Descarrila-mentes e dis-la-tes - 6 – liberdade
Estamos a viver os dias de 25 de Abril. Que não é
só um dia. Porque houve os dias antes, o dia de 1974, os dias depois, e há,
agora, estes, os de agora. Como houve os de entre o ano em que foi, o de 1974,
e o deste de 2020, os dias desta data que foram sendo os vinte cincos-de-abril dos
anos que foram sendo. Todos diferentes, todos especiais.
Mas este, o de 2020, foi… mais especial. Aconteceu,
no mundo todo, no planeta Terra, qualquer coisa que o veio tornar não só
diferente, não só especial, mas mais diferente, mais… especial.
Sempre foi sendo identificado como o dia dos
cravos, da liberdade, da democracia. Dos cravos, não haverá muito que se lhe
diga. Apareceram, por uma casualidade – conta-se… – e vieram mesmo a calhar
para o dia que era, para se meterem nos canos das espingardas, nas blusas
entreabertas pela primavera, nas lapelas dos casacos ou dos corta-ventos. É a
flor símbolo, emblema, pelo colorido e aresistência (não é como as rosas, que
também podem ser vermelhas mas que são aparentemente delicadas, frágeis, se
desfolham, ou as papoilas…).
Já sobre a liberdade que se associa ao dia,
muito há a dizer. Que liberdade nos trouxe o 25 de Abril, aquele dia, e os que
se lhe seguiram? Foi, isso sem dúvida, a liberdade dos presos políticos – disso
posso e devo dar testemunho – mas mesmo essa, logo no próprio dia, foi
questionada e exigiu a resposta clara, diria mínima: TODOS OU NENHUM. Porque, se
algum ficasse, nem essa liberdade, dos presos políticos, dos que tinham lutado
para que houvesse um/o 25 de Abril, tinha sido conquistada.
Mas liberdade é uma palavra com muito(s)
poder(es) – dizia Éluard que, pelo poder dessa palavra recomeçaria a sua vida,
para a nomear, para a dizer, para a cantar acrescentamos nós.
E, neste 25 de Abril de 2020, pelas
circunstâncias de que somos feitos, muito se referiu a liberdade como se
estivesse faltando, como se uma situação chamada confinamento nos estivesse a
tirar A liberdade, ou, o que é ainda pior, estivesse a ser tirada a todos por
alguns que abusivamente se permitiam desfrutá-la. Que confusão, E que ausência
de ingenuidade. Que perversidade confundir liberdade (assim, sem complemento
directo, como valor e conceito) com confinamento, entre outras coisas com não
possibilidade ou direito de circular livremente.
E houve quem abusasse (esses sim) da liberdade
mínima e para todos para atacar a liberdade que nunca quiseram e não querem
para todos.
Daí, descarrila-mentes e dis-la-tes.
Aceito que haja mais que um conceito de liberdade,
porque não o tomo como valor absoluto, abstracto, por isso, ao afirmar o que
adoptei para mim, segundo o qual, um preso pode sentir-se livre, como dizia Ho-Chi-Min
(e outros), para o enunciar, cito dois autores. Para reflexão própria e sugestão
a outros.
Dizia Spinoza que a liberdade só pode nascer do conhecimento
da natureza pela razão e tem uma célebre formulação “a liberdade é a necessidade de que se tomou consciência”; e Lenine
(de que se assinalam os 150 anos do nascimento neste mês de Abril): “a liberdade, diga-se, é para toda a
revolução, socialista ou democrática, uma palavra de ordem absolutamente
essencial (,,,) se contrária à emancipação do trabalho da opressão capitalista,
a liberdade é um engano.”
4 comentários:
Bom texto.(comme d'habitude)."Por esta liberdade que é o terror/dos que sempre a violaram...Por esta liberdade/bela como a vida/temos que dar tudo/se for necessário/até a própria sombra/e nunca será bastante."Fayad Jamis,poeta cubano.(só alguns versos de um poema lindíssimo)Bjo
Este ano, no dia 25 de Abril, quando à janela gritei "Liberdade!", era a liberdade conquistada em 1974 que celebrava, mas confesso que me ocorreu dissertar sobre este mesmo assunto e dei comigo a perguntar-me se não seria humano e inevitável que muitos fraquejassem e caíssem no engano de se sentirem, neste confinamento, irmanados aos presos políticos e aos ideais de então...
Não fiz transpirar este meu pensamento. Pelo menos não assim, directamente. Tenho o bom (?) hábito de me manter em silêncio sempre que sei que alguém virá a escrevê-lo muito mais claramente do que eu o escreveria.
Nas imagens que repetidamente passam da libertação dos presos de Caxias, pareceu-me vê-lo de relance, Sérgio. Até comentei isso mesmo com a minha mulher. É mesmo o Sérgio que aparece? Acredito que seja um momento marcante para si. Devo dizer que me recordo das imagens a passar na TV, naqueles dias, e ter perguntado porque estavam a libertar os presos ... Para um miúdo de 9 anos o conceito de preso político não é dos mais fáceis de apreender ... Abraço
Pois sou eu. Com 39 anos, na madrugada do dia 27 de Abril. Foi como se tivesse nascido 2ª vez..., no fundo de um tunel escuro, a luz de faróis e lanternas... os meus pais (a minha companheira tinha sido expulsa uma semana antes e estava em Bruxelas). Tenho a história contada de várias maneiras em diferentes sítios. Far-lhe-ei chegar!
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