Abril Abril:
Amanhã, os deputados são chamados a responder à questão
Ficar com o que está pago ou entregar a abutres
2 DE FEVEREIRO DE 2017
São discutidos e votados, amanhã, dois
projectos de resolução exigindo o controlo público sobre o Novo Banco. «Fundos
abutre» mantêm o seu voo sobre a instituição bancária.
Apesar de cada vez mais vozes se juntarem aos que defendem a nacionalização
do Novo Banco, as autoridades nacionais e europeias continuam a perseguir uma
venda da instituição
As iniciativas, de PCP
e BE, pretendem que o Estado assuma o controlo do banco surgido da falência do
Banco Espírito Santo, actualmente propriedade do Fundo de Resolução, uma
entidade pública para a qual foram transferidos 3,9 mil milhões de
euros aquando da medida de resolução que criou o Novo Banco.
No documento do PCP, é
sublinhada a «necessidade urgente de assegurar a direção pública»,
nomedamente através da «nomeação dos órgãos sociais e a elaboração de um
plano estratégico para a banca pública que estabeleça os objetivos materiais e
temporais». Os bloquistas pedem «o apuramento consequente de todas as
responsabilidades» no processo, assim como um «debate alargado e
democrático sobre o desígnio estratégico» do banco.
Apesar de vários
dirigentes e deputados do PS já se terem mostrado favoráveis à
nacionalização da instituição bancária, não é conhecido o sentido de voto da
bancada na Assembleia da República.
Também nomes
improváveis, como os ex-ministros das Finanças, de governos do PSD e do
CDS-PP, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix, assim como o último presidente do
BES e primeiro presidente do Novo Banco, Vítor Bento, manifestaram
abertura à hipótese de nacionalização, face às propostas em cima da mesa.
O que se
conhece dos valores e condições apresentados pela Lone Star, fundo
recomendado pela equipa do ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro que o Banco
de Portugal encarregou da venda do Novo Banco, parecem motivar muitas
destas vozes. O fundo norte-americano oferece 750 milhões de euros
pela compra, com a promessa de uma recapitalização de valor idêntico. No
entanto, pede em troca uma garantia do Estado no valor de 2,5 mil milhões
de euros, mais de metade dos dinheiros públicos injectados na
instituição em 2014.
Na véspera da
discussão e votação sobre o futuro do banco, relembramos o perfil da Lone Star que publicámos
horas antes da recomendação do Banco de Portugal ter sido tornada pública.
Os escritórios da Lone Star por todo o mundo são marcados pela discrição.
Em Madrid, por exemplo, ocupam parte de um piso de um imponente edifício sem
qualquer referência exterior ao fundo, paredes meias com o Deutsche Bank
Quem são os abutres que rondam o Novo Banco?
A Lone Star Funds foi
criada entre 1995 e 1996, mas o seu fundador e presidente, John Grayken, já
vinha acumulando fortuna através da compra de «activos tóxicos» à banca – no
essencial, crédito à habitação de cobrança difícil –, vendendo posteriormente
com lucros na ordem das centenas de milhões de euros.
Quando o sector
imobiliário voltou a estar em alta nos EUA, a Lone Star virou-se para o Japão,
em 1998, e depois para a Europa. O termo flipping é regularmente usado
para descrever a estratégia destes fundos: comprar barato para, ao fim de
poucos anos, vender com lucro. Mas como é possível comprar activos
desvalorizados e transformá-los numa «galinha dos ovos de ouro» num espaço
de dois ou três anos?
Quando se trata de
crédito à habitação, a prática da Lone Star é simples: se o devedor não paga,
executa a hipoteca e vende o imóvel o mais rápido possível. Os lucros são
conseguidos à custa de despejos massivos, seja na baixa de Nova Iorque, no
Japão, na Coreia do Sul ou no Leste da Alemanha.
Lone Star Funds: comprar barato, vender caro e depressa
Se a sua especialidade
começou por ser o imobiliário, a crise asiática do final do século XX
proporcionou novos negócios, entrando no sector financeiro. Em 2003 adquire uma
participação maioritária num banco coreano, que tenta vender passados três anos
com um lucro superior a 4,5 mil milhões de dólares, 250% do valor pago.
Suspeitas de
manipulação bolsista abortaram o negócio, levaram à prisão do representante da
Lone Star na Coreia do Sul e de um funcionário que desviou 11 milhões de
dólares para o fundo norte-americano. Mas a venda acabou por se concretizar em
2012, com um lucro de 3,5 mil milhões de dólares.
Porém, a receita
aplicada no banco Korea Exchange Bank (KEB) logo após a compra não deixou
boas memórias aos seus trabalhadores, com uma reestruturação agressiva, fusão
de unidades e despedimentos. Mas o ritmo não agradava ao «fundo abutre»,
levando mesmo à substituição do presidente do banco em 2005.
O presidente da Lone Star Funds à saída
de um interrogatório judicial em Seul, confrontado com manifestantes pela
manipulação do valor pago pelo KEB. 11 de Janeiro de 2008
No Japão, o fundo
aproveitou a falência de um banco para criar o Tokyo Star Bank, em 2001, depois
de pagar 340 milhões de dólares ao governo nipónico. Depois de seis anos de
mais uma «reestruturação agressiva», o banco é vendido. Quando, em 2011, no
auge da crise financeira, os novos donos não conseguem sustentar os 2,2 mil
milhões de dólares de dívida assumida para comprar o Tokyo Star Bank, a Lone
Star recupera o controlo do banco.
Em 2014, o banco
japonês é vendido pelo fundo norte-americano – pela segunda vez em menos de uma
década – por 510 milhões de dólares a um banco sedeado na Ilha de Taiwan.
Se o cartão de visita
da Lone Star na gestão bancária é negro, as práticas fiscais não são melhores.
O fundador renunciou mesmo à cidadania norte-americana, passando a ser cidadão
irlandês e beneficiando do regime fiscal que permite não pagar impostos, já que
detém a participação no fundo norte-americano na Bermuda, um paraíso fiscal.
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