Pacifistas querem suspender
reality show bélico dos EUA
O peso moral de nove ganhadores do Prêmio Nobel da Paz não tem comparação, parece, diante do poder comercial de uma das maiores emissoras dos Estados Unidos. A NBC (...) descartou os desejos do arcebispo Desmond Tutu e de outros premiados como o argentino Adolfo Pérez Esquivel que rogaram para que retirasse do ar um novo reality show que, dizem, “compara a guerra à competição esportiva”.
Equipe do 'Stars Earn Stripes'
A NBC continuou com a transmissão de seu show, Stars Earn Stripes (Estrelas ganham prêmios), no qual celebridades menores realizam um treinamento militar simulado, que inclui pular de um helicóptero em águas frias e armas de fogo de longo alcance, tudo sob a direção do general retirado e ex-comandante das Forças da Otan na Europa, Wesley Clark.
As estrelas, como tais, são as típicas do mundinho do reality televisivo. Entre eles estão Todd Palin, marido da ex-governadora do Alasca Sarah Palin, apelidado de “Rambo” no show; o ator Dean Cain, novamente no horário nobre, 15 anos depois de ter atuado como protagonista na série sobre Superman Lois e Clark; Laila Ali, filha do lendário boxeador Muhammad Ali, e a esquiadora olímpica Picabo Street, entre outros. O elenco é formado por cinco homens e três mulheres. O vencedor do concurso deverá destinar o dinheiro do prêmio a uma ONG de sua escolha, algo que suscitou críticas.
A diferença entre o show e a atividade militar real, como assinalam os pacifistas, é que é improvável que alguma das celebridades vá ser morta ou fique traumatizada. “Preparar-se para a guerra não é nem divertido nem entretido”, escreveram os nove laureados Prêmio Nobel em uma carta aberta à NBC. “Este programa não rende tributo a ninguém e continua a nossa vergonhosa tradição de glorificar a guerra e a violência armada. Querer dar uma versão asséptica da guerra ao compará-la com uma competição esportiva implica em questionar a moralidade e a ética de relacionar o exército com a indústria do entretenimento em apenas velados esforços para que a guerra e seus infinitos custos sejam mais agradáveis ao público”.
Além do arcebispo Tutu, a carta é assinada por outros oito ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, entre os quais se encontram Jody Williams, que ganhou o prêmio da Paz em 1997 por seu trabalho para proibir as minas terrestres; o ex-presidente da Costa Rica Oscar Arias, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, a guatemalteca Rigoberta Menchú, as irlandesas Betty Williams e Mairea Corrigan-Maguire e a iraniana Shirin Ebadi.
“A verdadeira guerra é mortal. Pessoas – militares e civis – morrem de todas as formas imagináveis, mas não entretidas”, diz a carta. “Comunidades e sociedades ficam destroçadas com o conflito armado e suas consequências”.
A publicidade do Stars Earn Stripes disfarçou o show como “uma homenagem aos homens e mulheres que servem nas Forças Armadas dos Estados Unidos”, ao passo que os oficiais das Forças Especiais de Operações envolvidas no show justificaram-no como uma ferramenta de recrutamento. Mas mesmo alguns grupos veteranos expressaram seu horror. Amy Fairweather, diretora de política na organização de veteranos Swords to Plougshares (Espadas para os Arados), disse à revista Radas na semana passada que o show “trivializa a guerra, cujas consequências reais não são que se perde a competição; as consequências são que não se pode prosseguir com sua vida”.
Na mídia norte-americana também se questiona o sentido do programa que estreou na segunda-feira. “Talvez teria tido mais eco se tivesse ido ao ar nos piores dias da guerra do Iraque”, assinala o The Washington Post. Para o The New York Times, agradecer às tropas o seu sacrifício é um gesto honrado, “mas também algo fácil de explorar por qualquer um que busque aplausos, alguns votos ou, talvez, índices melhores de audiência”. O El País, de Madri, escreveu que o general Clark justificou sua participação no reality show porque “ajuda a aproximar o povo norte-americano dos indivíduos que tanto se sacrificaram por todos nós”.
O Stars Earn Stripes, no entanto, estreou com números altos – 5,15 milhões de espectadores, convertendo-se no show número cinco no horário nobre na segunda-feira em todas as redes – e a NBC descartou as preocupações quando a carta dos laureados chegou a apenas poucas horas do início da transmissão. Um porta-voz da cadeia disse: “Este show não é uma glorificação da guerra, mas uma glorificação do serviço”.
Fonte: Página/12
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