sábado, junho 02, 2012

Sobre Francisco Vieira de Figueiredo

A sessão de ontem, na Junta da Freguesia da Atouguia, talvez mereça ser referida. Este personagem histórico, Francisco Vieira de Figueiredo, que há muito me interessa (não como historiador ou investigador...), motivou uma verdadeira conferência do Doutor António Rodrigues Baptista, a que se seguiu um comentário meu e uma conversa animada. 

Pelo meu lado, depois de uma introdução, em que procurei estimular a nossa “auto-estima” (não só de futebol ela se pode alimentar!) com o facto histórico da descoberta de caminhos marítimos (citando Adam Smith, Marx, Boxer, Gómora), facto consolidador da nossa nacionalidade e origem de tanta coisa, entrei na leitura de texto (sem a ilustração anexa… ) que resumo, e que intercalei com outros apartes:

Francisco Vieira de Figueiredo nasceu em Portugal, em 1610/12, então sob domínio de Espanha, no nosso Zambujal – aldeia de emigrantes num concelho de emigrantes, num país de descoberta de caminhos para os outros percorrerem e explorarem.
(…)
Lembro 1640, como muito me lembro de um certo Conde de Ourém (o 2º), também Conde de Andeiro, ligado a 1383 e violentamente justiçado na luta pela afirmação da nossa nacionalidade e soberania.
Mas se assim o localizamos (e nos localizamos) – europeus mas ibéricos, ibéricos mas portugueses – somos um povo que se formou, que tomou forma, a correr mundo e a descobrir caminhos para os mundos outros.
(…)
E são esses outros, lá mais do norte, que têm vindo, arrogantemente, pedir-nos contas porque nos distraímos, porque não fizemos bem as nossas contas, dizendo-nos que trabalhamos pouco e gastamos demais, e nos exigem mais e mais e sempre mais, sem nada resolverem, enquanto uns “de fora” e uns poucos “cá de dentro” bem aproveitaram, ao longo dos séculos, e bem aproveitam, agora, as nossas “distracções” e internas cumplicidades, e até querem fazer crer que foram eles que descobriram caminhos marítimos e/ou a eles devemos o que nos impuseram ficar a dever-lhes por produzirem o que nos proibiram de produzir, no mar nosso e na nossa terra.
Adiante. Nenhum desespero. Cá nos desenrascaremos (que é verbo nosso como temos nossa uma sina ou nosso um fado!).
Desenrascar-nos-emos, como lá por fora o fazemos, com tão reconhecida e elogiada qualidade… e bem aproveitada produtividade.
Mas quando é que aprenderemos as lições da História? Quando a estudaremos de outra maneira?
Estudemos os nossos Afonsos Henriques, Nunos Álvares Pereira (outro conde de Ourém, como o seu neto Afonso, o quarto), Vascos da Gama, Pedros e Bartolomeus, Franciscos Vieira de Figueiredo, Marqueses de Pombal, Egas Moniz (destes, houve dois e um deles Prémio Nobel), Saramagos, Eças e Aquilinos, e mais tantos... mas não como indivíduos, aprendamos com eles mas como sinais e ilustrações de um todo historicamente amassado.
Como povo que somos!

Coloquemo-nos no tempo – fale-se aqui, e onde for, de há 400 anos, de quando nasceu o nosso Francisco que tanto nos honra (…) e também do que se pode ler quando se passeia por há mais de 628 anos, com as desventuras do 2º Conde de Ourém, o tal de Andeiro, depois, por um 1º de Dezembro de há 372 anos, como se tivessem sido pequenos saltos e um grande pulo para hoje.
Lembrar Francisco Vieira de Figueiredo ensina-nos a que não nos devemos angustiar nos escassos anos, ou décadas que sejam, que vivemos, como se estes fugidios tempos fossem o princípio e o fim de tudo! E mais, Francisco Vieira de Figueiredo ajuda-nos a compreender porque não é aceitável que, pelas paragens por onde ele andou, tanto lutando para preservar o que era nosso, alguém hoje ande a oferecer, a bom preço, o que nosso é.

Os portugueses de per si, mas ajudando-se, solidários, têm-se desenrascado por Franças, Araganças, Américas do norte e Brasis do sul, por Áfricas e Orientes próximos, médios e longínquos, como foi o caso de Vieira de Figueiredo.

O Doutor António Baptista mostra muito bem como FVF optou por ser outro, e ao serviço de Portugal, depois de 1640, e como defendeu a presença de Portugal, de onde a cobiça dos outros nos queria expulsar, metido entre guerras de interesses, entre espanhóis, holandeses e ingleses
E tanto o teria feito que por isso teve o fim que teve, assassinado por incómodo ser.

Pois sejamos incómodos.
Enquanto corpo uno, pátrio e mátrio, de vez em quando este todo que somos encontra-se e faz grandes feitos, que são colectivos, embora com protagonistas como Vieira de Figueiredo ou anónimos heróis que a História não lembrará.

Temos datas e anos - 1383, 1640, 1755 (o terramoto que destruiu a nossa Vila de Ourém e a sua Sé Colegiada, de que recuperámos com galhardia), 1910, 1974 –, datas que no-lo lembram, apesar da nossa propensão para o esquecimento, que tanto é estimulada selectivamente.
A memória e a vida de homens como este nascido no Zambujal (e tantos outros, como os que, hoje, aqui não vêem saídas e as procuram algures) ajudam-nos a refrescar a memória.
E a lutar por um futuro melhor que os dias que, hoje, se vivem.

Francisco Vieira de Figueiredo partiu do Zambujal e não teve a possibilidade de voltar, como desejaria.
E prestigiou-nos ao deixar nome e patriotismo inscritos na História!
E é preciso lembrar.
Há que preservar a memória de quem nos dignificou e pode dar, hoje, força para continuarmos a merecer ser seus conterrâneos, nós que seus contemporâneos não fomos.
Em Ourém, na Atouguia, no Zambujal, é necessário que haja placas, toponímicas ou outras, que nos levem, a nós e aos que vierem depois de nós, a perguntar quem foi Francisco Vieira de Figueiredo e o que lhe devemos.
(…)

9 comentários:

Carlos Gomes disse...

Gosto deste artigo mas merecia vários comentários que resultariam num longo debate. E aqui não existe espaço para tal. Mas permita-me que deixe uns tópicos.
Até que ponto a respeito do Conde Andeiro não estamos a seguir a versão oficial que nos foi deixada por Fernão Lopes? Foi Fernão Anes (Andeiro) que negociou a aliança com a Inglaterra que, afinal de contas, nos permitiu defender dos castelhanos...
Nas datas que menciona, existe uma que ficou esquecida e que talvez seja a mais marcante na História do Concelho de Ourém: é a que se refere às invasões francesas com toda a sorte de vandalismo e criminalidade que envolveu e que inclui a destruição pelo fogo da capela de S. Sebastião, na Atouguia!
A memória e o esquecimento são duas faces de uma política que utiliza os fatos históricos de acordo com os seus interesses e a sua ideologia. Apesar das relações de amizade que atualmente ligam Portugal à França e a importância da emigração portuguesa naquele país, a memória deve ser preservada tal como a própria França o faz em relação à Alemanha.

Carlos Gomes disse...

Correção: João Fernandes (Andeiro)

José Rodrigues disse...

No meio do texto aparece uma figura que mais parece o "zé das medalhas".Terá alguma conexão com gente ligada à operação monte branco-lavagem de $$$$-Cabo Verde e Ciª?!...

Abraço

Graciete Rietsch disse...

Não conhecia esta personalidade.
Mas fiquei a saber que,na época, defendeu os interesses de Portugal quando, hoje, os responaáveis por este País os entregam aos que,antigamente, os cobiçavam.

Um beijo.

Sérgio Ribeiro disse...

Caro Carlos Gomes, o seu comentário foi-me útil (como sempre, mesmo quando não estamos de acordo). A versão sobre a intervenção histórica de João Fernandes (Andeiro) não é consensual. Como, em História, pouco ou nada há de consensual, até porque é escrita pelos vencedores, ou pelos que tal se julgam e empunham ou mandam empunhar a caneta para lhes contarem os feitos.
Por outro lado, não referi as invasões francesas porque epenas estava a citar momentos em que o povo se ergueu e foi mesmo protagonista e não estou certo que muito o tenha sido durante essas invasões, além de que só meti o terramoto de 1755 para não ficar um grande buraco entre o século XVII e o século XX (e foi em aparte, de improviso).
De onde, não enfio a carapuça de utilizar (ou melhor, manipular) factos históricos de acordo com os meus interesses e a minha ideologia, embora naturalmente o faça mas não os manipulando batoteiramente.

Saudações amistosas

Sérgio Ribeiro disse...

José Rodrigues - Acho que é quem andou recentemente pelasparagens onde FVF defendeu os interesses portugueses a oferecer pedaços que são portugueses e a preço de saldo...

Um abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Graciete - Aí está o que importa, hoje!, sublinhar. Acho eu...

Beijos

Carlos Gomes disse...

Dr Sérgio,
Não pretendi acusá-lo de manipular os fatos históricos mas antes afirmar que aquilo que atualmente damos por historicamente correto não é tanto assim. E, precisamente, a questão das invasões francesas é disso um exemplo. É exatamente um dos casos em que o povo se ergueu como protagonista, tendo para tal muito contribuído o general Miguel Pereira Forjaz que foi por todo o país organizar as ordenanças ou seja, as milícias populares.
O escritor Raul Brandão descreve em "El Rei Junot", de forma notável, a sua acção. Mas, Miguel Pereira Forjaz que era Conde da Feira foi banido da História a tal ponto que existem edições daquela obra em que as passagens a que se refere foram liminarmente suprimidas. Eu possuo uma dessas edições... não obstante, a passagem é transcrita na História de Portugal da Portugália Monumenta Editora.
E porque foi a ação de Miguel Pereira Forjaz rasurada da historiografia oficial? Precisamente porque, tendo conhecimento de que seu primo, o general Gomes Freire de Andrade, então grão-mestre da maçonaria, planeava um golpe simultaneamente em Portugal e no Brasil, ordenou a sua execução. Aliás, o caso serviu de argumento à peça "Felizmente há Luar" de Luís de Stau Monteiro que também ele seguiu a versão oficial contada pelos vencedores... de 1820!

Carlos Gomes disse...

Em relação ao condado de Ourém, este foi desde D. Afonso Telo de Menezes (tio de Leonor Teles) alvo do confronto entre dois partidos da nobreza.
A acusação de que João Fernandes Andeiro manteria ligações amorosas com Leonor Teles terá sido com toda a probabilidade mera manipulação do povo, da mesma forma que também o foi quando correram a anunciar de que o Mestre corria perigo...
Os fatos históricos a essa altura ocorridos remetem-nos para outros de alguma forma idênticos, relacionando D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, com outro galego, D. Fernão Peres de Trava.
À aspiração comum da nobreza galega e portuguesa que se manteve por vários séculos a uma união política da Galiza e Portugal, contrapôs-se os interesses de uma nova fidalguia em ascenção sobretudo na região duriense que viu em D. Afonso Henriques a oportunidade de eleger um líder do seu partido.
Em 1383, temos uma burguesia em ascenção e podemos inclusive afirmar de que se trata já de uma revolução burguesa à qual se associam os nobres de mais baixa condição pois, a maior parte da grande nobreza recusou-se a aclamar o Mestre de Avis.