terça-feira, abril 28, 2020

De confinamento, prisão (política) e acantonamento

De confinamento, prisão (política)
e acantonamento.

Pelas portas, janelas e pelas frestas do convívio com familiares, amigos, vizinhos ou ocasionais, o confinamento entrou-nos em casa e nos quotidianos. E não nos deixa sair e dificulta o conviver, isto é, o viver com os outros.
Com um certo e redutor sentido de liberdade, houve quem se sentisse preso e fizesse analogias com situações de um passado que a celebração do 25 de Abril lembrou, em que alguns de nós estivemos privados de liberdade. E nalguns (muitos) casos violentamente. Não para  nos impedir (ou punir por) comportamentos agressores das regras do convívio, mas por lutarmos contra a opressão e repressão de todos, por uma outra forma de organização social e humana, pela liberdade, enfim (seja ela o que cada um entenda).
Essa analogia do confinamento com prisão (política) é incorrecta, e pode ser perturbadora e perversa. E é-o, naturalmente, para quem esteve preso político (dentro das prisões ou num quotidiano de liberdade claramente condicionada) e hoje vive confinado.
Num diário (Público), em destaque dado ao 25 de Abril, foi publicado um texto de um conselheiro de Estado (Domingos Abrantes, comunista) que faz a destrinça inequívoca entre as duas realidades –  Duas realidades a não confundir – que, com a autoridade de quem viveu a privação da liberdade e a sofreu com toda a violência fascista, merece… destaque e reflexão.

Há ainda uma outra (e muitas mais situações haverá, porque cada um de nós tem a sua…) situação que merece ser referida, a de acantonado
Pode viver-se numa aparente liberdade conquistada (e digo aparente, a partir de concepção de liberdade, que não se pretende impor a ninguém, mas que me arrogo direito de ter), pode não se estar obrigado, socialmente, a confinamento, mas um indivíduo ou um colectivo sentir-se acantonado. Ou seja, para simplificar, metido num canto… por pressão e opressão social, pela correlação de forças sociais, a vários níveis, e particularmente na chamada comunicação social. Contraditoriamente (como é a vida…), pode estar  – o indivíduo ou o colectivo – convencido que tem coisas a dizer, que tem papel a desempenhar no palco do viver colectivo, e sentir-se envolvido num cordão ou invólucro sanitário tácito de silêncio, ou não ser ouvido.
Um exemplo? Aí vai ele:
Num texto, que não hesito em considerar excelente, cultural e literariamente, de um jornalista (Germano  Almeida,em Expresso-curto de hoje), ao fazer “o ponto” da situação política, cita cirurgicamente:

“o PAN é uma das vozes que se mostram mais preocupadas, (...) o Bloco de Esquerda quer ‘aguardar’ a concretização das medidas para opinar mas deixa desde já uma ressalva, ‘o levantamento das medidas de restrição deve acontecer quando as condições de saúde o permitirem’, (...) o PSD reserva opiniões para depois de ouvir especialistas e Governo, o CDS avisa que ‘o levantamento das medidas de contingência tem de acontecer de forma gradual e assimétrica, de modo a que o esforço que todos temos feito não fique comprometido’, na Iniciativa Liberal argumenta-se a favor do regresso gradual à atividade económica”.

Não faltam, aqui, vozes? É inocente, como prática frequentíssima, a ausência do PCP e do PEV? Não se argumente que também não se refere a voz do Chega porque, ao fazer-se o acantonamento, se excluiriam, neste caso, o que se quer etiquetar, tacitamente, como extremos. Ora não só não se aceita, de forma alguma, que se confundam esses extremos, como  o que acantona um deles, o do PCP (e, por tabela, o PEV) é, em relação ao outro extremo (Chega) bem compensado, noutras instâncias, escandalosamente promovido e desacantonado.
Sem simplismos, diria, insisto e persisto que se trata da luta de classes. E não tem nada a ver, nem pode ter…, com complexos de perseguição, ou, como diria Bretcht, não se é perseguido por ter razão, é-se perseguido por não se ter força. Mas tem-se. A da razão

Muito perigoso é o tempo que vivemos.
         

4 comentários:

Olinda disse...

A omissão da voz do PCP,nunca (e nunca não admite excepção)é inocente.Bjo

João Baranda disse...

"Já não vivemos no séc XIX"; "as condições de vida melhoraram substancialmente"; "esquece lá essa coisa do Homem Novo"; "Marx e Rousseau se cá viessem agora ficavam bem satisfeitos" - argumentário que já me atiraram quando em rede social (WhatsApp) enveredamos pela discussão de assuntos versando a luta de classes ... abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Com a informação que prevalece, domina, manipula, esse argumentáro não surpreende.
Vivemos no séc. xxi, as condições de vida foram melhoradas substancialmente por via do trabalho colectivo... as necessidades também evoluiram... a evolução da sua satisfação tem evoluido proporcionalmente ou aumentaram as desigualdades sociais?... como é que vamos de valores éticos, solidários?... não gosto dessa de Homem Novo, o ser humano constroi-se com passos em frente e atrás, por vezes com saltos... Marx e Rousseau decerto actualizariam o que escreveram, não o renegariam. luta de classes existirá enquanto houver classes com interesses antagónicos.
UFF!... disparei. Desculpe lá... e forte abraço.

THE ONLY TRUE HACKER IN THE WORLD ® disse...
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