QUASE POR
ACASO
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Não!, não vou
escrever sobre a vandalização da estátua de António Vieira. Não vou galopar
nessa correria sem jeito nem destino com que nos querem distrair daquilo a que
deveríamos estar atentos.
Mas custa ver
lembrado esse nome pelos motivos pelos quais foi. E dos quais nem uma palavra
direi. Não por exaltada indignação, que nem é caso para isso. Mas para não
entrar em jogos com que alguns nos querem entreter.
Ora, já que
lembrado foi o nome, direi dele uma coisa que me recordou, para além daquelas
que a escola pública e universal teria a obrigação de ensinar e que, se calhar,
só foi que o dito António Vieira era padre. E tão padre foi que lhe ficou o
ministério agarrado como primeiro nome.
Do que me
lembrei foi que, há 42 anos por Janeiro, fazia o meu pai 80 anos, a que tanto
se esforçara por chegar, tão agarrado à vida que era.
Queria eu, seu
filho único, dar-lhe uma prenda que não fosse uma gravata, um par de meias ou
um lenço, que muitas dessas iria receber, indiferente e agradecido, mas algo
que mais tivesse a ver com ele, com a sua vida. Comprei-lhe um livro. Bonito,
bem ilustrado (João Abel Manta!), encadernado, que até só como objecto, pensei, lhe iria agradar, a
ele que vivera muito da sua vida activa em tipografias, encadernações, papeis,
cartolinas e congéneres.
Mas não só
isso. Também a minha dedicatória, o título e o autor.
A minha dedicatória foi
Para começares a aprender o que nunca soubeste fazer,
comerciante por errada vocação. No festejo do 80º aniversário com um beijo do
ARTE DE FURTAR
e porque foi a
homenagem de um filho a um pai, que, às vezes, como que se desculpava de não
ter enriquecido por nunca ter sabido roubar… isto sem qualquer conotação entre
a vida de comerciante e a arte de roubar…
O nome do autor não aparece onde é
costume, e a apresentação diz que, em edições ao longo dos séculos (o
manuscrito é do século xvii) teve vários nomes no frontispício, a começar pelo
do Padre António Vieira, João Pinto Ribeiro, Tomé Pinheiro da Veiga, Duarte
Ribeiro de Macedo, António da Silva e Sousa, Padre Manuel da Costa, D.
Francisco Manuel de Melo…
De qualquer
modo, esta obra “… veio a lume pela
primeira vez, em 1652, pela mão roubada do Padre António Vieira…”. E lê-se
mais adiante da apresentação “Acreditamos
que uma «Arte de Furtar» escrita hoje alargaria consideravelmente os horizontes
deste jardim zoológico da trapaça, do logro e do embuste por onde o Autor nos
leva a passear.”
E é tudo. Salvo ler, conhecer, aprender,
falar do que se sabe, sabendo que é pouco.
2 comentários:
Bonita história.Sempre pensei que "A arte de furtar"fosse da autoria do padre António Vieira.Uma obra bem crítica e que continua actualizada.Bjo
Muito bom texto, dá vontade de reler a obra!
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