terça-feira, julho 05, 2011

T(á)Visto - Duas mentiras e meia... será um concurso com o antecessor?

É um prazer, um gozo - e também um desprazer, um desgoz(t)o... como manda a dialéctica -, ler Correia da Fonseca e as suas crónicas de televisão. Por isso (com as sempre devidas autorização e vénia), de vez em quando, aqui pranto (ou planto) uma:

«DUAS MENTIRAS E MEIA

1.Uma das estações portuguesas de televisão, pelo menos uma delas, teve a boa ideia de retransmitir agora aquela declaração do dr. Pedro Passos Coelho, perpetrada ainda em Abril, segundo a qual o seu governo (o tal ainda então longe de estar constituído mas já na cabeça do declarante, segundo o próprio) nunca tocaria no subsídio de Natal. Entendeu-se a solidez da informação: como apoio à chamada Festa das Famílias com vínculo directo a uma celebração sagrada, o subsídio teria ele próprio alguma coisa de sagrado, mais ainda para um governo que embora sendo ainda apenas coisa mental era já conotável com algumas das mais antigas tradições portuguesas. Infelizmente, porém, o Diabo tem uma capa com que tapa e outra com que destapa, como também tradicionalmente diz o povo, e quanto ao subsídio de Natal terá vindo o Diabo e levou-o em cerca de metade. Excepto para os mais pobrezinhos, porque este é um governo cristão e também porque neles já pouco o Diabo encontraria para levar.

2.Creio que foi em data posterior a essa declaração que o então ainda primeiro-ministro, José Sócrates, voou para Bruxelas levando consigo o projecto de um PEC não-sei-já-quantos que acalmaria talvez as alcateias de lobos que continuavam a uivar. Ou de sanguessugas que continuavam ávidas, também não sei bem. Toda a gente pode lembrar-se de que então o dr. Pedro Passos Coelho esbravejou um bocado. Que parecia impossível, que nunca se vira, um PM ir para Bruxelas com um PEC na pasta sem que acerca dele falasse primeiro com o Líder do Principal Partido da Oposição que por sinal era ele, dr. Pedro Passos Coelho! Passou-se um tempinho breve e veio a saber-se que não havia sido bem assim. Numa primeira fase, teria havido afinal uma conversa telefónica entre o PM e o PPP. Depois, ficou claro que houvera afinal uma conversa ao vivo e a cores em São Bento, na residência oficial do primeiro-ministro. Em suma: o chinfrim do dr. Pedro arrancara de uma mentira. Ou, se se preferir uma fórmula soft, de uma inverdade.

3.Já finalmente primeiro-ministro, embarcou o dr. Pedro Passos Coelho para Bruxelas, mas não perdeu a oportunidade que se lhe deparava para fazer perante os portugueses, o País, porventura a Europa e o mundo, prova pública do seu sentido de cuidadosa gestão dos dinheiros públicos em conjugação com o seu espírito de sacrifício pessoal, de indiferença pelas comodidades inerentes ao seu novo posto quando pagas pelo “bolso dos contribuintes”. Assim, para exemplar acto de economia e de austeridade financeira embarcou o dr. Pedro em mera classe turística, como qualquer cidadão pobretana, e não em classe executiva, como lhe seria devido por força da graça de deus e do voto popular. A notícia do bonito gesto foi naturalmente propalada aos quatro ventos pelos pregoeiros do costume para óbvia edificação popular. Aliás, é também pela memória de feitos assim que mais tarde se pode constituir um dossiê para a beatificação ou mesmo para a canonização, ainda que apenas política, de quem a mereça. Eis, porém, que lá voltou o Diabo com a sua capa literalmente diabólica, e veio a saber-se que afinal poupança não houvera porque a TAP, pelo menos enquanto não for privatizada, não cobra o preço das passagens aos membros do governo. Assim, o lindo gesto afinal não existira, sendo embora de admitir que pode ter havido a ingénua intenção de praticá-lo e a nada ingénua intenção de o divulgar.

4. Digamos que esta última mentira foi apenas pela metade, pelo que será justo contabilizá-la com meia mentira. Ainda assim, parece que duas mentiras e meia, ainda que de gravidade desigual mas em tão pouco tempo, correspondem a um elevado ritmo de mentiras em breve período, o que é de todo inconveniente para um PM cujos apoiantes andaram durante anos a chamar mentiroso ao anterior primeiro-ministro e até a desenharem um nariz de Pinóquio no seu retrato. Fico a suspeitar de que o dr. Pedro Passos Coelho tem de regenerar-se rapidamente desta inclinação para alguma leviandade nas declarações cujo impacto, e também cuja infelicidade final, são ampliados pela televisão, e por isso de resto aqui se registam. Bem se pode dizer que, literalmente, dão muito nas vistas.»

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

MENTIROSOS é o que eles são todos.
Também gosto muito de ler o Correia da Fonseca. É um digno sucessor do nosso inesquecível CASTRIM.

Um beijo.