Na página 5 do caderno Economia do Expresso há (quase) sempre coisas muito interessante e úteis para ler, graças a Deus... ou a Keynes.
Na última edição, uma nota sobre Salário mínimo
e produtividade, um debate
inquinado e ideológico merece leitura e reflexão.
Vamos por partes, a começar pelo título: qualquer debate sobre salário é sempre ideológico. O que é o salário? Por um lado (ou para um lado), é um custo; por outro lado (ou para o outro lado), é um rendimento. E estamos caídos na(s) ideologia(s)...
Por um lado, numa perspectiva ideológica, "A
subida do salário mínimo tem de estar ligada ao aumento da produtividade. Foi
esta a posição defendida pelo Governo PSD/CDS quando, após cinco anos de
congelamento do salário mínimo (2010-2014), o aumentou no final de 2015. Não
está(va) sozinho nesta posição. A Comissão Europeia, a OCDE e o FMI têm
alertado sistematicamente para as consequências para a economia do aumento do
salário mínimo acima da produtividade. E, na Concertação Social, o debate segue
o mesmo caminho. O problema é que por trás desta discussão está uma opção
ideológica", o que é certo, mas não é "o problema", o problema é que essa "uma opção ideológica" "... reduz qualquer atividade humana a uma avaliação contabilística
e ignora olimpicamente todos os fatores que influenciam a produtividade do
trabalhador e que vão muito além daquilo que está estritamente nas suas mãos."
Mas também ignora olimpicamente o lado rendimento que é a outra face do salário. Além disso, se "Com
efeito, a produtividade depende dos trabalhadores, seguramente, mas os saltos
que ela pode dar resultam muito mais da introdução de equipamentos mais
sofisticados, de uma melhor organização das empresas, das condições de trabalho
do que do desempenho individual de cada um. Só para dar um exemplo evidente: se
aos jornalistas da imprensa escrita fossem retirados os computadores e as
plataformas digitais e os obrigassem a voltar às máquinas de escrever nós
seríamos exatamente os mesmos mas de um dia para o outro a nossa produtividade
cairia brutalmente."
E podem dar-se muitos outros exemplos, um talvez por demais evidente: se fosse um médico - uma dessas profissões de que O Manifesto/Marx veio denunciar a assalariação por via da relação social-capital - como medir a produtividade em "avaliação contabilistica"?, em minutos de consulta?, em receitas passadas, em indicadores de mortalidade?
Regressando dos exemplos à página 5 e ao salário... mínimo: "Ora,
as pessoas que ganham o salário mínimo desempenham, na maior parte dos casos,
tarefas muito básicas, repetitivas, com recurso a pouca tecnologia e com nula
ou muito escassa inovação. Como é que a jovem que está numa loja aumenta a sua
produtividade? Sai aos saltos pelo centro comercial a tentar vender a roupa a
quem passa? E a senhora da limpeza, passa a esfregar com mais denodo e rapidez
o chão? O homem do lixo tenta aumentar o ritmo com que despeja os baldes dos
detritos no camião? Os motoristas das empresas de transporte passam a conduzir
mais rapidamente? Os estafetas esforçam-se por entregar mais depressa as
encomendas?
Ou
seja, aumentos de produtividade em pessoas que executam tarefas muito básicas
serão sempre muito reduzidos. Por isso, ligar a evolução do salário mínimo à
produtividade permite duas coisas: primeiro, que empresas que não deveriam
estar no mercado porque só sobrevivem à custa dos baixos salários mantenham as
portas abertas, deteriorando a qualidade do tecido produtivo; depois, serve
para condicionar a pirâmide salarial em muitas áreas de atividade; e em
terceiro passa a mensagem de que se a produtividade na economia não aumenta a
responsabilidade deve-se aos trabalhadores. É por isso que esta ligação tem de
ser combatida: o salário mínimo não pode nem tem de depender da produtividade.
O salário mínimo é, tem de ser, um referencial civilizacional, pelo qual o
poder político, o patronato e os sindicatos chegam a um acordo sobre o valor mínimo
pelo qual uma pessoa cumpre uma função útil à sociedade. Abaixo disso passa-se
para o patamar da servidão ou da escravatura. E não se melhora a produtividade."
O debate continuará inquinado se não for ideológico! Se não meter outros conceitos, como valor, mais-valia (de onde nasce o lucro), especulação financeira (que os raríssimos assalariados fazem :-), off-shores, exploração de trabalhadores, of course!
3 comentários:
Tudo muito bem explicado! O NS ainda te contrata:)))))))))))))))))))))
Muito interessante e suscita reflexão!È claro que a ideologia é determinante na discussão do assunto em questão,de um lado e do outro.Bjo
Excelente análise Camarada!
Um grande abraço desde Vila do Conde.
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