Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução: Patrícia Zimbres, para o 247
Sete anos após serem lançadas pelo Presidente Xi, primeiramente em Astana e em seguida em Jacarta, as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), a cada dia que passa, tornam mais enlouquecida a oligarquia plutocrática norte-americana.
Na velha ordem, as elites político-militares eram rotineiramente subornadas em troca do acesso irrestrito das empresas americanas aos recursos do país, acoplado a esquemas de privatizações a toque de caixa e austeridade escancarada (os "ajustes estruturais").
Essa situação se prolongou por décadas, até a ICR se tornar o que há de mais novo em termos de construção de infraestrutura - oferecendo uma alternativa à pegada imperial.
Além do mais, o foco estratégico da ICR em desenvolvimento de infraestrutura, não apenas por toda a Eurásia mas também na África, traz um fator que vira totalmente o jogo geopolítico. A ICR vem colocando vastas regiões do Sul Global em condições de se tornarem completamente independentes da armadilha da dívida imposta pelo Ocidente. Para muitos desses países, essa é uma questão de interesse nacional. Nesse sentido, a ICR deve ser vista como o principal mecanismo pós-colonialista.
A ICR, na verdade, crepita com a simplicidade de Sun Tzu aplicada à geoeconomia. Nunca interrompa o inimigo quando ele está cometendo um erro - neste caso, escravizando o Sul Global por meio de dívidas perpétuas. E então use as próprias armas do inimigo - neste caso, a "ajuda" financeira, para desestabilizar sua proeminência.
Nada do que foi dito acima, é claro, vai apaziguar o vulcão paranóico, que continuará a cuspir uma enxurrada de alertas vermelhos tentando ridicularizar a ICR como sendo "mal definida, pessimamente administrada e visivelmente fracassada". "Visivelmente", é claro, só para os excepcionalistas.
Como seria de se prever, o vulcão paranóico se alimenta de uma mistura tóxica de arrogância e ignorância crassa sobre a cultura chinesa.
Xue Li, diretor do Departamento de Estratégia Internacional no Instituto de Economia e Política Mundiais da Academia Chinesa de Ciências Sociais demonstrou que "após a Iniciativa Cinturão e Rota ter sido proposta em 2013, a diplomacia chinesa mudou, deixando de manter um perfil discreto para se tornar mais proativa em questões globais". Mas a política de "parcerias, e não alianças" não mudou, e é pouco provável que ela venha a mudar no futuro. Mas o fato irrefutável é que o sistema de diplomacia por alianças preferido no Ocidente é escolhido por poucos países, e a maioria deles opta pela diplomacia não-alinhada. Além disso, em sua maior parte eles são países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina".
Os atlanticistas estão entrando em desespero porque o "sistema de diplomacia de alianças" está em franco declínio. Grande parte do Sul Global vem-se reconfigurando, com ímpeto renovado, como um Movimento Não-Alinhado (MNA) - como se Pequim houvesse encontrado uma maneira de fazer renascer o Espírito de Bandung em 1955.
Os acadêmicos chineses gostam de citar um manual imperial do século XIII, segundo o qual as mudanças políticas devem ser "benéficas ao povo". Caso elas beneficiem apenas aos altos funcionários corruptos, o resultado será luan ("caos"). Daí a insistência dos chineses do século XXI nas políticas pragmáticas, e não na ideologia.
Rivalizando-se aos paralelos informados das dinastias Tang e Ming, é a dinastia Yuan que vai trazer uma introdução fascinante ao funcionamento interno da ICR.
Façamos, então, uma curta viagem ao século XIII, quando o imenso império de Genghis Khan foi substituído por quatro kanatos.
Havia o Kanato do Grande Khan - que veio a se transformar na dinastia Yuan - que abrangia China, Mongólia, Tibé, Coreia e Manchúria.
Havia o Ilkanato, fundado por Hulagu (o conquistador de Bagdá) que governava Irã, Iraque, Azerbaijão, Turcomenistão, parte da Anatólia e o Cáucaso.
Havia também a Horda de Ouro, que governava o noroeste das estepes eurasianas, do Leste da Hungria à Sibéria, e a maioria dos principados russos.
E também o Kanato Chaghadaid (que levou o nome do segundo filho de Genghis Khan), que governava a Ásia Central, de Xinjiang ao Uzbequistão, até a tomada do poder por Tamerlane, em 1370.
Essa era assistiu a uma enorme aceleração do comércio ao longo das Rotas da Seda mongóis. Todos esses governos controlados pelos mongóis privilegiavam o comércio local e internacional. Isso se traduzia em um crescimento explosivo dos mercados, da tributação, dos lucros - e do prestígio. Os kanatos competiam entre si pelas mentes mais talentosas para o comércio. Eles montaram a melhor infraestrutura para as viagens transcontinentais (que tal uma ICR do século XIII?) E abriram caminho para múltiplas trocas transcivilizacionais Oriente-Ocidente.
Quando os mongóis conquistaram os Song do Sul da China eles expandiram as Rotas da Seda terrestres, criando as Rotas da Seda Marítimas. A dinastia Yuan agora controlava os poderosos portos do Sul da China. Assim, quando alguma turbulência ocorria em terra, eles transferiam o comércio para o mar.
Os principais eixos cruzavam o Oceano Índico, entre o Sul da China e a Índia, e entre a Índia e o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho.
Os carregamentos iam por terra até o Irã, Iraque, Anatólia e Europa, e por mar, através do Egito e do Mediterrâneo, até a Europa e, partindo de Aden, até o Leste da África.
Uma rota marítima de comércio de escravos entre os portos da Horda de Ouro, no Mar Negro, e o Egito - gerida por mercadores muçulmanos, italianos e bizantinos - também estava em funcionamento. Pelos portos do Mar Negro passavam mercadorias de luxo que chegavam por terra do Oriente. E caravanas seguiam a rota terrestre, partindo da costa indiana durante as perigosas estações das monções.
Essa atividade comercial frenética foi uma proto-ICR, que atingiu seu auge nas décadas de 1320-1330, indo até o colapso da dinastia Yuan, em 1368, paralelamente à Peste Negra, na Europa e no Oriente Médio. O ponto-chave é que todas as rotas terrestres e marítimas eram interligadas. Os planejadores da ICR, no século XXI, se beneficiam de uma longa memória histórica.
"Nada irá mudar fundamentalmente"
Compare-se agora essa riqueza de comércio e intercâmbio cultural com a medíocre e provinciana paranoia anti-ICR e anti-China em geral existente nos Estados Unidos. O que temos é o Departamento de Estado comandado por Mike (Nós Mentimos, Nós Trapaceamos, Nós Roubamos) Pompeo soltando uma diatribe fuleira sobre a "ameaça da China". Ou a Marinha dos Estados Unidos recomissionando a Primeira Frota para a construção de uma base, provavelmente em Perth, a fim de "fincar um pé no Indo-Pacífico", e assim manter o "domínio marítimo em uma era de competição entre as grandes potências".
Num tom mais sinistro, aqui vai um resumo da colossal Lei de Autorização da Defesa Nacional (NDAA, em inglês), de 4.517 páginas, que aprova um orçamento de 740,5 bilhões de dólares e acaba de passar na Câmara de Representantes por 335 a 78 votos (Trump ameaçou vetá-la).
Esse é orçamento das verbas destinadas ao Pentágono no ano que vem - a ser supervisionada, em tese, pelo novo General da Raytheon, Lloyd Austin, o último "General comandante" dos Estados Unidos no Iraque, que administrou o CENTCOM de 2013 a 2016 para depois se aposentar, assumindo bicos do tipo porta giratória, como o conselho diretor da Raytheon e, o que é mais importante, o conselho da siderúrgica Nucor, poluente ultra-tóxica do ar, da água e do solo.
Austin é um personagem porta-giratória que apoiou a guerra do Iraque, a destruição da Líbia e supervisionou o treinamento dos "rebeldes moderados" sírios, também conhecidos como a al-Qaeda reciclada - que mataram um número incontável de civis sírios.
A NDAA, como seria de se esperar, prevê verbas pesadas para financiar "instrumentos para a contenção da China".
Entre esses instrumentos constarão:
- Uma assim-chamada "Iniciativa de Contenção do Pacífico", o que em código significa contenção da China no Indo-Pacífico por meio do fortalecimento do Quad.
- Operações maciças de contra-inteligência.
- Uma ofensiva contra a "diplomacia da dívida". Isso é pura bobagem: as negociações da ICR são voluntárias, em bases lucrativas para todas as partes e abertas a renegociação. Os países do Sul Global dão preferência a elas em razão dos empréstimos a juros baixos e de longo prazo.
- Reestruturação das cadeias globais de fornecimento que levam aos Estados Unidos. Boa sorte com essa aí. As sanções contra a China continuarão em vigor.
- Pressão total para forçar os países a não adotarem o 5G da Huawei.
- Reforço de Hong Kong e Taiwan como cavalos-de-tróia para desestabilizar a China.
John Radcliff, diretor da Inteligência Nacional, já deu o tom: "Pequim pretende dominar econômica, militar e tecnologicamente os Estados Unidos e o restante do planeta". Tenham medo, muito medo do malvado Partido Comunista, "a maior ameaça à democracia e à liberdade em todo o mundo desde a Segunda Guerra Mundial".
Entenderam? Xi é o novo Hitler.
Portanto, nada irá mudar fundamentalmente após janeiro de 2021 - como oficialmente prometido por Biden-Harris: vai haver novamente a guerra híbrida contra a China, atacando na totalidade do espectro, como Pequim já entendeu perfeitamente.
E daí? A produção industrial da China continuará a crescer, enquanto a dos Estados Unidos continuará em declínio. Os cientistas chineses chegarão a novas descobertas revolucionárias, tais como a computação fotônica quântica - que conseguiu comprimir 2,6 bilhões de anos de computações em 4 minutos. E o espírito da dinastia Yuan continuará a inspirar a Iniciativa Cinturão e Rota.
2 comentários:
Muito bom artigo! Haja quem divulgue esta informação...
Resumindo da forma mais-que-simplista-A força bruta não pode vencer a sabedoria milenar do dragão.Bjo
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