A Secretaria de Estado da
Cultura defende que o actual modelo de apoios financeiros às entidades
artísticas "é sinónimo de transparência e equidade"
Entendeu A Barraca (Maria do Céu Guerra) ser
a altura de dizer alguma coisa sobre o que se está a passar, e nós de
transcrever essa “alguma coisa”.
A Barraca desde há anos orienta artisticamente
um curso profissional de teatro integrado numa IPSS – o Instituto de
Desenvolvimento Social apoiado pelo Ministério de Educação - que já pôs alunos
na actividade profissional, preparando-se outros para seguir cursos
superiores; A Barraca contou ao longo dos últimos
anos com 50.000 espectadores/estudantes da peça “Felizmente há luar”
que integra o programa do 12º ano; tem levado regularmente a
efeito workshops de iniciação teatral onde jovens complementam a sua educação;
tem transformado jovens estagiários em profissionais competentes e de
brilhantes carreiras, no entanto A Barraca no modelo de apoios
financeiros às entidades artísticas que o actual Secretário de Estado
defende como “sinónimo de transparência e equidade” merece um 0
na alínea que se refere a sistema educativo. Ocorre que esta mesma companhia
estimula desde há 37 anos a aprendizagem e o gosto pela história e a
literatura, levando ainda este ano a cena uma obra do Professor Nascimento
Rosa que incide sobre o pouco estudado Pessoa jovem, outra sobre a vida, o
reinado e a loucura de Dona Maria I da autoria do Professor brasileiro
António Cunha. Além disto A Barraca tem correspondido a convites
do sector educativo da Fundação Calouste Gulbenkian, realizando
apreciados espectáculos sobre figuras da História e da Ciência, querendo isto
dizer que o trabalho da Companhia que enriquece e apoia e é escolhida pelo
sector educativo da Gulbenkian e pelos professores do país inteiro,
não é reconhecido pelo “transparente e equitativo”
critério dos funcionários que servem a SEC.
Além disto “o
modelo de apoio que é sinónimo de transparência e equidade” não reconhece
o que todo o país conhece. Ou seja, o enorme trabalho desta companhia em
levar há décadas o seu teatro a todos os pontos do país de forma regular. E
atribui também zero ao “exercício de actividade fora de Lisboa”.
Na verdade actualmente as instituições fazem por impedir o trânsito das
estruturas de criação que não querem pertencer aos lobbies nada
transparentes nem equitativos que puseram em funcionamento. Mas atenção então
terão que definir para que todos saibamos o que significa no
actual regime a expressão “fora de Lisboa”.
Depois com itens
assim avaliados pode classificar-se em 31º lugar num ranking de 54
estruturas apoiadas uma companhia prestigiada no país e no estrangeiro
apenas para tornar justo e transparente o roubo que se lhes faz. A Barraca
é a 31ª Companhia do País. Podem-me dizer assim de repente quais são as 30
melhores? A trama está bem montada temos de reconhecê-lo, não tivesse custado
ao Estado português um incalculável gasto em aconselhamento jurídico.
O problema é que A
Barraca tem com certo tipo de dirigentes uma diferença de opinião que
poderia até ser uma divergência nobre, se esses mesmo dirigentes não
tentassem autoritariamente sufocar as vozes discordantes como a nossa, e
antes as olhassem como vozes de outra família politico-cultural que democraticamente
deveriam respeitar. Como os maiores deste país, desde sempre que o nosso
trabalho foi dirigido a todos, concorrendo com ele para o enriquecimento de
todos e não só de alguns como prescreve a actual politica cultural que
destina o seu apoio a espaços ou regiões de excelência. Qual excelência? Quem
a avalia? Os comissários politicos? Os seus agentes? E então para onde vai a
obrigação de Fomento dessa Instituição que se chama Fundo de Fomento Cultural?
O problema é
outro e trata-se apenas, finalmente, de liquidar na área cultural
uma conquista que se chamou democratização, que na área da educação está a
ser ferida com o apoio especial ao ensino privado e que na saúde se está a
destruir com o ataque ao Serviço Nacional de Saúde. São crimes de
colarinho branco. Roubos públicos aos impostos que todos pagam para
poderem usufruir da saúde, da educação e da cultura, bens que se tornaram não
sei se irreversivelmente perdidos para muitos. E todos os pagam de Norte a
Sul sem se olhar às tais regiões de excelência.
É isto que se
passa, nada mais. E por isso enquanto ao longo dos anos o Estado investiu
milhões de euros nos delfins do seu contentamento, apesar de ser sempre pouco
o que se gaste em cultura, A Barraca e outras poucas estruturas
de criação foram reduzidas sempre a miseráveis trocos dos quais fizeram
milagres com sacrifícios pessoais enormes. E agora quando em nome da
austeridade e despudoradamente se corta 30 ou 40 por cento a uns, roubam-se
70 por cento de quase nada a outros para acabar de vez com incómodas
divergências.
O grave é que
este procedimento acontece quando as defesas são nenhumas porque quem rouba
ao teatro já lançou as pessoas na depressão económica que as leva a não poder
gastar senão o estritamente necessário, já reduziu à penúria o poder local
que deixou de convidar actividades culturais porque a sua possibilidade
económica fica-se pela indispensável limpeza e por algum socorro social
imprescindível. Por isso as bilheteiras no teatro e as vendas às autarquias
acusam a crise esperando todos a todo o momento a borla salvadora,
ficando apenas as verbas faraónicas do governo para os “emiratos de excelência”.
E donde deveria surgir o apoio de emergência surge a estocada do novilheiro
que faz sangrar o adversário para que as forças se esvaiam.
Entretanto no ano
de todas as desgraças em que a DGArtes nos enganou com conselhos ainda não
sabemos se levianos se traiçoeiros, deixando-nos com um apoio que não paga a
limpeza e a energia da casa, ainda conseguimos contar com 15 colaboradores
permanentes e apresentar ao publico uma carreira de sessenta sessões do “Menino
de sua Avó” trabalho acarinhado pelo publico, pelas escolas e pelo meio
académico que estuda a obra de Pessoa, espectáculo que já fez duas
viagens ao Brasil uma delas para reinaugurar oficialmente o Teatro
Popular Oscar Niemayer de Niteroi. Ainda apresentámos na Sé de Lisboa
com casas cheias a carreira de uma obra inédita sobre Santo António de Lisboa
com a colaboração do historiador Manuel Pizarro. Ainda estreámos a peça O
Lavadouro no tanque publico da Madragoa com uma carreira de sessões
esgotadas e ambos os espectáculos estão convidados para repetir no próximo
verão uma nova carreira. Ainda temos em cena para crianças a obra de Aquilino
Ribeiro Romance da Raposa aconselhado pelo Plano Nacional de Leitura,
além de termos realizado com sucesso a convite da Fundação Gulbenkian
uma obra sobre Garcia de Orta. Para quem tem zero em serviço educativo não
está mal. Falamos de “equidade e transparência”? Ou de intolerância
para com o que não aceita os conservadoríssimos padrões da vigente
contra-reforma cultural.
Maria do
Céu Guerra
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domingo, novembro 17, 2013
"transparência e equidade"
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1 comentário:
Tanta obra, nenhum apoio. Por quanto tempo mais aguentaremos um governo destes?
Excelente texto de Maria do Céu Guerra.
Um beijo.
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