terça-feira, junho 19, 2012

Mário Castrim - Duas transcrições a propósito

Recebi, há uns dias, um mail da Alice Vieira. Dizia assim:

AMIGOS

Mário Castrim morreu há dez anos. Lembrando a data, a Editora Caminho vai apresentar dois dos seus livros –a reedição de “ESTAS SÃO AS LETRAS” e “VIAGENS NA CASA” – no próximo dia 20 deste mês de Junho, às 18h30m, na Livraria Bucholz.
A apresentação será feita pelo escritor António Carlos Cortez, e haverá amigos que irão recordá-lo.
Gostaríamos que fosse um encontro festivo e que, tanto os que foram seus amigos, como os que já não o conheceram, nos acompanhassem. Esperamos por todos (e não, não há jogo de futebol nesse dia…)

Foi logo para a agenda! Pela esferográfica das "coisas a não faltar". E desde esse dia, já há tantos dias..., de vez em quando a memória e as leituras trazem-me Mário Castrim. E tem sido bom conviver com ele, com os seus escritos e as suas recordações.
Amanhã lá estarei.

E, entretanto, numa dessas passagens pelas leituras e pela memória, deparei com este texto do Leandro Martins, publicado no avante!, por ocasião da morte de Mário Castrim, que me exigiu transcrição.

Até sempre!

Desculpa, Mário, mas nesta hora triste, ao evocar-te, lembro-me de mim. É assim, presumo, que os amigos são mais fortemente lembrados. Pelo que eles pesaram na vida de cada um de nós, pelo rumo a que nos solicitaram, pelas perspectivas que abriram. Lembro-me de um dia assim em Outubro, já lá vão uns quarenta e cinco anos, subia eu as velhas escadas do Diário de Lisboa, na Luz Soriano, com uns papéis na mão (desenhos, poemas, um conto?). E no patamar vou encontrar-te sorrindo ao puto que subia entre os azulejos que forravam as paredes, mostrando tesouras e rolhas, os objectos torturantes da censura que, logo aprendi, não escolhia idades mas ideias para cortar. E tu, a sorrir por detrás dos óculos, paciente e bondoso, disposto a mostrar como era o mundo aos jovens desse tempo que contigo aprenderam que a palavra não era vã, a ideia não era de somenos. Nesse Diário de Lisboa Juvenil uma geração inteira fez pelo menos essa aprendizagem. Que deu frutos. Alguns povoam hoje outros pomares, bem sei, mas tu construías apenas uma coisa bem grande - a de ter opinião contra o silêncio, a de exercer a liberdade em tempo de prisões, a de tomar a responsabilidade. Lembro-me dos teus textos, dos teus nomes, da prosa ágil, do largo espaço que, com o Augusto da Costa Dias e com o Tossan, abriste, não sem risco, nesse jornal. Lembro-me do teu gosto pela poesia, da conversa ao café, quando disseste que andavas apaixonado pela poesia do Fernando Pessoa. Mais tarde, muito mais tarde, e já no exílio, da crítica de televisão, uma voz a convidar o leitor a que pensasse com independência em frente ao pequeno ecrã. E, apesar de hoje e com justiça, te chamarem crítico de televisão - afinal o primeiro, a referência em relação à qual os outros todos, bem ou mal, achavam lugar e voz - sabemos de ti muito mais. O pedagogo, o poeta, o crítico, o jornalista, o escritor. E, finalmente, talvez primeiro que tudo: o camarada e o amigo que só não perdemos porque persistes nas nossas memórias e nos nossos corações.






Até amanhã, camarada
e amigo!

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Gostava de lá poder estar, pois tenho um carinho especial por ele. Mário Castrim escreveu um autógrafo num livro dele para a minha filha Susana, ainda antes de ela nascer, na feira do livro no Porto, logo a seguir ao 25 de Abril.
Esse foi o tempo mais feliz da minha vida.

Um beijo.