quinta-feira, junho 04, 2020

No(s) fundo(s), a discussão desta proposta só agora se inicia

 - Edição Nº2427  -  4-6-2020

A propósito de um número redondo

O número, redondo, encheu as notícias. A dramatização de semanas deu lugar a amplo regozijo, perante tão superlativa demonstração de «solidariedade»: de Bruxelas viriam 750 mil milhões de euros para promover a «recuperação». Se lhe juntarmos o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, ou seja, o orçamento da UE para os próximos sete anos, na sua versão revista e agora anunciada, temos um total de 1,85 biliões de euros.
O ruído mediático e a superficialidade na abordagem do assunto tornam ainda mais necessária uma análise objectiva e detalhada do que foi proposto pela Comissão Europeia.
A proposta revista de orçamento para o período 2021-2027 (1,1 biliões de euros) sofreu um corte de 3 por cento, face à proposta anunciada há dois anos e que vinha sendo discutida desde então. Enquanto se aguarda uma clarificação sobre quanto caberá a cada país receber, nomeadamente ao abrigo da política de coesão e da política agrícola comum, o facto da proposta anterior (mais generosa) determinar para Portugal um corte significativo nestas duas áreas, não é propriamente tranquilizador.
Quanto ao «fundo de recuperação», importa separar o trigo do joio, não misturar alhos com bugalhos. Um terço dos 750 mil milhões de euros serão destinados a empréstimos, em condições ainda por definir. Sobram 500 mil milhões de euros, que se diz serem para subvenções aos Estados.
Este fundo será constituído a partir da emissão de dívida, pela Comissão Europeia, nos mercados financeiros. O reembolso desta dívida e os respetivos juros (cuja taxa é ainda desconhecida) ocorrerá por via do orçamento da UE, num período alargado. Neste caso, os empréstimos - porque de empréstimos se trata também - não se somam directamente à dívida dos Estados, uma vez que a dívida é contraída pela UE, mas são os Estados, enquanto principais financiadores do orçamento da UE, quem garantirá, em última instância, o seu reembolso. Daí as resistências que alguns países já manifestaram. Entretanto, face a esta circunstância, será grande a pressão para a criação de «impostos europeus», que funcionem como novas fontes de receita do orçamento da UE, diminuindo as contribuições nacionais directas, assim se procurando apaziguar tais resistências. Sublinhe-se, todavia, que tais impostos, constituindo receitas da UE, por ela administradas, deixariam de constituir receitas nacionais.
De acordo com este modelo, aquilo que cada um encaixar agora, ao abrigo do «fundo de recuperação», constituirá um recebimento adiantado por conta de pagamentos futuros, via orçamento da UE. Dito de outra forma, e dando um renovado sentido à expressão «a fundo perdido»: fundo recebido agora, fundo perdido mais à frente. Mesmo que a diluição no tempo ajude a desvanecer esse efeito.
Tão importante como saber quem recebe e quem paga é saber como será utilizado o dinheiro. Aqui, os condicionalismos são diversos, designadamente ao nível da implementação das políticas e das «reformas» preconizadas pela UE. Valem as prioridades definidas pela UE - ou seja, escolhidas pelas principais potências, no seu próprio interesse - e não as necessidades e prioridades de cada país.
A discussão desta proposta só agora se inicia.

João Ferreira
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MAS JÁ PARA AÍ FOGUETÓRIO
UM D.SEBASTIÃO COSTA CENTENO
UM RIO COM PLANO

1 comentário:

Olinda disse...

A mão de quem recebe fica sempre por baixo da mão de quem dá.Acresce,que nesta proposta,nada é dado.Só a falta de patriotismo,pode fazer estalar os foguetes.Bjo