- João Ferreira
Comentário
O «estado da União»
De forma nada inocente,
instituiu-se na União Europeia uma prática semelhante à que é corrente nos EUA,
onde o presidente realiza, anualmente, perante o Congresso, o chamado discurso
sobre o «estado da União».
O discurso que Durão Barroso fez
na semana passada em Estrasburgo, com este mesmo título, fornece-nos importantes
elementos de compreensão sobre a forma como a burocracia europeia – e,
naturalmente, o poder económico que esta serve e que a controla – se posicionam
perante a crise do processo de integração capitalista europeu. Com singular
clareza, foram enunciadas linhas de resposta à crise que criaram e que vêm
aprofundando. Várias passagens do discurso1 quase dispensam
comentários. São novas ameaças que se perfilam num horizonte que será de luta
intensa, que agora aqui se alinham de forma necessariamente
breve.
1. A farsa começa com Barroso a
identificar as supostas causas da crise em que a UE se encontra: práticas irresponsáveis do sector financeiro; dívidas públicas insustentáveis; falta de competitividade de alguns
estados-membros. O enredo repete-se: as consequências das políticas da UE
são ignoradas, os resultados das medidas da UE no somar de mais crise à crise
são ocultados, o carácter sistémico da crise é obnubilado. Mas, admite, os cidadãos estão frustrados. Estão ansiosos. Pelo que é preciso fazer algo.
Assim se justifica as cenas dos próximos capítulos.
2. Diz Barroso: No séc. XX,
um país com 10 ou 15 milhões de habitantes podia ser uma potência global. No
séc. XXI, até o maior dos países europeus corre o risco de se tornar irrelevante
perante gigantes globais como os EUA ou a China. Por isto se exige «mais
integração», económica e política. Por isto se exige novos e reforçados passos
na conformação da UE como um bloco imperialista, ao serviço das ambições
imperiais dos grupos económicos e financeiros das principais potências. Nesse
caminho, o euro é um instrumento de que não querem (por agora)
prescindir.
3. Ao nível nacional, exige-se
reformas estruturais (do tipo das que constam do pacto de agressão
FMI-UE em aplicação em Portugal). Ao nível europeu, aponta-se para novos avanços
do mercado, com sujeição à «livre concorrência» de áreas onde tradicionalmente o
Estado exerceu um papel chave, referencial, na economia, ou onde assumiu a sua
função social, através de serviços públicos.
Aponta-se para uma «harmonização
fiscal» (que, curiosamente, vem sendo defendida também por uma certa esquerda,
auto-denominada «europeísta»), cujo sentido Barroso trata de deixar claro: criar
um «ambiente amigo para os negócios» e «atractivo para os
investidores».
4. Para além do aprofundamento
do pendor neoliberal da UE, enuncia-se claramente a intenção de aprofundar os
demais eixos estruturantes do processo de integração: mais militarismo, mais
federalismo. Quanto ao primeiro, o discurso dispensa comentários. Senão veja-se:
a situação na Síria lembra-nos que não podemos ser meros espectadores. Uma
nova e democrática Síria tem de emergir e nós temos uma responsabilidade a
assumir para que tal aconteça. Mais à frente: o mundo precisa de uma
Europa capaz de usar as suas capacidades militares (...); sim,
precisamos de reforçar uma abordagem comum às questões de defesa, porque juntos
temos o poder e a escala para tornar o mundo num sítio mais justo, baseado em
regras e no respeito pelos direitos humanos.
5. Perante o descrédito
generalizado da UE e das suas instituições, Barroso ensaia a próxima fuga em
frente: a UE tem de evoluir. Tal, afirma Barroso, significa caminhar no
sentido de uma «federação de estados», com as necessárias alterações aos
tratados. Ou seja, em vez de se alterar as políticas, cria-se as condições, do
ponto de vista institucional, para as pôr em marcha de forma
reforçada.
Pelo caminho, e antes mesmo
dessa alteração, anuncia-se uma outra proposta para alteração do estatuto
dos partidos políticos europeus, assim como uma alteração do método de
eleição do Parlamento Europeu e do presidente da Comissão Europeia, que
pretendem que produza efeitos ainda a tempo das próximas eleições, em
2014.
Prefigura-se mais um golpe
institucional, com implicações na (distorção da) escolha pelos portugueses dos
seus representantes no Parlamento Europeu, a partir de 2014. Mais um sinal
evidente do confronto crescente desta UE com os mais elementares princípios e
valores democráticos.
____________
(1)
http://ec.europa.eu/soteu2012/files/soeu_web.pdf
em avante!
de hoje
3 comentários:
Lá vamos nós para os Estados Unidos da Europa!!!!!!
Não deixaremos. Nós queremos apenas ser dependentes de nós próprios.
Um beijo.
Venho dizendo,desde o início,aquilo que andaram,e continuam,a fazer aos abraços,nas costas e contra o povo,se não houver uma inversão,é agora a altura aproveitando a tal crise,corre o risco de se desfazer a tiro.
Um abraço,
mário
Submarinos,o silÊncio começa a ser ensurdecedor,com esse senhor....
Enviar um comentário