Aqui há uns anos, bem uns vinte, houve um período (ou períodos… eleitorais ou não) em que, nas minhas digressões militantes pelo País, os camaradas me davam guarida em suas casas e calhava-me dormir nos quartos dos filhos ou filhas que estudavam por outras terras ou, mais novitos, iam dormir para outros lados. Muitas vezes dormi rodeado de bonecas, algumas à espera da vinda das suas meninas em fim-de-semana ou a férias.
Era simpático… e engraçado.
Era simpático… e engraçado.
E foi, digamos, geracional. Porque começou a ser menos assim. Ou porque os camaradas passaram de pais a avós, e os quartos perderam aquele ambiente de abandono temporário que eu preenchia por uma noite de colóquio ou outra iniciativa partidária ou da CDU; ou porque, sendo os responsáveis cada vez mais novos, as casas diminuíram de tamanho e deixou de haver um quarto livre ainda que com dona temporariamente ausente, ou arranjaram outras soluções; ou porque me deu para, de vez em quando, dizer que não era preciso alojamento porque desejava, depois da seesão de trabalho, repousar à minha vontade, sozinho e sem cuidados, num quartinho de hotel.
Ontem, em Braga, lembrei-me desse tempo. Não tanto por me terem aboletado em casa de um camarada que foi inexcedível em atenções - num quarto sem bonecas... mas "cor de rosa" -, mas por ter tido, antes da sessão, uma surpresa que me apetece contar.
No café Brasileira, ainda no piso térreo em que bebia um chá para acamar o excelente jantar com um camarada “dos antigos”, antes do Marx e de O Capital e dessas coisas, aproximou-se da nossa mesa um casal, com todo o ar de pai e filha. A cara dele era-me familiar, vinha cumprimentar-me e lembrar-me que, há uns vinte anos, dormira em casa dele, no quarto daquela filha que o acompanhava. E esta, ali com ele, uma jovem e muito bonita mulher, disse-me que nunca esquecera que eu lhe deixara um bilhetinho no quarto a agradecer-lhe o ter-me cedido o quarto dela. Teria então 6 ou menos, e hoje é uma senhora doutora, enfermeira, e está a tirar um outro curso de gestão.
Se ela denotava algumas ternura e emoção, eu não as tinha menores, e trouxe-as para o regresso a casa e para este escrito.
Obrigado, Adelaide! (e também, camarada, pela tua contribuição, depois, para o debate).
Ontem, em Braga, lembrei-me desse tempo. Não tanto por me terem aboletado em casa de um camarada que foi inexcedível em atenções - num quarto sem bonecas... mas "cor de rosa" -, mas por ter tido, antes da sessão, uma surpresa que me apetece contar.
No café Brasileira, ainda no piso térreo em que bebia um chá para acamar o excelente jantar com um camarada “dos antigos”, antes do Marx e de O Capital e dessas coisas, aproximou-se da nossa mesa um casal, com todo o ar de pai e filha. A cara dele era-me familiar, vinha cumprimentar-me e lembrar-me que, há uns vinte anos, dormira em casa dele, no quarto daquela filha que o acompanhava. E esta, ali com ele, uma jovem e muito bonita mulher, disse-me que nunca esquecera que eu lhe deixara um bilhetinho no quarto a agradecer-lhe o ter-me cedido o quarto dela. Teria então 6 ou menos, e hoje é uma senhora doutora, enfermeira, e está a tirar um outro curso de gestão.
Se ela denotava algumas ternura e emoção, eu não as tinha menores, e trouxe-as para o regresso a casa e para este escrito.
Obrigado, Adelaide! (e também, camarada, pela tua contribuição, depois, para o debate).
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Este texto foi escrito em intenção de ir para docordel.blogspot.com, que é para lá que reservo coisas destas, mas decidi também o colocar aqui. Porque, parecendo que não, tem a ver connosco. Com a luta. E muito!
10 comentários:
Tão lindo o que escreveste! Também eu tenho casos lindos relativos a camaradas que ficaram em minha casa.No entanto, há um que eu não posso esquecer, mas que se refere à situação oposta. Há muitos anos atrás tive que ir a Lisboa,não me lembro já por que razão, e fiquei com uma camarada na casa muito modesta de um casal idoso de "velhos" comunistas.Foram inexcedíveis em atenções. Ofereceram-nos tudo o que tinham de melhor, desde o quarto ao pequeno almoço. E depois tinham uma consciência política fantástica. Que será feito deles agora? Nunca mais os verei porque eles já não eram novos e eu ainda não era assim tão velha! Mas não os esquecerei.
Um beijo, camarada sentimental (desculpa).
Em tempo de publicação de mais um livro de Urbano Tavares Rodrigues, que daqui saúdo,relendo PERDAS e DANOS,do escritor, respigo de uma crónica titulada EM SANTO TIRSO: (...)E a voz pausada,mas tensa,a aquecer,do Sérgio Ribeiro falando das características biológicas da mulher e particularmente da forma como o período da gravidez e do parto pode ser encarado por quem lhe utiliza o esforço(...).Com demasiada frequência lemos,ouvimos e lemos:" Se está grávida não renovamos o contrato".É preciso dar a volta a isto.Que Fazer? Resistir,organizar,lutar de braço dado com todas as Adelaides,pelo progresso,pelo futuro!
Abraço
Também eu tive experiências idênticas.
Em Mira de Aire, em Alqueidão da Serra fiquei muitas noites em casas de camaradas e nos quartos dos filhos que hoje são homens e mulheres adultos.
Pela manhã deixavam-me o pequeno almoço arranjado e com um bilhete
- Tens aqui o pequeno almoço, quando saíres não te esqueças de fechar bem a porta"
A vida é assim, seja em que quadrante fôr, cheia de histórias ternurentas que ficam bem em qualquer blogue...
Abraço
Que bonito!
Uma História real da vida solidária.
Graciete - camarada sentimental? Pedes-me desculpa? Não tens de quê. Se calhar sou-o... demais. Paciência. De pois é isso: "que será feito dles?" E, de vez em quando, uma surpresa. Boa, muito boa!
José Rodrigues - essa citação que fzer do Urbano, deixou-me... sentimental! Há tantos anos... em Santo Tirso. Já lá voltei (quantas vezes?) depois dessa sessão sobre a "condição da mulher". Obrigado pela lembrança
admin 01 - é tão bom, não é? Reconforta e dá força para continuar a luta.
Roda dos Ventos - claro que sim, claro que sim! Mas- desculparás -, neste "quadrante" há qualquer coisa de especial, de diferente, de mais... fraterno. Então antes do 25 de Abril, com os riscos todos...
jrd - real mesmo, tão real que foi na sexta à noite. Em Braga.
Abraços para todos
"Porque, parecendo que não, tem a ver connosco. Com a luta. E muito!"
Pois eu digo que este relato SÓ tam aver com a luta - uma luta feita de Homens e de Mulheres! Por isso, esta é a luta do futuro da humanidade. A nossa luta é uma luta de gente...assim!
Pr isso, ela - a luta - CONTINUA!
Obrigado pela partilha
zémanel
Obrigado por publicares este artigo.
Também tive experiências assim...
Camaradas que dormiram na minha casa e casas onde dormi fora do Porto.
Recordo com especial saudade que, quando tinha reuniões ou acções de formação em Lisboa, dormi algumas vezes na Rua da Metade, na casa da tia Júlia (tia avó e camarada). Quando a noite era de quarta para quinta, o tio Tavares saía cedinho para distribuir o Avante!
Qual não é o meu espanto ao ver que o meu nome e a minha pessoa deram origem a um texto tão terno e são título deste tema :)
Apesar de as minhas memórias desse tempo (em que eu era pequenina) terem sido muitas vezes apetrechadas com as histórias que os meus pais me têm contado, a verdade é que também gostei de "recordar" uma época que representa para mim grande espírito de coragem e de altruísmo por parte dos camaradas. É esse espírito de camaradagem e de luta pelo que é justo que me instiga hoje a procurar por tudo quanto é lado a possibilidade de tornar este mundo num mundo melhor.
Por isso, obrigada Sérgio Ribeiro pelas tomadas de posição, pela luta, pelo regresso a Braga para um momento deveras instrutivo e por este artigo que me alagou o coração de contentamento!
Volta sempre :)
Vou-me repeir?!...
Mas nunca é exagero o partilhar histórias, que embora semelhantes, são como que um fio condutor da nossa cumplicidade, enquanto militantes de um Partido no qual a emoção, a ternura e a confiança nos seres humanos nos é comum...
Também eu recordo quando em 1988 o Camarada João Carlos (então da JCP e delegado ao Congresso, que nesse ano se realizava no Porto) veio ficar em nossa casa. Também dormiu no quarto do nosso filho (com 6 anos, nessa altura), que actualmente é militante do nosso PCP.
Também não esqueço o Dezembro de 1996, com o Congresso também no Porto, em que ficaram em nossa casa os camaradas Artur e Irene que também são nossos primos. Não pude estar com eles porque na véspera tinha tido um acidente de automóvel...
Mas eles lá estiveram e participaram e... eu cá estou, pronta para continuar a luta.
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