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 24


Madrugada

Era para ser um fim de tarde igual aos outros.
De mãos dadas, beijos furtivos.
A guia de marcha para Angola mudou tudo.
Foi em desespero que se descobriram num quarto “para casal que venha a Lisboa”.
Sem saberem de Daniel Filipe, reinventaram o amor com carácter de urgência. Entre lágrimas e espantos, choros e gritos. Como se fosse a primeira vez. Que era.
A madrugada atirou-os para a manhã do 25-de-Abril.
Primeiro, aturdidos. Sol, soldados, cravos, homens, mulheres, povo.
Depois… foram dos primeiros a gritar: “nem mais um soldado para as colónias!”.
Renascidos para a esperança no futuro.

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 23

Uma série, nesta série de Abril, de 4 histórias - entre tantas... - para hoje, porque hoje é


O DIA

Cumpri o ritual.
Com a unha, risquei na parede uma nova manhã acordada em Caxias.
Noutras salas, em Peniche e noutros lugares, camaradas actualizavam as suas séries.
Todas, somavam 48 anos. De fascismo.
“Mais um dia, menos um dia”.
Lembrei, como em cada manhã, o servente do Aljube que, anos antes, assim anunciava o dia nascido.
Não adivinhava é que aquele 25-de-Abril iria ser O DIA.
O dia em que as portas dos tarrafais se abririam pelo lado de fora. Pelo povo!
Para todos sairmos da prisão-Portugal com 48 anos contados a riscos de unha em paredes brancas.

segunda-feira, abril 24, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 22

Antes de, amanhã, contar O DIA, hoje vai o meu

Começo
Andei na escola em Lisboa.
Na minha escola, de bairro popular, havia meninos muito pobres. Que já trabalhavam. Como o Zé Maria, que ajudava o pai um pobre vendedor ambulante.
E nas traseiras do sítio onde vivia, outros meninos viviam que nem à escola iam.
Chocou-me!
Quando vinha ao Zambujal, brincava com meninos que não tinham sapatos, que jogavam à bola comigo, que comigo faziam corridas, eu calçado de botas ou sandálias.
Também me chocou.
Comecei aí a querer mudar o mundo em que havia meninos iguais a mim que trabalhavam e meninos de pé descalço que comigo brincavam.

Mounti em saco azul...

A senhora dona tinha um saco e em cima da cama o tinha.
O gato saltou e o gato no saco entrou.
A dona viu e gostou, e o gato no saco fotografou.
Da fotografia da dona do gato em saco (azul...) gostei e, vai daí, bloguei!
É tudo! E muito é.

sexta-feira, abril 21, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 21

14(O)11(L)1(Á)

No isolamento, naquelas celas ao longo do 2ºandar do Aljube, os toques na parede eram “prova de vida”. Nossa. Acompanhada.
A primeira vez que ouvi 2 toques igual a B, seguidos de 14-O, 12-M, pausa, 4-D, 9-I, 1-A, comovi-me. E deu-me força!

Assim comunicávamos.
Como o dia tinha 24 horas, dava para muita coisa. Até para jogar xadrez, como camaradas fizeram. E não importava que os nós dos dedos inchassem enormemente…

De vez em quando, o guarda passava “vamos ácabar c’o batuque…”.
Mas também ele sabia que não valia a pena…
Só se pusessem um guarda em cada cela!

Hoje, 21 de Abril


Hoje, 21 de Abril, andava em navegações com outros destinos, encalhei nesta fotografia.
E fiquei uns minutos encalhado.
Nostalgia? Talvez... Mas não das paralíticas. Não das que recusam a mudança e o progresso.
Fiquei, minutos encalhado, pensando. A olhar para esta foto. Com muito respeito pelo passado que nela se retrata e que é o que somos. Respeito que não se vislumbra, quer nos actos quer nas palavras, em quem tinha a obrigação de o fazer nascer e reforçar-se. Obrigação maior porque são quem nos representa desde que, há 32 anos, foi conquistada (por e para todos nós) a democracia para o nosso País.
Olho aquele depósito e não reconheço Ourém sem ele.
Como dificilmente reconheço Ourém sem este jardim.
Mas, pensam, a tudo nos habituamos.
Estão enganados. Há uma memória que nos sobrevive.

No dia 6 de Maio, estes 3 estarão em Ourém, na Som da Tinta


para apresentarem
Abril, Abrilzinho
um livro com música

quinta-feira, abril 20, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 19 e 20

EUREKA!

Um, dois. Um, dois, três. Um, dois. Um, dois, três…
Passos curtos. Lentos.
Assim escorriam dias. Iguais a riscos de unha em paredes de cela.

Um, dois. Um, dois, três…

Um metro e dez por um metro e setenta.
Os “curros” do Aljube!
Escuridão.
Pó, palha.
Asma.

Um, dois, três. Um, dois…

Horas somando dias numa rotina de enlouquecer.
Preparatória de outras torturas.
De repente… descobri a diagonal!
Um, dois, três… e agora?
Um, dois
OU
um, dois, três, quatro… e por aí fora.
Sempre com escolhas, variando.

Assim enchi de alegria e (quase) liberdade algumas horas de cativeiro.



O PIDE BARATA

Palha, pó, penumbra, calor. Claustrofobia.
A asma!
Aflito, gritei. Exigi médico.

“Pare c’a berraria… médico?... talvez amanhã… é dia do doutor Barata…”

Uma noite de expectativa e algumas esperanças.
Sem dormir. Mais uma…

Ar profissional, bata branca, o Barata ouviu-me enquanto preenchia uma ficha.
Tomou um ar paternalista, displicente:

“Pois… fortíssimo ataque de asma. As celas não ajudam. E é irreversível!… Você tem de colaborar com a polícia para sair daqui depressa… Tome isto a ver se dorme.”

Durante o interrogatório, na tortura do sono!, repetiu a receita e, com mais ênfase…, o "conselho".

O pide Barata!

quarta-feira, abril 19, 2006

A ouvir noticiários e a ler comentários...

O Estado!
O Estado em que estamos.
O Estado a que chegámos.
E o "estado das coisas" tal como estão as coisas e no estado em que o Estado está...
Que alternativas, agora, para este Estado?
Um melhor Estado!
Que é possível, que é preciso, que é urgente.
Nunca uma ausência de Estado.
Porque, agora, uma ausência de Estado - ou cada vez menos Estado porque cada vez mais ao serviço exclusivo do actual "estado das coisas", isto é. sem alternativas - é pior que um mau Estado.
Chegámos a este Estado... que é possível, que é preciso, que é urgente melhorar.
Ao serviço do que nós somos.
Para melhor vivermos. Para melhor sermos!

Na manhã de 19 de Abril de 2006


(foto de Maria José, com aparelho... artesanal)

terça-feira, abril 18, 2006

Boas vizinhanças...

(desenho de GoRRo em fuga para a vitória)

"Cerca de 350 bebés portugueses vão passar a nascer todos os anos em Badajoz. Já há acordo entre os ministérios da Saúde de Portugal e Espanha para que as grávidas da região de Elvas passem a dar à luz no Hospital Materno Infantil da cidade do país vizinho, reduzindo o "risco de vida" que algumas mulheres e crianças correram nos últimos anos, como admitem os médicos. A minuta foi entregue ao ministro da Saúde e aguarda apenas a assinatura de Correia de Campos, segundo apurou o DN junto da Câmara de Elvas..."

(em janelvira e nos jornais)

(desenho de GoRRo em fuga para a vitória)

Então de que estão à espera?!

Se a guarda de prisões pode dar lucro a privados... de que estão à espera, excelências ministeriadas?
Para quê manter funcionários públicos de guarda a ladrões e criminosos, deficitando orçamentos e mantendo Estado a fazer coisas que não sejam as de apoiar a iniciativa privada?
As prisões para as empresas privadas de segurança (ou empresas de segurança privada?). Já!

Ainda por aí há mais qualquer coisa que lucro possa dar, depois da saúde, da educação, da guarda de prisões?
Se há, vão-se a elas já, privatizem como é a vossa obrigação governamental (e suicida);
e se ainda sobrarem por aí outras coisinhas que não possam dar lucro, com elas acabem. Já!

domingo, abril 16, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 18

CAXIAS
SALA2, rés-do-chão direito-2

O camarada responsável pela telefonia clandestina deu a notícia do assassinato de Kennedy.
No recreio, alguém cometeu a falha de o dizer para outra sala.
De certeza um guarda ouvira e iria bufar.
(E ainda não tinham chegado à sala jornais com a notícia…)

Ao começo da noite, veio a busca.
Prevista. Tinham-se tomado precauções…
Levaram-nos para uma arrecadação ao lado, enquanto esquadrinhavam nossos lugares e pertences.

No regresso, um mais apressado/apertado adiantou-se para o “reservado”.
Ainda se correu mas não foi a tempo…
A telefonia, colocada no sifão do buraco-sanita, foi na descarga do autoclismo.

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 17

CAXIAS
SALA2, rés-do-chão direito-1

Éramos 30 homens em 3 compartimentos:
dormitório, 10 beliches de 3 andares contra as paredes;
“sala-de-estar”, 3 mesas para comer, escrever, estudar;
anexo com lavatórios, dois “reservados” com buracos no chão.
Tantas histórias…
A ginástica e o judo matinais;
o 1º de Maio;
as aulas (uma interrompida pelo pide que… também queria estudar marxismo);
o camarada que aprendeu a ler, a cena comovente da escrita do primeiro postal para a filha;
a prisão-de-ventre de um, os esforços que levaram a que fosse o relógio-de-pulso a fazer o “ploc” saudado solidariamente pelos outros 29, atentos aos ruídos…

sábado, abril 15, 2006

"Uma boa páscoa religiosamente incorrecta"


Estou mesmo numa pascal.
Depois da viagem pelo quintal, ao sol e com uma temperatura muito amena, chove que se farta, deu-me para andar por aqui a navegar.
E não resisto, com a devida vénia, a trazer para aqui este título e este boneco de um "post" do vizinho fuga para a vitória.
Obrigado.

Pequena viagem pelo quintal... com máquina e Mounti














Então... aleluia!

Extracto de uma espécie de diário:

Hoje, é sábado.
De aleluia, dizem eles…
… e eu que sou ateu – que até ateu sou – também digo aleluia, hoje, neste sábado que é especial.
Há muitos anos, aqui no Zambujal, era o dia de estrear roupa nova, de se fazer um almoço de rancho melhorado, de ir lanchar ao Xico Santo Amaro, ao senhor Francisco, o pai do “nosso” Xico.
Era – já não é? – a altura das matanças, das febras cortadas no porco ainda quente, do vinho a saber melhor.
Havia a visita pascal, que passava à porta e não entrava mas não nos era indiferente, trocávamos prendas e amêndoas, normalmente havia sol e flores e cheiros e sons trazidos pela primavera.
Somos as nossas circunstâncias e, até sendo ateu – agora com a etiqueta de ateu ancião, de que não desgosto… – sei, e lembro, que este dia me marcou e marca.
Distancio-me, racionalizando, sinto que o peso do que nos cerca é muito menor do que era nesses idos anos – não tenho nenhuma roupita nova para estrear, não sei de nenhuma matança, desconheço se o "senhor prior" passou ali na estrada… –, mas não entro na redutora e/ou falsificadora recusa da influência do meio, das circunstâncias, naquilo que somos.


Assim sendo… aleluia e muitas amêndoas!

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 16

Mais uma. Esta do final de 1963, de Caxias.

OS VAMPIROS

Ganháramos a luta por uma hora de gira-discos na sala. Embora com censura de todos os discos, não entrando nomes como Boris, Serguei, Dimitri e terminações em of, itch, ef, orquestras de Moscovo e parecenças.
Entrara, entretanto, um 45 rotações de “fados de Coimbra” cantados por um tal dr. José Afonso.
Uma das faixas chamava-se “Os Vampiros” e os 30 ouvíamo-la todos os dias… até que um guarda foi bufar a “estranheza” da letra ao funcionário da PIDE de serviço a Caxias.

Lá ficámos sem “fados de Coimbra” e castigados uns dias com corte da hora de música.

sexta-feira, abril 14, 2006

Em casos como o da Casa Pia

TEMOS O DEVER DE JULGAR!

No aniversário de
Vale a Pena Lutar!,
com um grande abraço
para o Pedro Namora


Há quem insinue, como quem não quer a coisa, que as vítimas não teriam nada a ganhar com o castigo de quem, eventualmente, teria cometido os crimes. E adoçam mais o que chamam erros, maus passos, escorregadelas (se acaso os teria havido…), falando de tendências sexuais de que não se tem culpa e de momentos passageiros de desvario a que todos estamos, ou somos, sujeitos.
Há, também, quem junte à insinuação a hipocrisia de anteceder a palavra vítimas do adjectivo presumíveis (ou presumidas, ou pretensas), assim dando maior ênfase ao tempo que se está a perder e ao facto de que ninguém irá beneficiar com a condenação dos que, coitados!, já têm a vida destruída e, se calhar, nem terão feito nada assim de tanta gravidade…
Há, ainda, quem leve a insinuação e a hipocrisia aos píncaros da ignomínia e não recue perante pôr em causa a credibilidade de quem vítima foi (“se diz ter sido… e, se calhar, foi instigador e aproveitou de prendas e prebendas a que, sem os actos ditos condenáveis, nunca teria tido acesso”).
De qualquer modo, perguntam:
“Para quê – e quem – punir? Punidos todos estão, uns porque são o que são, outros pelo prejuízo trazido às suas reputações e vidas… Pois se as pretensas vítimas até já foram indemnizadas, talvez houvesse era que indemnizar os presumíveis culpados que já tanto sofreram, coitados!...”

Pasmo e indigno-me.

Todos estes, mesmo um ou outro a quem se possa dar de barato que tenha uns restos de boa fé, e ainda outros que descrêem que a justiça vá até ao fim e, desinteressados e distanciados, nada fazem para que o processo se conclua com o apuramento das responsabilidades de quem foi criminoso, todos parecem distraírem-se da importância de… se fazer justiça!
Há adiamentos, e protelamentos, e tergiversões. Com artes e manhas, expedientes expeditos, com dinheiro para tudo comprar, tempo e gente. E, curioso!..., são os mais activos em que não se faça justiça, ou defensores de que “não vale a pena” – “porque não se viriam remediar males feitos, se males houve…” – são esses msmos que, se acaso um seu investimento (em arte, por exemplo) for roubado e ficar com mazelas, mais justiça pedem, dura e rápida, para punir quem lhes furtou o objecto e o teria danificado. E não lhes toquem no seu BMW, ou na sua casa da praia, quando não é um jactozinho, apesar de seguros e bem seguros.

Pasmo (pasmo?) e indigno-me (indigno-me!)

Quando as vítimas são crianças e à nossa (de todos!) responsabilidade porque da sociedade, maiores são os crimes e mais necessário e urgente é que se faça justiça.

quinta-feira, abril 13, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 15

DEZEMBRO 1961

O encontro fora marcado para as 20 horas de 19.
Numa travessa à rua dos Lusíadas estacionei, após volta aos quarteirões que me preocupara. Esperei, ansioso. Nada!
Usei “hora de recurso”. Nada!
Fiquei preocupadíssimo.
Que teria acontecido?
“(…)Tendo passado pela rua dos Lusíadas cerca das 20 horas, e tendo-se apercebido da presença dos referidos agentes, começou a correr pela mesma artéria(…)foi o José António Dias Coelho agarrado pelo agente Manuel Lavado. Entretanto, chegou junto dele o réu que desferiu dois tiros de pistola(…)”.
(da sentença do tribunal, 1976)

Assim assassinaram Dias Coelho que eu esperava alguns metros acima.


Última gravura de José Dias Coelho, de Novembro de 1961, para o Avante!, representando o operário Cândido Martins assassinado na frente de uma manifestação em Almada contra a burla eleitoral, e para que escreveu a legenda “De todas as sementes deitadas à terra é o sangue derramado pelos mártires que faz nascer as mais copiosas searas”.

Histórias em 100 palavras e 1lustração- 14

Nesta viagem pela memória (em 100 palavras) assaltam-me episódios que exigem ser contados:

OUTUBRO 1961
Quando a questão se pusera no Partido, a minha recusa foi compreendida mas adivinhei que não convencera.
Aquela delegação unitária a minha casa comprovou-o.
Que o passado associativo estudantil, que o presente de dirigente desportivo, que etc., faziam de mim o candidato da juventude pela oposição democrática.
Eu, que não. Que a gravidez tubária da Antonieta, que a situação profissional, que etc.
Não!
Quando saíram, quase chorei. Aquele NÃO queria ser SIM. Mas a pressão familiar e medos tinham-me levado a ceder.
Avisei, solene, que aceitara razões circunstanciais mas não desistia de ser o que era. Da luta!

quarta-feira, abril 12, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 13

Uma pausa nas "histórias de Abril", recuperando uma das mais antigas das cem palavras...


FOI SÓ UM OLHAR

Tão distraídos estavam os olhos, viajando sem poiso.
Tão desprotegidos estavam, sem destino, à deriva, quando encontraram outros olhos, e num só olhar se tornou o que dois olhares eram.
Foi um minuto… qual quê?… foi apenas um segundo em que se ficaram, os dois, ela e ele, olhos nos olhos, em perfeita e irrepetível sintonia.
Foi um segundo. Que, como segundo na contagem do tempo, logo morreu na eternidade em que viveu e fez viver.
Nem uma palavra. Para quê cem? Foi um olhar. Só! E bastou para ter dado novo rumo a duas vidas.

terça-feira, abril 11, 2006

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 12

LISBOA-1973
Tinha reunião no MDP-CDE.
Na escada, camaradas carregados de documentos atropelam-me.
“Tens carro? Qual?...”
“Um dois-cavalos…”
“Depressa… Pide a assaltar sedes… traz quanto puderes…”
Outros carregam-me.
Saio a correr.
Cruzo os mesmos camaradas.
“Vais naquele Fiat… o casalinho q’estava no teu já lá vai…”
Pasmo. Tinha ido sozinho…
… e o meu 2CV está ali. Paradinho.
Outro 2CV arrancara e afasta-se guichando.
Salto para a garupa do meu. Arranco em perseguição.
Agarro “o casalinho” na Estrela.
Contam-me: estavam nas despedidas, beijinhos-e-tal-e-coisa, abrem-lhes a porta do carro, enchem-no de papéis, gritam-lhes “desapareçam!”. Não perceberam nada… “desapareceram”.
Até eu os apanhar!

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 11

“ENGARRAFADO”

Quando o telefone tocou, já esperava novidade pouco agradável.
Tivera uns encontros complicados nos dias anteriores, sobretudo um com um estudante suíço feito jornalista. Queria saber coisas sobre a Universidade e a (falta de) democracia em Portugal, e durante o encontro pressenti coisas “estranhas” nas cercanias.
Quando levantei o auscultador, uma voz apressada deixou o recado: “Vinho suíço engarrafado… vinho português a engarrafar…”
Demorei a pousar o telefone, a cortar o irritante ruído que dele saia.
Fiquei parado, sem saber que fazer…
Bateram à porta e ficou logo tudo resolvido. Fui “engarrafado”!
Dessa vez, a primeira!, por pouco tempo…

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 10

“CUIDADOS CONSPIRATIVOS”

Acabada a reunião, queimados os papéis, despejados os cinzeiros, despedimo-nos com a satisfação de termos estado a ajudar a transformar o mundo…
O “funcionário” clandestino despediu-se, caloroso, e recomendou: “não saiam todos ao mesmo tempo… façam intervalos de dez minutos, um quarto de hora. Até à próxima, camaradas. Bom trabalho!”

Assim fizemos.
Só que, sem nada termos combinado, com intervalos de dez minutos, um quarto de hora, fomos chegando à Trindade para, todos juntos, surpreendidos, em risota e galhofa, bebermos a cervejita antes de ir p’rá cama.
Pides com bom faro não teriam deixado escapar aquela falha conspirativa!

segunda-feira, abril 10, 2006

Histórias em 100 palavras - 9

Sem introdução nem comentários...
A "SENHA"
As senha e contra-senha tinham sido cuidadosamente transmitidas. Com toda a naturalidade, bateríamos à porta do "amigo" e perguntávamos a quem abrisse:
"Há jantar para mais um?..."
A resposta seria "se gostas de carapaus..." e a reunião poderia começar sem riscos conspirativos.
Subi ao 2º andar daquela rua do Areeiro e bati:
"Boa noite... há jantar para mais um?..."
A simpátiva velhinha que me abrira a porta sorriu na resposta:
"Pois... enganaram-se no andar. A reunião é no 3º, é lá que mora o vizinho comunista... lá é que há carapaus fritos!"
E abriu mais o sorriso maroto.

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 8

Agora vão duas ou três sobre... cuidados conspirativos.
Que eram indispensáveis... mas que podiam criar situações que, hoje - e também então - faziam rir.


CONTRA-SENHA FALHADA

Comportamentos e conversas daquele colega faziam pensar que estaria próximo de nós.
O “funcionário” deu-me luz verde para a abordagem e iria haver um contacto por outra via.
Fiquei de ir a casa dele, o que era normal nas nossas relações. A contra-senha para o ligar ao “organismo” seria responder-me “o artigo do Vilela…” ao meu pedido do número 34 da Revista de Economia.
Assim fiz… e fiz de ignorante pois “É!, pá… qu´é isso?... então não sabes que a numeração da revista é por anos e nunca passa de 4 porque é trimestral?!”

Falhara o outro contacto…

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 7

É com algum alvoroço (e também satisfação) que me vejo obrigado a antecipar estas 100 palavras, que agora escrevi, e talvez viesse a escrever mais tarde, talvez na madrugada de 26 para 27 de Abril...



A FICHA

Só soubemos do 25 de Abril à noitinha.
Por um ex-companheiro que foi para perto da prisão claxonar como se estivesse a bater na parede (1 toque-A, 2-B, etc.).
Depois… foi o que não cabe nem num milhão de palavras. Tanta coisa!
Só uma: um amigo pessoal entrou, já a 26, numa comissão para a “negociação” da nossa saída.
A primeira ficha que viu foi a minha. Retirou-a e veio, a correr, entregar-ma à cela.
Quando jornalistas entraram e fizeram a lista dos presos, a partir das fichas, faltava a minha.
Por isso, não ficarei na História! Paciência...


É esta:

Informação de Mounti

Chegou ao meu conhecimento o feliz evento do nascimento, na casa dos amigos Namora, de três filhotes da Nina.
Aqueles que meus donos se julgam, deram-me essa informação, com alguma contida emoção porque se teriam lembrado da Justine e do que por aqui se passou em idênticas circunstâncias, a que de certo modo estive alheio - embora observador e não lá muito satisfeito com a pouca atenção que então me foi dada... mas adiante -, tudo depois agravado com desaparecimento da Juju, de que confesso também sinto a falta, de vez em quando. Aqui fica a informação, a foto feliz (reparem na patita da carinhosa mãe!), e os meus parabéns a toda a família.

Mounti

domingo, abril 09, 2006

Exemplos de censura... há 35 anos!

Comecei a mexer em papéis velhos (estou sempre a mexer em papéis velhos…), e saltaram-me algumas “provas de censura” muito oportunas para o que aqui queria trazer. E fiquei preso na leitura, particularmente nas crónicas do Mário Castrim, para o "Canal da Crítica" do Diário de Lisboa. Sinto um misto de saudade, admiração e… renovada irritação. É preciso que os jovens saibam como era!
Transcrevo a crónica de 10.04.1971, de que foram cortados, pelos Serviços de Censura, os trechos em itálico.

TELEVISOR FECHADO
PALAVRAS (MAIS OU MENOS) ABERTAS

Não me peçam tolerância: tolerância é concordância. Não me peçam bem soar: bem soar é abençoar. Não me peçam compreensão: bem basta os que são. Não me peçam que perdoe: já basta o que me dói.

*

Eu sei que ninguém tem culpa. Então o que é que cada um tem?

*

Mãos nuas, peito a descoberto. Ainda por cima, estou sentado. Não nada mais indefeso que um homem sentado.

*

Acredito no futuro da televisão porque acredito na televisão do futuro.

*

O povo não me passou procuração para falar em seu nome. Mas na destruição das minhas noites e dos meus dias, existe um compromisso que desejo transparente. E pelo qual me destruindo, me construo.

*

Ando na palavra como o funâmbulo no seu arame. Uma vantagem para o funâmbulo: o seu arame não é farpado.

*

Então, contou a seguinte parábola:
Estava um homem a procurar, a procurar, no cesto das laranjas-palavras. Angustiado, porque nem todas as laranjas são possíveis. Quando rompeu a madrugada, tinha na palma da mão a laranja-silêncio.
- Senhor, que faz o homem que só encontrou a laranja-silêncio?
E o senhor respondeu:
- O homem que só encontrou a laranja-silêncio, meu filho, faz uma laranjada.

*

Os meus momentos de maior reflexão acontecem quando, no fim da emissão, desperta a imagem da bandeira portuguesa. Quando vier a bandeira a cores, será maravilhoso espectáculo.

*

Os perigos de uma televisão que, não se desejando comercial na essência, o seja por como modo de vida, consistem em não se apurar com a suficiente clareza se vive dos anúncios ou para os anúncios.

*

Televisão ao serviço dos grandes “trusts” não faz serviço nacional.

*

Na minha posição de crítico, só há uma coisa em que verdadeiramente acredito: nas limitações. Metem-se-me pelos olhos dentro. E levam-me os olhos.

*

Alego a legítima defesa.

*

Diz-se que o mal do Teatro na Televisão Portuguesa consiste na procura de reportório para maiores de 12 anos.
Espanto-me! Pois ainda há em Portugal indivíduos maiores de 12 anos?

*

Todos são políticos. Mas: só alguns o são por política.

*

Ser independente não é ser homem. Ser homem é escolher que dependência.

*

A Televisão é uma força de respeito; por esse motivo, há que permanentemente, perder respeito a essa força.

*

Lamentemos a sorte dos críticos sem Televisão. Lamentemos, poré, e emais ainda, uma Televisão sem críticos.

*

Um indivíduo critica para viver; oxalá a contrapartida seja a existência de um número cada vez maior de indivíduos que vivam para criticar.

*

O apelo à futilidade é a vocação de uma televisão sem vocação popular. Quer dizer: de uma televisão sem televisão.

*

Está dito: o infantilismo é uma arma de dois gumes, capaz de se voltar contra quem a usa. Julgando criar adesão de grande público, o que na verdade origina é a indiferença. A amizade, a solidariedade, fortalecem-se apenas no compromisso responsável.

*

O crítico tecnocrata é o pior dos críticos. É também o pior dos tecnocratas.

*

Não existe, no presente, uma única rubrica de produção nacional que disponha de grande audiência. A língua portuguesa, como instrumento vivo e quotidiano, é a grande exilada da televisão portuguesa.

"Ao menos essa tem cavalos. O que sempre anima."

A GR, num dos seus amigos comentários ao post em que a 1lustração era esta prova de censura, perguntava qual o conteúdo da notícia.
Tenho todo o gosto em lhe responder. Aqui. Em público. Embora lhe vá mandar uma fotocópia...
Trata-se de uma crónica-comentário à televisão, uma secção diária do Diário de Lisboa, de 17.04.1971. Chamava-se "canal da crítica" e o seu autor era o querido e saudoso amigo Mário Castrim, que aí deixou algumas das nossas melhores páginas de jornalismo e de "bem escrever em português".
Nesta, começava por "Ainda cheguei a ter esperanças. Pensei vir a ser, ao menos uma vez, bafejado pela sorte, como se costuma dizer. Recordam-se, logo no início do «Cimarron», a série mais chata e mais comprida da Televisão americana e de uma das suas sucursais , a Televisão portuguesa (...)" e a última frase ("e uma das suas sucursais, a Televisão portuguesa") foi cortada pelo lápis azul da censura.
Mais adiante, escrevera Mário Castrim: "Deixem-me saborear aquela fita sobre os diabéticos, tão optimista, tão insulínica, comentada sonolentamente, e tenham esperança que o mal é até à morte, mas não é de morte: podem fazer vida normal e tudo. Até podem praticar desporto caro, 80 mil diabéticos existentes em Portugal, se tiverem onde, evidentemente, se não tiverem, arranjem, está bem?" mas também a última frase ("se tiverem onde, evidentemente, se não tiverem, arranjem, está bem?") foi cortada pelos coroneis dos Serviços de Censura.
A crónica terminava assim: "«Cimarron» , é isso. Tudo se remediou. Tinha de ser. Coboiada? Ao menos essa com cavalos. Sempre dão outra graça."

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 6

Contar pequenas histórias.
Em 100 palavras. “Arrumadas” em séries e sub-séries.
Como a destas duas "dedicadas a Fátima"… que fica perto de Ourém!


FÁTIMA – 2
Era uma espécie de brain-storming.
Atiravam-se ideias. Qual a mais louca…
Um olhou para mim, sorriu, e disparou:
“Andas sempre a dizer que és de perto de Fátima… lembrei-me duma boa…”
Nem me apeteceu ripostar, como sempre fazia, que Fátima é que é do concelho de Ourém. Esperei…
“Vem aí o Papa, n´é? A televisão vai dar tudo em directo. Para milhões. A gente arranja uns panos munta grandes e, na altura própria, com as câmaras a jeito, abre-os:
Liberdade para os presos políticos! Fim à guerra colonial!
Ia ser giro…”

Esteve quase. Não tivemos unhas…
Foi pena!

Estas 2 saíram sem 1lustrações.
Mas ainda estão a tempo!... Se algum amigo quiser mandar algo que 1lustre estas 100 palavras, será muito bem-vindo... e incluído.

Histórias em 100 palavras e 1lustração - 5

Histórias cem palavras. 100! Nem + 1 nem 1. Que se podem “arrumar” em séries.
Neste mês, dedicadas a Abril. À luta de antes e ao dia que foi o da libertação. Não só minha, o que pouca importância teria (embora enorme para mim!), mas do povo português. Da libertação do fascismo e da guerra colonial. Para um Portugal de liberdade e democracia.

FÁTIMA – 1

Qualquer pretexto me servia para dizer “sou de Ourém!”.
Sempre alguém ripostava “ah!... perto de Fátima…”. Logo corrigia “Fátima é que é ao pé de Ourém!”.
Numa reunião com taxistas, de que era árbitro sindical, um camarada treplicou “…andas sempre a dizer que és de Fátima… descobri como fazer a greve sem que os fascistas chateiem...”
Todos na expectativa:
“...Pois… faz-se a 13 de Maio. Vamos todos a Fátima em peregrinação. Em Lisboa, vazia de táxis, espalhamos que fomos rezar pela aprovação do contrato colectivo com aumento destes salários de miséria”.
Esteve vai-não-vai. Mas houve receios.
Fiquei frustrado!

sábado, abril 08, 2006

100 palavras e 1lustração - 4

Há 32 anos, por esta altura do ano, vivia-se de maneira muito diferente em Portugal. A 16 de Março, abortara um golpe militar, nas Caldas da Rainha (o Zé Quim que conte). O dia 25 de Abril vinha a caminho, cumprindo calendário. Muita coisa para contar. Em cem palavras:


DESENCONTROS
Entre 16.03 e 25.04 de 1974 muitos jornalistas aterraram no aeroporto da Portela.
Quando nos avisaram da chegada daquela equipa da televisão belga estávamos em Coimbra, então a mais de duas horas de carro de Lisboa.
Telefonámos, conspirativamente, a um amigo para os esperar e marcar encontro na “cervejaria Trindade”.
Só que também havia – e há – o “restaurante Trindade”. E os belgas meteram-se num táxi e pediram “restaurant Trindádé”. Onde habitualmente jantavam pides…
Por isso, enquanto os esperávamos metros acima, os bons dos belgas lamentavam a falta de pontualidade portuga e berravam os nossos nomes para sensíveis ouvidos policiais-pidescos…
Por essas e por outras:

sexta-feira, abril 07, 2006

100 palavras e 1lustração - 3

Há centenas de “histórias cem palavras” prontas. Sem precisarem, sequer, de ir ao “micro-ondas”... E 100 palavras serão, talvez, um tamanho ideal para um post.
Aqui vou (a)postando-as.
100 palavras (nem + nem – 1) com 1lustrações amigas, quando vierem…
Estamos em Abril, pelo que outros abris quero lembrar. Para contar como era, aos que não os viveram, para reavivar memórias!



QUANDO FAZÍAMOS COISAS,
QUANDO RESISTÍAMOS

Com paciência pedagógica expliquei ao jornalista estrangeiro que não era bem assim. Que fazíamos umas coisas. Que resistíamos.
Contei-lhe da clandestinidade, das fugas, como se ludibriava a censura prévia, das artes e manhas para editar e distribuir antes da apreensão.
Também do aproveitamento da ligeiríssima abertura na legislação laboral, como tomáramos sindicatos e estávamos a ganhar arbitragens e a mobilizar trabalhadores.
E mais não podia contar…
Repetiu o olhar estrangeiro, agora trocando a solidária comiseração por admiração.
“Afinal…vocês fazem tudo!”
Lá tive de o corrigir: “Não é bem assim… vamos fazendo tudo o que podemos…resistimos!”

- capa (excelente, não?) de Manuel Augusto Araújo para o nº 1 destes cadernos, que se publicaram até ao nº 4 "fugindo" à censura prévia, como publicação não-periódica (que saía todos os meses...), o que foi "topado", passando a ser obrigados a ir censura, o que aconteceu até ao nº 15, e depois proibidos!

100 palavras e 1lustração - 2

100 palavras serão uma boa dimensão para um post. Tenho “cem palavras” às centenas “. Prontas a sair.
Aqui vou (a)postá-las.
100 palavras (nem + nem – 1) com 1lustrações amigas, se vierem…
E como estamos em Abril, outros abris vou lembrar. Para que não se apague a memória!

QUANDO “NÃO SE PODIA FAZER NADA”

O jornalista olhou-me estrangeiramente.
Eu tinha acabado de lhe contar das prisões e da tortura, das medidas de segurança, da censura à imprensa periódica, da apreensão de livros.
Escandalizara-o com as provas (de “exame prévio” e outras) que lhe mostrara.
Também lhe falara de outras formas mais fundas de repressão, política e sindical, das autorizações, proibições, perseguições, das pidescas escutas telefónicas, dos informadores, das abjecções.
Havia um misto de solidariedade e de comiseração naquele seu estrangeiro olhar:
“Pois… não podem fazer nada!”
Corrigi, célere: “Não é bem assim… resistimos e muita coisa vamos fazendo!”

Mais um aviso

Se alguém, algum vizinho em particular, quiser saber coisas que vou fazendo na Assembleia Municipal para que fui eleito, estou a deixar informação no respectivo blog: CDUporOURÉM.
E não penso ficar-me por aí...

quinta-feira, abril 06, 2006

100 palavras e 1lustração - 1

Não há medida padronizada. Como não haverá medida ideal. Mas acho que 100 palavras são uma boa dimensão para um post. Tenho-as às centenas. As “cem palavras”. Já feitas e prontas a sair.
E aqui vou (a)postá-las.
100 palavras (nem + nem – 1) com 1lustrações amigas, se para tanto conseguir convencer alguns que para os riscos têm engenho e arte.
Começo por esta, que conta 1 génese (houve +), e a 1lustração é 1 desenho que o Roberto Chichorro foi fazendo, rápida e distraidamente, sobre o que era 1 capa (!?), como tantas já fiz...


CEM PALAVRAS ESPANTA-MEDOS
Era uma vez um avião. Nele ia eu. Lá em cima. Voando.
A hospedeira, simpática como (quase) todas, deixou-me o Diário de Notícias.
Folheei-o e atraiu-me a publicidade a um concurso:
Histórias cem palavras.
Foi a modos de um desafio.
Procurar palavras que contassem histórias. Nunca mais de cem.
Enchi o habitual tempo de medos e angústias (porquê?... nunca mais me habituo!) contando histórias. E contando as palavras que as contavam…
Nem dei pela aterragem. Até pensei que as palmas dos meus companheiros de viagem tivessem sido por ter conseguido meter tantas histórias em tão poucas palavras.

Fé (e convicção)

Ontem, na leitura que antecede o adormecer, nem sempre fácil, tropecei numa frase que esperou por hoje para aqui a colocar.
Estou a ler "Álvaro Cunhal - íntimo e pessoal", de Miguel Carvalho, livro recentemente editado, que é uma espécie de dicionário com mais de 500 "entradas". Comprei-o, meio desconfiado, mas está a ser interessante a leitura.
Ontem, ia na letra F, e encontrei uma "entrada" que me lembrou a "conversa" que aqui tivemos sobre crenças e convicções. E. sem qualquer intenção de trazer "argumento de autoridade", reproduzo o que Álvaro Cunhal escreveu no "Público", em 17 de Abril de 1996, e que diz melhor o que eu quis dizer quando sobre o tema escrevi:

"Fé - distingo a convicção da fé. A fé é a crença em qualquer coisa que não está provada, em termos objectivos. Qualquer coisa que não se viu, mas em que se acredita. A convicção não. A convicção resulta da observação com verdade dos factos, dos acontecimentos da vida. Eu não tenho fé. Tenho convicção, que é uma coisa diferente. A convicção não seria convicção - e seria fé - se não houvesse espaço para as dúvidas."

Não pretendo relançar a discussão... mas se acontecer, venha ela. É sempre benvinda quando os interlocutores estão de boa... fé!

quarta-feira, abril 05, 2006

Acordei. E não muito bem disposto. Comecei a ouvir rádio e estou a ficar pior.
Para já, está a instalar-se a dúvida se acordei no Zambujal, em Portugal, ou em Barcelona, na Catalunha.
Arre bolas!, que é demais...
Abro o Ourém e o seu Concelho e, com a devida vénia, transcrevo o oportuníssimo edit(ori)al (parabéns, Rui Melo):

Organização e Método

Deverão as instituições de raiz cultural deste concelho, sempre que agendem qualquer evento dirigido ao público em geral, observar os princípios seguintes:
1. Consultar, afixar e deixar à consulta pública, os calendários dos jogos de futebol a serem televisionados, quer em sinal aberto, quer em sistema codificado;
1.1 Aplicar rigor absoluto desta disposição, sempre que se trate de jogos internacionais;
1.2 Em última instância, marcar os espectáculos. Concertos e audições entre as 3 e as 4 da mnhã, de molde a não colidir com os eventos mencionados em 1;
2. A não observância dos pontos anteriores será punida com falta de comparência do público, entidades oficiais e convidados, e com o consequente averbamento de falta de competência organizativa à entidade promotora.
Publique-se

Publicado está!

terça-feira, abril 04, 2006

Prepare-se para ir à polícia!

Pam! Pam!
As portas das carrinhas batiam lá em baixo, na calçada da Sé.
As duas pancadas ecoavam dentro de cada um de nós.
Em cada uma das celas (“curros”) do Aljube, crescia a expectativa angustiada.
Esperávamos eternidades de segundos, até que um dos postigos se abrisse e o guarda de serviço ao andar gritasse, para um de nós, “prepare-se para ir à polícia”.
Era o santo e a senha, a palavra-chave de todos conhecida.
Aquele que tivesse de se preparar para “… ir à polícia” estava preparado.
Sabia ele, e sabíamos todos, o que significava aquele ruído surdo de portas de carrinhas a bater, lá em baixo, na calçada da Sé, aquela frase fria, aparentemente inócua, que escolheria uma cela, um postigo, um de nós.
Vinham buscar um de nós para ir para o interrogatório, para a tortura, para os dias e noites sem dormir, para o percurso por uma Lisboa cheia de gente apressada e indiferente, para um regresso sabia-se lá quando, sabia-se lá como, e até se regresso haveria…
O detido estava preparado.

E que havia para preparar?
Naquele espaço de um metro e dez por um metro e setenta não havia nada que preparar. A não ser dentro de cada um, naquela luta em que só perdia quem se sentisse sozinho, quem à luta se entregasse como se fosse apenas o preso, aquele preso há semanas ou meses isolado para assim ser preparado para … "para ir à polícia”. Para os interrogatórios, para a tortura, para os dias e as noites sem dormir.
Pam! Pam!
Quando as portas das carrinhas batiam de novo, já com um de nós lá dentro a caminho da António Maria Cardoso, não era alívio o que sentiam os que tinham ficado.
Recomeçava a tortura da espera. Surda, mordida, preenchida de penumbra, pó e palha.
Da espera do próximo Pam! Pam!. Talvez ainda hoje, talvez amanhã…


E, então… Então será – talvez… – a mim que virão buscar.
Este postigo por onde passam frouxos raios de luz, abrir-se-á e ser-me-á dito, num meio berro (que ouvirei como grito meu dentro de mim) “Prepare-se para ir à polícia!”.

Estou preparado! Temos de estar sempre preparados!


(foi assim, comigo, em 1963; foi assim, comigo, em Abril de 1974, até chegar o dia 25; ...)
04.04.2006
desenho de Roberto Chichorro

segunda-feira, abril 03, 2006

Talvez desabafo...

Nunca se está de acordo sempre e em tudo que o outro, um qualquer outro[1], diz e pensa.
Então… porque tropeço, com tanta frequência, na afirmação de outros que, mesmo ou sobretudo quando estão de acordo comigo ou me reconhecem méritos, "contudo" relevam, enfaticamente, a reserva de não estarem de acordo comigo sempre e em tudo?
Mesmo os/as que mais próximos/as de mim estão e são, amigos/as, companheiros/a.
Será que isto em que tropeço são manifestações de um complexo de inferioridade deles/as, não em relação a mim mas ao que sou, ao que digo e penso?
Ou sentir isto será manifestação de um complexo de perseguição deste meu lado, não meu mas daquilo que sou, penso e digo, relativamente aos outros?
Julgo que não há razão (razões) para complexos.
Nem o que sou, a pele do que sou e não a farda ou a batina[2] que vesti, se quer superior porque é uma maneira de ser, de vivo estar, nem a maioria daqueles em que tropeço me perseguem, não a mim mas ao que digo e penso, isto é, o que sou com outros de antes e de hoje.
______________________________________________
[1] Embora eu também seja o outro, o que não é contraditório porque ninguém estará sempre e em tudo de acordo consigo próprio.
[2] Esta (nova…) tem a ver com a novidade com que o Quim Castilho amigavelmente me atirou, como carapuça que não vejo jeito de me servir.

sábado, abril 01, 2006

Tirando coisas da gaveta...

Que pena seres comunista…

"Apesar de ser ele o que é, tem de se reconhecer que"
(como quem diz apesar não seres de aqui, de seres de outra cor que não a minha, de seres homossexual, ou maricas, ou paneleiro, de seres mulher, ou coxo ou zarolho, e por aí fora…)
"Não partilho as suas ideias políticas e filosóficas, mas não se pode deixar de"
(mas alguém tinha dúvidas sobre isso?, e pode partilhar ideias quem de ideias está vazio,
e de ideais vazio está porque é só pragma e só praga?)
1 de Abril de 2006

Ouço, muitas vezes: que pena seres comunista… (ou sei que o dizem, ou adivinho que o pensam).
Alguns que a mim, ou a outros o dizem, ou adivinho que o pensem, são os mesmos que dizem ou pensam: que pena aquela ser puta!
Embora, é verdade, num caso seja dito com reticências, noutro com ponto de exclamação, não gosto nada destas confusões! E recuso a analogia, que só forçada é mas que implícita está em alguns desses que o dizem ou pensam, que são senhores cujas mãezinhas serão hoje chamadas putas por tais filhos terem tido.
Não que eu tenha algo contra as putas, que o são fruto de circunstâncias sem perdão, ainda que não aceite que tal actividade seja legitimada como profissão, vocação ou devoção. Recuso é a analogia. Que não há!... mas que pode ser (a)tirada dos implícitos na traiçoeira língua portuguesa.
Até porque…

Até porque, no mau (porque injusto) sentido do vocábulo, puta é quem vende o que é seu, o que mercadoria não é e no mercado nunca deveria estar:
o corpo e a dignidade do ser humano.
Ora, um comunista está nos antípodas:
nunca se vende e luta pela dignificação do ser humano.

Não são os únicos, e nem sempre o farão bem, mas não são comunistas se assim não fizerem. Dir-me-ão que alguns, que comunistas eram ou se diziam, tiveram comportamentos de puta (no mau sentido do vocábulo, insisto!).
É certo… mas repare-se naquilo a que apela o uso rigoroso da linguagem, e de português falo:
eram quer dizer o mesmo que foram
se diziam não é o mesmo que serem ou terem sido.
E não tenham pena de mim que eu (de mim e de vós) pena não tenho.
Tenho dito!

(num dia qualquer
de um mês que já foi
de um ano ido)