sexta-feira, fevereiro 03, 2017

Proteccionismo vesus liberalismo?

A vaga trumpiana (até o nome dá para mote e respectivas glosas, a juntar à caricatura que o personagem transporta e aos acólitos de que se rodeia) tem os seus lados positivos. É preciso é vasculhar muito para os encontrar.
Um deles será o ter estimulado o debate sobre alguns temas, Por exemplo, e é dos mais significativos, a acesa polémica entre proteccionismo e livre comércio, abandonado o “estado de graça” (e de desgraça…) que o liberalismo tem – teoricamente – desfrutado há 4 décadas no pensamento da “economia política do capitalismo”, com infiltrações em pensadores (ou pensativos) que se colocam à esquerda ou – mais ainda – se buscam e/ou arrogam marxistas. (O que é de louvar… e a mim me louvo).
Um muito lido e citado (ele há modas…) Jacques Sapir descobriu, ou tinha em ficheiro, um texto de Keynes, de 1932 e vá de publicar, e ver divulgado, Trump, Keynes e o proteccionismo – Le proteccionisme, notre avenir. Actualité du texte de J-M.Keynes «National Self –Suffiency» (1933). No contexto de "trumpofobia", o texto tem andado entre-mails e servido de quase antídoto para a insuportabilidade da pandemia. Daí que, para este blog, se tenha decidido reagir em contra-texto:

Breve comentário a

Trump, Keynes et le protectionnisme

Le protectionnisme, notre avenir.

Actualité du texte de J-M.Keynes « National Self-Sufficiency » (1933).

O artigo de Sapir divide-se em
·         A importância do contexto
·         O argumentário de Keynes
·         Como considerar hoje o argumentário de Keynes
·         A actualidade de Keynes hoje
O texto, apesar da importância que aparenta dar ao contexto, refere com maior atenção o contexto de 1932/33 e para “justificar” o que chama a “rotura definitiva (de Keynes) com o modo do pensamento económico então dominante” em cuja linha estaria este artigo de Keynes sobre a “autosuficiência nacional” e menos o contexto actual.
E todo o debate (ou argumentário) se encerra na alternativa liberalismo-proteccionismo, numa leitura e análise fechadas em metodologia e ideologia maniqueísta, de onde a dialéctica e a crítica da economia política estão totalmente ausente, como se não existissem. Assim será feita a abordagem do texto de Keynes, toda ela parecendo orientada para encontrar e comprovar a proximidade de posições de Keynes em 1932/3 com as que seriam as que se referem de passagem como sendo de Villepin, Le Pen, Mélenchon, Trump numa amálgama de “ideologias” dentro da ideologia única, exclusiva.
Seria redutoramente, a partir desta ideologia única, que a realidade impunha o proteccionismo como forma de ultrapassar o liberalismo e os seus malefícios. Keynes viria ajudar a esta interpretação da realidade de hoje com a sua condenação dos “capitalistas passivos”, que hoje têm uma posição relativa muito mais determinante, enquanto especuladores num contexto (de sistema e correlação de forças), dada a financeirização, a desmaterialização da moeda, o capital fictício e creditício. Será este vocabulário um “vocabulário marxista”, a que Sapir reduz as referências ao marxismo esmagado pelos “avanços recentes da psicologia experimental”.
A expressão deste liberalismo dos nossos dias passou pela guerra de 1939-45, pelo período de ascensão (e queda, por fim) do “socialismo real”, pela reacção que tomou o nome de “guerra fria”, pela fase transitória de “coexistência pacífica” que acobertou a invasão ideológica (via liberalismo a partir dos anos 1979/80) de um lado, e a abertura mimética, demissão ideológica e a queda do outro.
Por tal ser referido, anote-se a expressão super-estrutural da internacionalização da actividade económica com os factos significativos da exclusão da institucionalização do comércio ao nível das “nações unidas”, limitada a acordos gerais e pontuais (GATT e “rondas”) até à queda dos países socialistas e a criação da OMC, de onde o liberalismo estreme sofre o constrangimento expresso na dúvida se foi a OMC que entrou na China ou a China que entrou na OMC. Uma China que marca os nossos dias de história, os nossos dias em que somos história… 

Pode ler-se, no(s) artigo(s), que há - em 2017 como em 1933 -  insuportabilidade social, acumulação de riqueza… mas tal verificação é escrita no quadro de uma “contradição principal” que seria a da “dimensão apátrida dos capitalistas”, e em que de novo se refere o termo insuportabilidade para caracterizar a “alienação própria do salariato”, porque e quando “assalariados e capitalistas se movem em espaços políticos diferentes”. Situação sugerida como anormal – e causada pelo liberalismo! – quando ela decorre da real contradição principal enquanto relação social prevalecente for a de exploração do ser humano por seres humanos, dada a relação social ser a mercadorização da força de trabalho (em trabalho produtivo e trabalho colectivo), a que Marx chama capital.
Keynes veria, no que se apelida eufemisticamente “conflito insolúvel de preferências”, um risco de guerra, e teria razão porque “a circulação liberalizada do capital priva as nações da liberdade das suas escolhas sociais” mas acrescenta-se que o “conflito” viria do “liberalismo condenar a prazo a existência da propriedade privada”. Ora é esta, enquanto base da divisão por classes (a que é proprietária dos meios de produção e a que é proprietária da força de trabalho), que define a relação social capital…

Adiante… A exegese destes textos (de Keynes e de Sapir) é aliciante mas não é o que importa, para além da afirmação de que são textos ausentes de qualquer fundamento ideológico que não o da relação social que é o capital. E podem tornar-se perigosos – ideologicamente –, por enganadores, ao atacarem o liberalismo por este “tudo reduzir ao estatuto de mercadoria” e por ele poder conduzir “a não se aceitar como valor senão os da finança”, o que sendo certo não deriva do liberalismo mas sim do capitalismo e da sujeição da força de trabalho, a única criadora de valor, à condição de mercadoria. O que o proteccionismo por si só não virá alterar mas poderá provocar, na sua defesa e pelos seus defensores, ilusões de soberania nacional por que se luta como “lugar” e espaço da luta de classes.
Num estádio de desenvolvimento das forças produtivas que torna a autarcia económica inviável, a pretensão de a impor – ou darem-se passos para a impor – são perigosíssimos, também em termos de dicotomia guerra ou paz, pois esta última está longe dos desígnios de uma economia armamentista num mundo mundializado, regionalizado ou de proteccionismos nacionalistas.
Se a realidade é interpretada no contexto (ideológico) imposto pela correlação de forças numa situação de luta de classes, há que ter, a partir de outra ideologia (que é a nossa) e da tomada de consciência pelas massas, a clareza de ver que as opções alternativas liberalismo/proteccionismo não são encaradas como fautoras de alterações na correlação de forças (embora necessárias pela insuportabilidade das situações sociais, isto é, níveis de vida), e se possa perder a perspectiva da luta de classes, sem a qual tais alterações serão ilusórias e não contribuirão para a humana e indispensável transformação das relações sociais.
Termina Sapir que “as formas da política do futuro estão por encontrar” e deixa sugerido que o seu sentido geral não está falho de dúvidas. Mas não se pode desconhecer que há quem esteja convicto que o futuro não é o proteccionismo num mesmo contexto de relações sociais inalteradas. 
É o socialismo em espaços nacionais de povos soberanos.    

    


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