Nem a ameaça de novos conflitos com o tribunal
constitucional alemão, nem o conforto trazido pelo facto de
os governos estarem finalmente a avançar com planos de estímulo orçamental mais
ambiciosos, impediram que o Banco Central Europeu (BCE) voltasse esta
quinta-feira a reforçar de forma inesperadamente agressiva as suas medidas de
apoio à economia. Em Frankfurt, a brusca contracção da actividade económica na
zona euro e os riscos acrescidos de entrada em deflação parecem continuar a
assustar, tornando claro para Christine Lagarde e os seus pares que não é ainda
tempo para fazer uma pausa.
Num movimento que surpreendeu a generalidade dos analistas pela sua
dimensão, os membros do conselho de governadores do BCE decidiram
reforçar de 750 mil milhões de euros para 1350 mil
milhões de euros o plano de compras de activos (principalmente títulos de
dívida pública) que tinham lançado em Março para responder aos efeitos da
pandemia.
Para além disso, a duração mínima do plano, que até aqui era o final de
2020, foi prolongada em seis meses para o final de Junho de 2021, tendo o BCE
passado igualmente a garantir que, pelo menos até ao final de 2022, irá
substituir com novas compras todos os títulos de dívida entretanto adquiridos e
que atinjam a sua maturidade.
Para Portugal, o que este reforço do 600 mil milhões de euros nas compras
pode significar, tendo em conta as compras de dívida privada que são feitas e a
percentagem de capital do país no BCE, é um aumento das compras de dívida
pública nacional por parte do banco central próxima de 12 mil milhões de euros,
acrescentando aos cerca de 15 mil milhões do programa já previstos e aos cerca
de 400 milhões ao mês relativos ao programa de compra de activos normal do BCE,
que se mantém em vigor.
Sinais “tépidos” de retoma
A decisão de reforçar as suas compras de dívida já era esperada nos
mercados. Nos primeiros dois meses de aplicação do programa, os bancos centrais
da zona euro estavam a realizar compras a um ritmo que, a manter-se,
significaria que os 750 mil milhões de euros previstos não chegariam até ao
final do ano.
No entanto, o reforço de 600 mil milhões de euros superou largamente a
generalidade das expectativas. Havia mesmo quem apostasse que, num cenário em
que o BCE parece estar a conseguir controlar melhor os movimentos
das taxas de juro dos países do sul e em que se tenta
evitar uma escalada do conflito entre o tribunal constitucional
alemão e o banco central, Christine Lagarde pudesse optar por adiar
novas acções para a reunião de Julho.
No entanto, aquilo que parece ter acontecido é que a forma como está a
evoluir a economia retirou ao BCE espaço de manobra para gerir as suas
intervenções. “A zona euro está a passar por uma contracção
sem precedentes”, afirmou na conferência de imprensa de apresentação
das medidas, onde foram divulgadas as novas previsões do banco central para o
crescimento da economia e para a inflação.
Essas novas previsões mostram aquilo que preocupa o BCE: uma travagem da
economia com pressões deflacionistas que colocam a autoridade monetária
europeia ainda mais longe do seu objectivo de estabilidade de preços (definido como
uma inflação abaixo mas perto de 2% no médio prazo). O BCE prevê que a economia
da zona euro caia 8,7% este ano e depois recupere 5,2% em 2021 e 3,3% em 2022.
Para a taxa de inflação, a previsão é de um valor de 0,3% este ano e depois uma
subida para 0,8% em 2021 e 1,3% em 2022.
E mesmo assim, dentro do BCE, existe a noção de
que as coisas podem ser ainda piores, tendo Christine Lagarde assinalado que os
sinais de retoma até agora são “tépidos” e que os riscos de revisão do cenário
base são descendentes.
Alemanha injecta 130 mil milhões
Onde as coisas parecem estar a correr mais de acordo com os desejos do BCE
é no apoio que os governos estão a mostrar ser capazes de dar à economia. Nos
últimos anos, Mario Draghi primeiro, e Christine Lagarde depois, apelaram
repetidamente aos governos para não deixarem o banco central sozinho no seu
combate ao fraco desempenho da economia da zona euro e aos riscos de escalada
das taxas de juro da dívida de alguns países.
Nas últimas semanas, os governos deram sinais de que estão agora dispostos
a dar esse contributo. Em primeiro lugar, mostrando que é viável o
lançamento de um “novo Plano Marshall”. A proposta da Comissão
Europeia de um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros, ainda não aprovada mas com o
apoio de França e Alemanha, foi classificada por Lagarde como “ambiciosa” e
poderá cumprir esse papel.
E depois, por via de planos de estímulos económicos nacionais de dimensão
inédita. Em particular, a maior economia da zona euro, a Alemanha, parece
decidida a abandonar a política de grande prudência orçamental da última década
e anunciou o lançamento de um novo pacote de estímulo,
desta vez de 130 mil milhões de euros, com que Angela Merkel pretende, não só
combater a crise, como também aproveitar para preparar a economia alemã para
alguns dos principais desafios do futuro, seja a nível digital como
É verdade que um plano de 130 mil milhões de euros comprova as diferentes
capacidades de reacção à crise que os diversos países da zona euro têm, algo que poderá agravar as divergências entre ricos e pobres.
Mas podem também ser vistos como uma ajuda, não só para a economia alemã, mas
para os outros países, como Portugal, que podem vir a beneficiar de um reforço da procura.
A Alemanha foi ao longo dos últimos anos criticada por alguns dos seus
parceiros europeus pelo excesso de poupança que prejudicava a evolução da
procura interna da economia europeia. Agora, tem mais um plano de 130 mil
milhões de euros, que, para além de servir para injectar dinheiro em algumas
das grandes empresas alemãs em dificuldades, coloca o investimento público a níveis mais elevados.
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1 comentário:
Não percebo de economia,mas sinto "na pele" os seus efeitos.O apoio à economia do BCE,como centro de decisão-dominação,tem contribuído para o agravamento das desigualdades entre os estados-membros.Vem aí mais "submissão"Bom fim de semana
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