A terceira vez que viajei de avião com o dr. Mário Soares não ia comovido (mas comovido a sério, e não por causa dele…) como acontecera da segunda vez, em que me despedia de Cabo Verde, dos amigos e daqueles “putos da Praínha”. Nessa terceira vez, ia triste, mas mesmo triste à Manuel Bandeira, “triste de não ter jeito…”.
Foi em Julho de 1999.
As eleições para o Parlamento Europeu tinham sido em 13 de Junho e o 3º candidato da CDU não fora eleito por, naquilo do método de Hondt, ter tido menos 612 votos (em 360 mil que tivemos) que o 9º candidato (e eleito) pelo PSD. Ora o 3º da lista CDU era eu e o 9º da lista do PSD… nem quero lembrar-me quem era, e se calhar ninguém se lembra..
Depois de um segundo mandato, de 5 anos entre 1994 e 1999, em que fora questor* (eleito 2 vezes), de ter feito o trabalho que fiz nessa “qualidade”, de ter sido o deputado português com mais relatórios, pareceres, intervenções... essa coisa toda – não obstante a “questoria” -, esse resultado atingiu-me fortemente. Para mais, porque houve muitas, mas mesmo muitas, culpas cá pelo “nosso cartório” (e nem todas inocentes).
Fui pior que estragado para a minha viagem a Estrasburgo, “passar testemunho” e trazer as malas, e resolvi oferecer-me uma viagem tranquila em 1ª classe, sossegadinho a lamber as minhas feridas (e sem qualquer prejuízo para o colectivo, que bem penalizado financeiramente ficou com aquele resultado).
Estando eu nesse estado de espírito, vi entrarem no avião, e ficarem na 1ª classe, os eleitos do PS, a acompanhar, qual corte, o cabeça de lista, o dito dr. Mário Soares. Se estragado estava, podre fiquei. E tentei enterrar-me no confortável lugar de executivo, sumir-me…
Qual o quê?
Assim que se apagou a luzinha dos cintos apertados, começou uma romaria, uma verdadeira festa na aldeia, em que Mário Soares era a santa padroeira ou o pároco. Falavam, falavam, pareciam conspirar e, claro, eu sentia-me o alvo daquela festança toda.
Eis senão quando o propriamente dito, com a sua proverbial semvergonha, acompanhado por alguém do séquito, se meteu na fila antes daquela em que eu estava, se ajoelhou na cadeira à frente da minha, pôs os dois braços roliços e em mangas de camisa no espaldar, e arrancou com uma arenga: “Olhe lá, oh Sérgio Ribeiro, disse-me aqui o (sei lá quem era…) que você é que sabe disto, que até foi questor – sei lá o que é isso … Vou candidatar-me a Presidente do Parlamento. Diga-me lá como é… E conto com o voto do vosso grupo, claro.”
Levantei os olhos para a cara do fulano para, olhos nos olhos, lhe dizer que já me tinha constado essa intenção, que me parecia muito má ideia, não por ir contra discutíveis regras consuetudinárias do PE “arranjadas” pelos dois maiores grupos, mas porque, entre outras coisas, essa candidatura iria ser um desastre e iria prejudicar as candidaturas de deputados portugueses a vice-presidentes, questores e presidentes de comissão; ainda lhe disse que, quanto ao voto do “nosso grupo”, eu já não fazia parte dele porque não fora eleito mas, se ainda tivesse alguma influência, mesmo de fora, seria para contrariar essa disparatada candidatura.
O fulano olhou-me qual Orlando furioso, saltou do poleiro em que estava encavalitado, e foi para o seu lugar a resmungar coisas pouco agradáveis sobre… os comunistas.
Não digo que tenha ido com o “rabinho (salvo seja) entre as pernas” porque isso lhe aconteceu depois, ao levar por diante a candidatura e ter apanhado uma chamada “banhada”, como era previsível e muito desprestigiante para quem fora PR da República Portuguesa.
Viajar com Mário Soares? Livra!
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• - depois posso explicar…
3 comentários:
Também tenho uma estória de viagem com essa coisa. Veio comigo no primeiro comboio que entrou em Portugal após o 25 de Abril.
Só estive uma vez, a um metro, perto do Mário Soares - 1985. Ainda hoje, quando tomo banho, penso nisso. Bem! Estar com uma pessoa que esteve a menos de um metro do Mário Soares?! Podemos vir a conhecermo-nos pessoalmente mas... com algumas cautelas!
Um abraço sem manchas pelo meio
Mete-me tanto nojo...
Desculpa, Sérgio, mas só li o post todo porque era teu...
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