- Edição Nº2420 - 16-4-2020
Lições
A pandemia terá um impacto tremendo. Põe a nu, e agrava qualitativamente, realidades sociais, económicas e políticas. A marca de classe é evidente.
Antes dos EUA se tornarem no campeão mundial, o Financial Times (6.3.20) antevia que a epidemia «poderia alastrar aí mais depressa do que noutros países», devido ao «alto número de pessoas sem seguros [de saúde], a inexistência de baixas médicas pagas e uma classe política que minimizou o risco». Na superpotência imperialista, onde não existe SNS, «mesmo os que têm [seguros] podem ter dificuldades em pagar as contribuições que garantem esses cuidados». O New York Times dizia que o encerramento de escolas na cidade seria «um último recurso», pois «há cerca de 750 000 crianças pobres, incluíndo cerca de 114 000 sem abrigo [!]. Para esses, a escola pode ser o único sítio que garante 3 refeições quentes por dia e cuidados médicos, ou mesmo a lavagem da roupa» (9.3.20). O COVID-19 veio depois.
Em Itália, o epicentro da epidemia foi a região industrial da Lombardia. Mas como conta a jornalista Alba Sidera numa revista espanhola (ctxt.es, 10.4.20), «por incrível que pareça, a zona [Val Seriana, em Bergamo] com mais mortos de coronavírus por habitante em Itália – e na Europa – nunca foi decretada zona vermelha» devido às pressões dos grandes industriais da região. «Quem tem interesse em manter as fábricas abertas são, em alguns casos, os mesmos com interesses nas clínicas privadas». Foi apenas sob a ameaça duma greve geral, perante as trágicas dimensões da epidemia, que foi decretado o encerramento das actividades não essenciais. Mesmo assim, a lista inicial de actividades essenciais incluía «a indústria armamentista e de munições» e os call-centers publicitários.
Em apenas 3 semanas, 17 milhões [!] de trabalhadores ficaram sem emprego nos EUA. As ajudas são escassas. Mas para o grande capital o dinheiro nunca falta. Já foram oficialmente reservados quase 5.000.000.000.000 de dólares. Como em 2008, o Estado vai pagar e endividar-se, mas o dinheiro público servirá para a banca lucrar e quem trabalha se endividar: «Embora os governos e bancos centrais forneçam grande parte do dinheiro, está-se a pedir aos prestamistas que funcionem como ‘correia de transmissão’ para assegurar que o apoio chegue às empresas e consumidores que dele mais necessitam» (FT, 1.4.20). A Reserva Federal está a comprar tudo, sem limites, para «evitar a derrocada dos mercados» (FT, 24.3.20). É a «’nacionalização’ dos mercados de Títulos […] com muitas grandes empresas a aproveitar para vender» (FT, 24.3.20) e até o «apoio ao mercado das dívidas de alto rendimento das grandes empresas» (FT, 9.4.20). O Zé Povinho que pague. As Emergências servem também para isso.
A «guerra das máscaras» evidencia o salve-se quem puder, e também os efeitos de destruir a produção nacional. Mas não só: «a Alemanha irá proteger as empresas nacionais da tomada de controlo pelo estrangeiro» (reuters.de, 20.3.20). Explica o Ministro de Estado da Baviera: «se a maioria da economia da Baviera e da Alemanha acabar nas mãos de estrangeiros […] não terá sido apenas uma crise sanitária, mas uma alteração profunda da ordem económica global […] temos que nos precaver». A realidade da ‘solidariedade Europeia’ é isto. A entrega da nossa soberania e da nossa economia é um crime.
Jorge Cadima
________________________________________________
... como é costume
1 comentário:
Uma excelente lição...como é costume!Bjo
Enviar um comentário