"Morreu o Álvaro Brasileiro".
Assim me disseram pelo telefone. Ontem.
E tudo o resto, todas as notícias, todos os pequenos acontecimentos (grandes que eles fossem), tudo o que preenche os dias se apagou perante a brutalidade do telefonema. Que nem sei se agradeci como o devia ter feito.
Desde ontem, anda comigo a lembrança que me trouxe a morte do amigo, do camarada, um dos casos em que escolho a ordem alfabética para dizer o que o Álvaro era para mim. Um amigo, um camarada. Um amigo camarada, um camarada amigo.
Conhecemo-nos em Caxias, ambos com 27 anos que no mesmo ano nascemos. Era, o Álvaro, um dos três de Alpiarça - com o Abalada e o Arraiolos - mais velhos. Sim, porque os outros três - o Machado, o Marvão, o Raposo/"Facalhim", que também recentemente morreu sem que lhe tivesse dado o abraço de que estávamos em falta há 45 anos - andavam próximos dos 20.
Calmo, ponderado, consistente, assim o conhecemos. E à Justina, que víamos através das redes das visitas, sempre a companheira.
Depois, foi a vida e a luta que nos fizeram encontrados tantas vezes. Sempre o amigo, sempre o camarada. Nas campanhas de 1969 e 1973, na revolução por que lutáramos. Às vezes em convívios no meloal, ou em sua ou em minha casa, só porque nos sentíamos bem juntos. Como amigos. E camaradas, sempre.
Na Assembleia da República, o nome do Álvaro Brasileiro, eleito pelo distrito de Santarém, está inscrito - queiram-no ou não os historiadores encartados - como um dos mais prestigiados deputados, um que, entre "doutores e engenheiros", se fazia respeitar como operário rural, como seareiro, que sabia o que queria e sabia do que falava, que chegou a presidente da comissão de agricultura, não por arranjos e conluios mas por indiscutível mérito. Tive a sorte de partilhar com ele os dois mandatos por Santarém, no curto período em que coincidimos na AR. Foi dos tempos mais ricos da minha actividade parlamentar. Ao Álvaro Brasileiro o agradeço! Como nós trabalhámos em perfeita cooperação, apenas com a finalidade de estarmos ali ao serviço dos interesses de quem representávamos! E fizemos, os dois, uma inesquecível volta a quase todos os concelhos de Santarém, prestando contas do que fizéramos em representação do povo do distrito.
Nunca deixámos de nos encontrar e abraçar e conviver, com ou sem pretextos.
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Só mais dois episódios que ajudarão a transmitir, nestas magoadas palavras, o que sinto. Um, lembrando a tão sintomática situação de ter tido de ser, há poucos anos (muito depois de 1974!), testemunha de defesa (abonatória) do Álvaro, num tribunal, por ele ter co-assinado um documento político, o que o levou, com outros camaradas, àquela situação, a ele que fora julgado pelos tribunais plenários do fascismo, tal como eu o fui; outro episódio foi o da alegria que ele me deu ao aceitar apresentar o meu último livro em Alpiarça. O 50 anos de economia e militância teve, em Álvaro Brasileiro, o amigo e o camarada que deu o testemunho mais claro e insofismável do que foi a luta militante (e na economia produtiva) deste meio século que atravessámos. Com as nossas fragilidades mas com as nossas convicções e determinadas vontades. Esta luta que continua, Álvaro. Sem que estejas ao nosso lado, mas continunado connosco. Com o teu exemplo.
10 comentários:
Ficamos sempre mais pobres quando parte um amigo, para sempre!
Abraço
E duplamente mais pobres quando parte um camarada. Ficamos nós e a luta por um mundo melhor.
Um abraço
Conheçi Álvaro Brasileiro quando aínda vivia em Santarém. Encontrámo-nos muitas vezes nas lutas da Oposição Democrática, no MDP-CDE. Éramos do PCP sem que cada um de nós soubesse um do outro. Mas,em ambos,havia uma certeza. Nenhum de nós se enganou.
Encontrámo-nos muitas vezes. Em Alpiarça, na Reforma Agrária, no Mochão do Inglês,nas Festas do Avante, etc. Sempre na luta.
A última, salvo erro,na última grande manifestação.
Tinha respeito e uma enorme admiração por ele, sempre com aquele ar sereno,firme e confiante Até sempre camarada.A luta continúa.
Carlos Vale
E que belas palavras tu dedicas a um amigo e camarada, e que bem as mereceu...
Ricardo
Texto bonito, este!!!
Abraço.
Até sempre camarada Brasileiro, sempre foste um amigo.
As palavras do Sérgio são um belo retrato do muito que Álvaro Brasileiro, na sua calma, sempre representou.
Foi e será sempre uma referencia.
Luis Alberto
O meu abraço solidário, querido amigo. Enquanto estamos nós, os que deles temos memória e afectos, eles seguem connosco nas lutas todas. Sim, eles vão sempre ao nosso lado!
É sempre triste a partida de um camarada e amigo.
Com um percurso que nos enche de orgulho.
O teu texto é triste e cheio de emoção.
Linda homenagem!
Um bj msolidário,
GR
Ando práqui à procura de palavras certas para comentar e não as encontro... acho que não tenho muito jeito para estas situações.
Mas quero deixar-te um abraço enorme. Do meu tamanho. Solidário. Forte. Com toda a ternura...
... e um beijo.
Ele merece a amizade enorme que lhe tinhas, ele merece a saudade que já tens dele...
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