segunda-feira, fevereiro 13, 2017

Salário e produtividade - e ideologia(s)!

Na página 5 do caderno Economia do Expresso há (quase) sempre coisas muito interessante e úteis para ler, graças a Deus... ou a Keynes. 
Na última edição, uma nota sobre Salário mínimo e produtividade, um debate inquinado e ideológico merece leitura e reflexão.
Vamos por partes, a começar pelo título: qualquer debate sobre salário é sempre ideológico. O que é o salário? Por um lado (ou para um lado), é um custo; por outro lado (ou para o outro lado), é um rendimento. E estamos caídos na(s) ideologia(s)...
Por um lado, numa perspectiva ideológica, "A subida do salário mínimo tem de estar ligada ao aumento da produtividade. Foi esta a posição defendida pelo Governo PSD/CDS quando, após cinco anos de congelamento do salário mínimo (2010-2014), o aumentou no final de 2015. Não está(va) sozinho nesta posição. A Comissão Europeia, a OCDE e o FMI têm alertado sistematicamente para as consequências para a economia do aumento do salário mínimo acima da produtividade. E, na Concertação Social, o debate segue o mesmo caminho. O problema é que por trás desta discussão está uma opção ideológica", o que é certo, mas não é "o problema", o problema é que essa "uma opção ideológica" "... reduz qualquer atividade humana a uma avaliação contabilística e ignora olimpicamente todos os fatores que influenciam a produtividade do trabalhador e que vão muito além daquilo que está estritamente nas suas mãos." 
Mas também ignora olimpicamente o lado rendimento que é a outra face do salário. Além disso, se "Com efeito, a produtividade depende dos trabalhadores, seguramente, mas os saltos que ela pode dar resultam muito mais da introdução de equipamentos mais sofisticados, de uma melhor organização das empresas, das condições de trabalho do que do desempenho individual de cada um. Só para dar um exemplo evidente: se aos jornalistas da imprensa escrita fossem retirados os computadores e as plataformas digitais e os obrigassem a voltar às máquinas de escrever nós seríamos exatamente os mesmos mas de um dia para o outro a nossa produtividade cairia brutalmente." 
E podem dar-se muitos outros exemplos, um talvez por demais evidente: se fosse um médico - uma dessas profissões de que O Manifesto/Marx veio denunciar a assalariação por via da relação social-capital - como medir a produtividade em "avaliação contabilistica"?, em minutos de consulta?, em receitas passadas, em indicadores de mortalidade?
Regressando dos exemplos  à página 5 e ao salário... mínimo: "Ora, as pessoas que ganham o salário mínimo desempenham, na maior parte dos casos, tarefas muito básicas, repetitivas, com recurso a pouca tecnologia e com nula ou muito escassa inovação. Como é que a jovem que está numa loja aumenta a sua produtividade? Sai aos saltos pelo centro comercial a tentar vender a roupa a quem passa? E a senhora da limpeza, passa a esfregar com mais denodo e rapidez o chão? O homem do lixo tenta aumentar o ritmo com que despeja os baldes dos detritos no camião? Os motoristas das empresas de transporte passam a conduzir mais rapidamente? Os estafetas esforçam-se por entregar mais depressa as encomendas?

Ou seja, aumentos de produtividade em pessoas que executam tarefas muito básicas serão sempre muito reduzidos. Por isso, ligar a evolução do salário mínimo à produtividade permite duas coisas: primeiro, que empresas que não deveriam estar no mercado porque só sobrevivem à custa dos baixos salários mantenham as portas abertas, deteriorando a qualidade do tecido produtivo; depois, serve para condicionar a pirâmide salarial em muitas áreas de atividade; e em terceiro passa a mensagem de que se a produtividade na economia não aumenta a responsabilidade deve-se aos trabalhadores. É por isso que esta ligação tem de ser combatida: o salário mínimo não pode nem tem de depender da produtividade. O salário mínimo é, tem de ser, um referencial civilizacional, pelo qual o poder político, o patronato e os sindicatos chegam a um acordo sobre o valor mínimo pelo qual uma pessoa cumpre uma função útil à sociedade. Abaixo disso passa-se para o patamar da servidão ou da escravatura. E não se melhora a produtividade." 
O debate continuará inquinado se não for ideológico! Se não meter outros conceitos, como valor, mais-valia (de onde nasce o lucro), especulação financeira (que os raríssimos assalariados fazem :-), off-shores, exploração de trabalhadores, of course!

3 comentários:

Justine disse...

Tudo muito bem explicado! O NS ainda te contrata:)))))))))))))))))))))

Olinda disse...

Muito interessante e suscita reflexão!È claro que a ideologia é determinante na discussão do assunto em questão,de um lado e do outro.Bjo

Jorge Manuel Gomes disse...

Excelente análise Camarada!

Um grande abraço desde Vila do Conde.