domingo, novembro 17, 2013

"transparência e equidade"

A Secretaria de Estado da Cultura defende que o actual modelo de apoios financeiros às entidades artísticas "é sinónimo de transparência e equidade"
Entendeu A Barraca (Maria do Céu Guerra) ser a altura de dizer alguma coisa sobre o que se está a passar, e nós de transcrever essa “alguma coisa”.

A Barraca desde há  anos orienta artisticamente um curso profissional de teatro integrado numa IPSS – o Instituto de Desenvolvimento Social apoiado pelo Ministério de Educação - que já pôs alunos na actividade profissional, preparando-se outros para seguir cursos superiores; A Barraca contou ao longo dos últimos anos com 50.000  espectadores/estudantes da peça “Felizmente há luar” que integra o programa do 12º ano; tem levado  regularmente a efeito workshops de iniciação teatral onde jovens complementam a sua educação; tem transformado jovens estagiários em profissionais competentes e de brilhantes carreiras, no entanto A Barraca no modelo de apoios financeiros às entidades artísticas que o actual Secretário de Estado defende  como “sinónimo de transparência e equidade” merece um 0 na alínea que se refere a sistema educativo. Ocorre que esta mesma companhia estimula desde há 37 anos a aprendizagem e o gosto pela história e a literatura, levando ainda este ano a cena uma obra do Professor Nascimento Rosa que incide sobre o pouco estudado Pessoa jovem, outra sobre a vida, o reinado e a loucura de Dona Maria I da autoria do Professor brasileiro António Cunha. Além disto A Barraca tem correspondido  a convites do sector educativo da Fundação Calouste Gulbenkian, realizando apreciados espectáculos sobre figuras da História e da Ciência, querendo isto dizer que o trabalho da Companhia que enriquece e apoia e é escolhida pelo sector educativo da Gulbenkian e pelos professores do país inteiro,  não é reconhecido pelo “transparente e equitativo”  critério dos funcionários que servem a SEC.
Além disto  “o modelo de apoio que é sinónimo de transparência e equidade” não reconhece o que todo o país conhece. Ou seja, o enorme trabalho desta companhia em levar há décadas o seu teatro a todos os pontos do país de forma regular. E atribui também zero ao “exercício de actividade fora de Lisboa”.  Na verdade actualmente as instituições fazem por impedir o trânsito das estruturas de criação que não  querem pertencer aos lobbies nada transparentes nem equitativos que puseram em funcionamento. Mas atenção então terão que definir para que todos saibamos  o que significa  no actual regime a expressão “fora de Lisboa”.
Depois com itens assim avaliados pode classificar-se em 31º lugar num ranking de 54  estruturas apoiadas  uma companhia prestigiada no país e no estrangeiro apenas para tornar justo e transparente o roubo que se lhes faz. A Barraca é a 31ª Companhia do País. Podem-me dizer assim de repente quais são as 30 melhores? A trama está bem montada temos de reconhecê-lo, não tivesse custado ao Estado português um incalculável gasto em aconselhamento jurídico.
O problema é que A Barraca tem com certo tipo de dirigentes uma diferença de opinião que poderia até ser uma divergência nobre, se esses mesmo dirigentes não tentassem autoritariamente sufocar as vozes discordantes como a nossa, e antes as olhassem como vozes  de outra família politico-cultural que democraticamente deveriam respeitar. Como os maiores deste país, desde sempre que o nosso trabalho foi dirigido a todos, concorrendo com ele para o enriquecimento de todos e não só de alguns  como prescreve a actual politica cultural que destina o seu apoio a espaços ou regiões de excelência. Qual excelência? Quem a avalia? Os comissários politicos? Os seus agentes? E então para onde vai a obrigação de Fomento dessa Instituição que se chama Fundo de Fomento Cultural?
O problema é outro  e trata-se apenas, finalmente,  de liquidar na área cultural uma conquista que se chamou democratização, que na área da educação está a ser ferida com o apoio especial ao ensino privado e que na saúde se está a destruir  com o ataque ao Serviço Nacional de Saúde. São crimes de colarinho branco. Roubos públicos aos impostos que todos pagam para poderem usufruir da saúde, da educação e da cultura, bens que se tornaram não sei se irreversivelmente perdidos para muitos. E todos os pagam de Norte a Sul sem se olhar às tais regiões de excelência.
É isto que se passa, nada mais. E por isso enquanto ao longo dos anos o Estado investiu milhões de euros nos delfins do seu contentamento, apesar de ser sempre pouco o que se gaste em cultura, A Barraca  e outras poucas estruturas de criação foram reduzidas sempre a miseráveis trocos dos quais fizeram milagres com sacrifícios pessoais enormes. E agora quando em nome da austeridade e despudoradamente se corta 30 ou 40 por cento a uns, roubam-se 70 por cento de quase nada  a outros para acabar de vez com incómodas divergências.
O grave é que este procedimento acontece quando as defesas são nenhumas porque quem rouba ao teatro já lançou as pessoas na depressão económica que as leva a não poder gastar senão o estritamente necessário, já reduziu à penúria o poder local que deixou de convidar actividades culturais porque a sua possibilidade económica fica-se pela indispensável limpeza  e por algum socorro social imprescindível. Por isso as bilheteiras no teatro e as vendas às autarquias acusam a crise esperando todos  a todo o momento a borla salvadora, ficando apenas as verbas faraónicas do governo para os “emiratos de excelência”. E donde deveria surgir o apoio de emergência surge a estocada do novilheiro  que faz sangrar o adversário para que as forças se esvaiam.
Entretanto no ano de todas as desgraças em que a DGArtes nos enganou com conselhos ainda não sabemos se levianos se traiçoeiros, deixando-nos com um apoio que não paga a limpeza e a energia da casa, ainda conseguimos contar com 15 colaboradores permanentes e apresentar ao publico uma carreira de sessenta sessões do “Menino de sua Avó” trabalho acarinhado pelo publico, pelas escolas e pelo meio académico que estuda a obra de Pessoa, espectáculo que já fez duas viagens ao Brasil uma delas para reinaugurar oficialmente o Teatro  Popular Oscar Niemayer de Niteroi. Ainda apresentámos na Sé de Lisboa com casas cheias a carreira de uma obra inédita sobre Santo António de Lisboa com a colaboração do historiador Manuel Pizarro. Ainda estreámos a peça O Lavadouro no tanque publico da Madragoa com uma carreira de sessões esgotadas e ambos os espectáculos estão convidados para repetir no próximo verão uma nova carreira. Ainda temos em cena para crianças a obra de Aquilino Ribeiro  Romance da Raposa aconselhado pelo Plano Nacional de Leitura, além de termos realizado  com sucesso a convite da Fundação Gulbenkian uma obra sobre Garcia de Orta. Para quem tem zero em serviço educativo não está mal. Falamos de “equidade e transparência”? Ou de intolerância para com o que não aceita os conservadoríssimos padrões da vigente contra-reforma cultural.
Maria do Céu Guerra

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Tanta obra, nenhum apoio. Por quanto tempo mais aguentaremos um governo destes?
Excelente texto de Maria do Céu Guerra.

Um beijo.