segunda-feira, janeiro 16, 2012

Adenda à anterior mensagem

Um anónimo veio comentar o "post" anterior e assinou - julgo que por "graça"... - Vitor Gaspar. Abri uma excepção, e respondi directamente a este anónimo, porque coloca, e com toda a correcção, uma questão interessante:

Meu caro, há aqui confusão e o NS viu mal o filme: se o deficit externo diminui, mesmo através da maquiavélica diminuição do consumo de coisas importadas acompanhada de aumento de exportações, o PIB sobe, ou não?

Na resposta, pedi-lhe para, por favor, olhar para as equações que acompanhavam o meu "post" e adiantava algumas hipóteses (ou cenários):

Se o PIB (produto, igual a soma de valores acrescentados pelo "trabalho" mais o "capital", como "factores de produção" na terminologia da economia política capitalista) diminui, como está previsto e resulta da "estratégia", e se se consegue o objectivo de aumentar as exportações, o equilíbrio apenas se estabelece se, mantendo-se a procura interna (consumo mais investimento), aumentarem as importações aumentarem mais que as exportações por forma a que a procura externa líquida (exportações menos importações) também diminua.
Claro que não é isso que, na "estratégia" troika-governo, se pretende porque daqui resultaria maior défice externo com todas as decorrentes consequências financeiras.
Então, o que se pretende é juntar à queda do produto e ao aumento das exportações a descida das importações
 
Assim sendo, diminuindo o primeiro termo da equação, e aumentando, no segundo termo da equação, as exportações, só há equilíbrio com a diminuição do consumo mais o investimento, isto é, da procura interna.

No entanto, isto, se certo do ponto de vista formal, está de pernas para o ar. Está em pino.
A "estratégia" é a de intensificar a exploração, de concentrar riqueza, de dominar financeiramente. Pelo que o filme deve ser visto da frente para trás.
Atacam-se os salários e as condições dos trabalhadores,  logo o consumo, dificulta-se o investimento. E como daí resulta uma quebra no produto e nas importações, o cenário implica a necessidade de exportar. Mas exportar o quê se não se produz e se se contem as importações. E para quem?

Becos sem saída? Neste sistema, parece claro. Voltemos a ver o filme, na ordem certa das coisas, começando por procurar aproveitar os recursos (antes de todos os humanos) e incrementar a produção. É isso, essa ordem das coisas..., possível com estas relações social?

Desculpem a explanação árida,
decerto enfadonha, 
mas apesar de demitido de economista,
estou sempre em reciclagem
e a tentar fugir às armadilhas financeiras
(ou dos financeiros...)

9 comentários:

Carlos Gomes disse...

Delculpem a minha ignorância na matéria mas, ainda que "o deficit externo diminui, mesmo através da maquiavélica diminuição do consumo de coisas importadas acompanhada de aumento de exportações" , tal só corresponde a uma subida do PIB se verificar-se um aumento da produtividade, não devendo portanto este ser confundido com balança de pagamentos. Penso que existem muitos países, geralmente menos desenvolvidos e com uma economia assente sobretudo no sector primário, que exportam mais do que importam e, não obstante, apresentam um PIB bastante reduzido.
Corrijam-me se estou errado!

Ricardo O. disse...

Carlos Gomes a sua dúvida pemrite destacar algo muito importante.
Mas primeiro temos que acertar uma questão metodológica. Se analisamos o PIB (uma aproximação da produção realizada num país ou de um território) pelo lado da despesa, então na sua explicação para a subida ou descida temos que permanecer na perspectiva da despesa, não inserindo a «produtividade» ao barulho (mesmo que essa «produtividade» corresponda ao tal PIB por habitante ou trabalhador).

Resolvida a questão metodológica, poderemos concluir que nesses países (e voltando a olhar para as igualdades que o Sérgio apresentou) ou o nível do concumo (das famílias, empresas e do Estado) é muito baixo, ou é o caso dp investimento (privado e público), ou estamos perante ambas as situações. O que olhando para o mundo é uma hipótese bastante plausível.
A mesma análise pelo lado da produção permite-nos concluir que o «valor» (monetarizado) dessa produção é muito baixo, pelo que a tal «produtividade» também é muito baixa (medida monetarizada muito do interesse capitalista, pois acabe sempre por responsabilizar a força de trabalho, desculpabilizando o capitalista que determina os meios de produção que adquire, define e apropria-se da produção que mais tarde vende).

Carlos Gomes disse...

A responsabilização, em meu entender, tem a ver em grande medida com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, entendidas estas não exclusivamente em relação ao factor humano mas também cultural e tecnológico. Mas também tem a ver com factores de mercado que levam à regulação da produção a fim de evitar os excedentes que coloquem em causa o lucro, como temos assistido na União Europeia com a imposição de cotas de produção.
Em todo o caso, à diminuição do défice externo não corresponde necessariamente uma subida do valor do PIB. Porém, ao aumento da produção ligado à exportação e à satisfação do consumo interno corresponde uma diminuição do deficit externo na medida que faz pesar a balança de pagamentos a nosso favor.
- Cá para mim, estou a meter-me num grande sarilho ao abordar assuntos que não domino!

Sérgio Ribeiro disse...

Como eu gosto de dizer:

"isto" dava para um semestre!

Mas estou a gostar. Muito. Estamos em pleno keyneseanismo - o que já équase atrevimento -, apesar das ressalvas do Ricardo O., que nos dizem haver economia para além de Keynes.

Abraços

Sérgio Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Caros amigos,
eu não queria levantar esta celeuma toda com aquele simples comentário da "maquiavélica diminuição do consumo suportado em importações", mas a verdade é que, há tempos, em conversa com alguém que apoia o actual governo, fui levado a considerar esta hipótese. Ele dizia-me:"temos de baixar o consumo para exportar tudo o que é exportável e diminuir o deficit externo. Qualquer dia, temos um excedente na balança comercial". A verdade é que em muitos actos do governo tenho sentido isso.
Agora uma coisa que não percebo é a razão pela qual deixaram cair a descida da taxa social unica que levaria a uma baixa de custoa para o patronato. É que para repor a perda da receita bastava que pusessem os trabalhadores a pagar a percentagem que o patronato deixaria de pagar... e podiam largar toda esta treta da meia-hora e dos feriados

Saudações do vosso
Vitor Gaspar

Sérgio Ribeiro disse...

"Vitor Gaspar" - Não há celeuma nenhuma. Há uma conversa interessante. Muito gostaria de ser capaz de fazer com que o anónimosecxxi servisse para isto.

Saudações

Ricardo O. disse...

Penso que a história da taxa social única já foi discutida por aqui...

Mas como penso que o que está em causa é o problema da «competitividade» externa da economia portuguesa e a correcção do défice externo, parece-me que será interessante discuti-lo.

1. A redução da taxa social única, transferindo essa contribuição para os trabalhadores não reduz a competitividade das empresas portuguesas, apenas reduz o salário dos trabalhadores aumentando, na mesma proporção o lucro. O valor das mercadorias produzidas seria exactamente igual, «custaria» o mesmo número de horas a serem produzidas (talvez até mais, pois perante menores salários a capacidade e o empenho dos trabalhadores serão necessariamente menores). Também custaria menos aos patrões, o que levaria a agravar a exploração, recuperando ou tentando recuperar a tendencia de redução da raxa de lucro.

Regressando a keynes, numa perspectiva de aumentar a competitividade ou reequilibrar o investimento com a poupança de um país, é necessário garantir que as mercadorias produzidas são vendidas, tornando-as competitivas. Ora essa transferência de rendimentos, dos trabalhadores para os patrões, não garante a venda da generalidade das mercadorias (com raras exceções: as mercadorias de luxo, supérfulas consumidas por uma minoria).

Mais, por opção e honestidade intelectual não sou capaz de concordar com políticas que «ignoram» os efeitos da redução dos salários na generalidade dos trabalhadores: 1) reduzir a sua capacidade de satisfazer as suas necessidades, empobrecendo-os; 2) obrigar os trabalahdores a trabalhar mais horas para aparentemente recuperaram a capacidade de satisfação das necessidades; 3) agravar o medo e a chantagem política para explorar ainda mais os trabalhadores, obrigando-os a sujeitarem-se ao «preço» definido pelo patronato.

Sérgio Ribeiro disse...

Ricardo O. - Muito bem e muito obrigado!
A economia (quando eu era economista...) era uma ciência social!!!
Façam favor de continuar, reservando-me o direito, como "proprietário" destes espaço, de vir a aproveitar estas contribuições para futuras mensagens... sem prejuizo dos vossos direitos de autoria.

Abraços