terça-feira, agosto 14, 2012

Aproveitado de uma espécie de diário - 1

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No dia de ontem, li bastante, e com enorme gozo, o Journal d’un corps, de que trouxe uma página para traduzir, hoje e livremente (e só assim, e aqui, porque leio Pennac como intraduzível!).

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De uma nota para Lison (a quem foi deixado o diário ficcionado que Daniel Pennac transformou num livro… “dos seus”), e em que justifica dois anos – entre os os 19 e os 21 anos - sem diário porque foram anos em que aderiu à resistência clandestina e, nesta, não há lugar para diários, por razões de segurança:

«Não sei se já alguém se debruçou sobre a questão da saúde nas lutas clandestinas mas é um terreno a cavar. Vi muito poucos doentes entre os camaradas. Nós tínhamos imposto tudo ao nosso corpo: a fome, a sede, o frio, o desconforto, a insónia, o esgotamento, o medo, a solidão, o confinamento, o aborrecimento, as feridas, eram ignorados. Nós não ficamos doentes. Uma desinteria era ocasional, uma constipação era depressa curada, por necessidade de tarefas, nada de sério… Dormíamos de barriga vazia, caminhávamos com os joelhos esfolados ou a clavícula esmagada, não éramos bonitos de ver, barba por fazer e dentes sujos,… mas o nosso corpo não parava (…) era o espírito que estava mobilizado e não o corpo. Qualquer outro nome se lhe pode dar, espírito de revolta, patriotismo, ódio ao ocupante, desejo de vingança, gosto de aventura, ideal político, fraternidade,  perspectiva da libertação, o que quer que seja, isso dava-nos boa saúde, O nosso espírito punha o nosso corpo ao serviço de um grande corpo de combate. O que não impedia, evidentemente, as rivalidades, cada tendência política preparando a paz à sua maneira, com a sua ideia da França livre mas, no combate contra o invasor, a Resistência, por diversificada que fosse, sempre me pareceu formar um único corpo. Conquistada a paz, o grande corpo devolvia a cada um de nós o seu fardo de células pessoais e, assim, às suas contradições.(…)»
(página 115)

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