quinta-feira, setembro 29, 2011

Porque hoje é 5ª:





Anabela Fino
Sonhos e pesadelos

Os 100 dias do Governo de Passos Coelho «Tesoura» – ou será melhor dizer gadanha, já que é mesmo de ceifar vidas que se trata? – serviram de pretexto a múltiplas análises e avaliações de desempenho a cargo dos comentadores do costume. De uma forma geral, passaram como cão por vinha vindimada pelo facto incontornável de estes três meses terem ficado marcados por impostos, impostos e mais impostos, acrescidos de cortes e mais cortes nas prestações sociais, que é como quem diz marcados a ferro e fogo nas condições de vida dos portugueses. Nada que perturbe quem fala de cátedra – e de carteira folgada para além do fim do mês –, mais interessado em convencer o povo ignorante e mal agradecido de que os sacrifícios são inevitáveis, que os benefícios para todos são incomportáveis, que a Saúde é um luxo, tal como a Educação ou a Justiça, e – sobretudo – que essa coisa do trabalho com direitos é uma aberração dos tempos em que havia a Leste um bloco socialista, pelo que é preciso facilitar e embaratecer os despedimentos, liberalizar horários, reduzir subsídios de desemprego e obrigar à aceitação de trabalho pelo valor e nas condições que o patronato entender. Houve mesmo quem afirmasse – ignorando ou fingindo ignorar que os trabalhadores contribuem toda a sua vida activa para os subsídios que o Estado «dá» – que a redução do subsídio de desemprego será um contributo «para uma sociedade mais saudável», já que porá cobro às veleidades dos que acreditam que o trabalho escravo passou à história.

Ora foi neste contexto analítico que da BBC nos chegou, dia 27, uma curta mas bombástica entrevista com um agente bolsista, Alessio Rastani de seu nome, que com notável franqueza disse o que há muito se sabe mas é politicamente incorrecto dizer: «Esta crise é como um cancro. Se nos limitarmos a esperar pensando que vai passar, continuará a crescer como um cancro e então será demasiado tarde. O que aconselho a todos é que se preparem. Não vale a pena ter ilusões: os governos não dirigem o mundo, quem dirige o mundo é o Goldman Sachs [um dos maiores bancos de investimento] e este não quer saber do resgate do euro. O meu conselho é que cada um proteja o que tiver porque dentro de um ano milhões de pessoas perderão as suas poupanças. E isto é só o princípio».

O desbocado Rastani afirmou ainda que os mercados e os fundos de investimento «sabem que o mercado está queimado, acabado, e não se importam com o euro», pois a única coisa que lhes interessa é «ganhar dinheiro». O mesmo se passa com ele, Rastani, que «sonha» há três anos com uma nova recessão: «Porquê? Há muita gente que não se lembra, mas a recessão dos anos 30 não foi só o crash dos mercados. Havia gente preparada para ganhar dinheiro com essa derrocada. Quando o euro se afundar, quando o mercado se afundar, quem souber o que tem de fazer pode ganhar uma pipa de massa. Isso é uma oportunidade.»

Pelo andar da carruagem não custa acreditar que há por aí uns quantos «sonhadores» destes apostados em cavalgar a onda dos nossos piores pesadelos. A questão está em saber se se pode ou não liquidá-los. A resposta, por mais que certos comentadores nos tentem convencer do contrário, é afirmativa. Por isso sábado estaremos na rua. E todas as vezes que for preciso até liquidar o monstro.

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