segunda-feira, abril 27, 2020

Descarrila-mentes e dis-la-tes - 6 - liberdade


Descarrila-mentes e dis-la-tes - 6 – liberdade

Estamos a viver os dias de 25 de Abril. Que não é só um dia. Porque houve os dias antes, o dia de 1974, os dias depois, e há, agora, estes, os de agora. Como houve os de entre o ano em que foi, o de 1974, e o deste de 2020, os dias desta data que foram sendo os vinte cincos-de-abril dos anos que foram sendo. Todos diferentes, todos especiais.
Mas este, o de 2020, foi… mais especial. Aconteceu, no mundo todo, no planeta Terra, qualquer coisa que o veio tornar não só diferente, não só especial, mas mais diferente, mais… especial.
Sempre foi sendo identificado como o dia dos cravos, da liberdade, da democracia. Dos cravos, não haverá muito que se lhe diga. Apareceram, por uma casualidade – conta-se… – e vieram mesmo a calhar para o dia que era, para se meterem nos canos das espingardas, nas blusas entreabertas pela primavera, nas lapelas dos casacos ou dos corta-ventos. É a flor símbolo, emblema, pelo colorido e aresistência (não é como as rosas, que também podem ser vermelhas mas que são aparentemente delicadas, frágeis, se desfolham, ou as papoilas…).
Já sobre a liberdade que se associa ao dia, muito há a dizer. Que liberdade nos trouxe o 25 de Abril, aquele dia, e os que se lhe seguiram? Foi, isso sem dúvida, a liberdade dos presos políticos – disso posso e devo dar testemunho – mas mesmo essa, logo no próprio dia, foi questionada e exigiu a resposta clara, diria mínima: TODOS OU NENHUM. Porque, se algum ficasse, nem essa liberdade, dos presos políticos, dos que tinham lutado para que houvesse um/o 25 de Abril, tinha sido conquistada.
Mas liberdade é uma palavra com muito(s) poder(es) – dizia Éluard que, pelo poder dessa palavra recomeçaria a sua vida, para a nomear, para a dizer, para a cantar acrescentamos nós.
E, neste 25 de Abril de 2020, pelas circunstâncias de que somos feitos, muito se referiu a liberdade como se estivesse faltando, como se uma situação chamada confinamento nos estivesse a tirar A liberdade, ou, o que é ainda pior, estivesse a ser tirada a todos por alguns que abusivamente se permitiam desfrutá-la. Que confusão, E que ausência de ingenuidade. Que perversidade confundir liberdade (assim, sem complemento directo, como valor e conceito) com confinamento, entre outras coisas com não possibilidade ou direito de circular livremente.
E houve quem abusasse (esses sim) da liberdade mínima e para todos para atacar a liberdade que nunca quiseram e não querem para todos.
Daí, descarrila-mentes e dis-la-tes.
Aceito que haja mais que um conceito de liberdade, porque não o tomo como valor absoluto, abstracto, por isso, ao afirmar o que adoptei para mim, segundo o qual, um preso pode sentir-se livre, como dizia Ho-Chi-Min (e outros), para o enunciar, cito dois autores. Para reflexão própria e sugestão a outros.
Dizia Spinoza que a liberdade só pode nascer do conhecimento da natureza pela razão e tem uma célebre formulação “a liberdade é a necessidade de que se tomou consciência”; e Lenine (de que se assinalam os 150 anos do nascimento neste mês de Abril): “a liberdade, diga-se, é para toda a revolução, socialista ou democrática, uma palavra de ordem absolutamente essencial (,,,) se contrária à emancipação do trabalho da opressão capitalista, a liberdade é um engano.”  

4 comentários:

Olinda disse...

Bom texto.(comme d'habitude)."Por esta liberdade que é o terror/dos que sempre a violaram...Por esta liberdade/bela como a vida/temos que dar tudo/se for necessário/até a própria sombra/e nunca será bastante."Fayad Jamis,poeta cubano.(só alguns versos de um poema lindíssimo)Bjo

Maria João Brito de Sousa disse...

Este ano, no dia 25 de Abril, quando à janela gritei "Liberdade!", era a liberdade conquistada em 1974 que celebrava, mas confesso que me ocorreu dissertar sobre este mesmo assunto e dei comigo a perguntar-me se não seria humano e inevitável que muitos fraquejassem e caíssem no engano de se sentirem, neste confinamento, irmanados aos presos políticos e aos ideais de então...

Não fiz transpirar este meu pensamento. Pelo menos não assim, directamente. Tenho o bom (?) hábito de me manter em silêncio sempre que sei que alguém virá a escrevê-lo muito mais claramente do que eu o escreveria.

João Baranda disse...

Nas imagens que repetidamente passam da libertação dos presos de Caxias, pareceu-me vê-lo de relance, Sérgio. Até comentei isso mesmo com a minha mulher. É mesmo o Sérgio que aparece? Acredito que seja um momento marcante para si. Devo dizer que me recordo das imagens a passar na TV, naqueles dias, e ter perguntado porque estavam a libertar os presos ... Para um miúdo de 9 anos o conceito de preso político não é dos mais fáceis de apreender ... Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Pois sou eu. Com 39 anos, na madrugada do dia 27 de Abril. Foi como se tivesse nascido 2ª vez..., no fundo de um tunel escuro, a luz de faróis e lanternas... os meus pais (a minha companheira tinha sido expulsa uma semana antes e estava em Bruxelas). Tenho a história contada de várias maneiras em diferentes sítios. Far-lhe-ei chegar!