Começo por afirmar a minha muita admiração pelo trabalhador e criador da palavra que é Mia Couto.
Corre na blogosfera um texto-intervenção de Mia Couto, sobre o medo. Muitos de nós o divulgam e convidam a divulgar.
Ouvi-o, primeiro desatentamente mas com encantamento. Porque é um texto encantatório. Algumas frases têm a sedução da construção que Mia Couto faz com as (e das) palavras, e são certeiras e dizem-nos dos medos em que nascemos, crescemos e vivemos. O seu final é serenamente empolgante e convoca à citação entusiasmada: as armas têm medo de falta de guerras (…) há quem tenha medo que o medo acabe!
Mas uma segunda audição, a que uma pequena “pedra no sapato” e o alerta de um camarada nos obrigaram, deixou-nos a pensar no espinho de uma flor, no ferrão de uma bela, laboriosa e simpática abelha, de como no melhor pano pode estar escondida um nódoa, ou na mais bela cesta de fruta pode vir uma apodrecida, em suma e sumo, como um texto formalmente (e não só) brilhante traz no conteúdo uma dose de veneno sob a forma de recheio de um pequeno rebuçado.
Falar do ateu barbudo alemão que sé nomeado como sendo Karl Marx e identificá-lo um simpático avô que não deixou descendente não é inocente, nem figura de estilo. É alinhar, com uma “boca”, entre os”passadores de certidões de óbito” do marxismo, e fazê-lo não como talvez distraída e original construção (com palavras) do que consensual seria, mas colocar mais uma pedra tumular com a discreta genialidade de uma embalagem bela e, por isso, convincente.
Que nos desculpem os amigos e camaradas que, entusiasmados (entusiasmedos, escreveria Mia Couto), que estão a divulgar o discurso do Mia Couto. Serei excessivo nos cuidados de vigilância ortodoxa, mas se não estivermos atentos, mesmo correndo o risco de excessivos nos cuidados, se não formos capazes de descobrir pitadas de veneno que se escondem no que nos é oferecido em bem confeccionados e saborosos pratos, estamos a ajudar a que, insidiosa - ainda que não intencionalmente -, nos envenenem e a divulgar o veneno com que outros estão já tão alimentados.
Um humilde “neto de Karl Marx”,
que só compreende o que se passa no mundo
com a ajuda do contributo do “avô”.
8 comentários:
Questão extremamente bem colocada. Creio que muitos dos teus visitantes vão reouvir o Mia e ter mais atenção às mensagens que lhes surgem pela palheta de bons prosadores.
Confesso que quando ouvi o video pela primeira vez fiquei deliciada com as palavras do Mia, embora tenha registado essa do avô barbudo. Mas a parte final da intervenção dele valeu para colocar o video no meu blog.
Esta questão que agora colocas e para a qual já tinha sido alertada por quem me antecede nos comentários é de facto bem colocada, pelo que a vigilância revolucionária e atenta tem de ser uma obrigação nossa, diária, e a cada momento.
Obrigada, Sérgio, os teus post são uma mais valia para nós todos (alguns menos atentos...)
Beijo.
Obrigado, Sérgio, pela tua chamada de atenção.
Vigilantes e atentos,antes que nos acertem,mesmo dizendo que foi sem querer.
Um abraço,
mário
Faço minhas as palavras da Maria(foi no seu blog que ouvi Mia Couto).
Obrigada camarada "Anónimo" pelo alerta¡
Querido camarada e professor Sérgio,
Como escreveu Cid Simões, o que muitos de nós iríamos fazer, também eu fui reouvir Mia Couto.
Na realidade, quando da 1ª vez ouvi o texto, não gostei de ouvir a forma como identificou Karl Marx, voltei atrás e pensei que teria utilizado esta frase como uma propositada provocação, uma figura de estilo, neste caso a metáfora (talvez inadequada), tendo escrito um termo que não mostrou com exactidão quem refere( Karl Marx). Contudo, o escritor tem o poder de criar, pois a metáfora é o resultado da fantasia subjectiva de quem a cria. Sabia que ele iria repor uma qualquer frase, contrariando a provocação. (não sei se me estou fazer entender).
Como rapidamente ele passa a dizer “…em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades…” continuando com o armamento e começa (para mim) o esquecimento da “provocação/figura de estilo” ou seja, fui levada, pelo Mia Couto, o escritor que inventa novas palavras a cada livro que escreve e eu tanto gosto de o ler.
Esqueci-me que Mia é biólogo, conhece bem as cicutas, envenenou-me sem que eu tivesse dado conta.
A culpa foi minha.
Sem desculpa, nem perdão por esta minha gravíssima desatenção, o mais que posso fazer é reenviar o teu texto(post).
Agradeço esta tão importante chamada de atenção.
Karl Marx deixou para Sempre muitos netos e tu camarada és um digno descentente.
GD BJ,
GR
Grande texto, à altura literária de uma chamada de atenção a Mia Couto:-))))
Também a mim me passou despercebida a gotinha de veneno destilada por Mia Couto. Obrigada pela chamada de atenção. Vou passar a ler os textos com mais cuidado.
Um beijo, querido neto de karl Marx.
É para mim uma honra ter-te como amigo.
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