quarta-feira, junho 17, 2020

Mais Caraça, há 80 anos

Citação (entre muitas possíveis e desejáveis!) de Bento de Jesus Caraça:

"Assistimos aqui a um despertar das massas, mas apenas num sentido, digamos, negativo; um despertar que reage apenas contra a injustiça de que se sente vítima; um despertar truculento que não atinge a profundidade do sentido da reflexão e da justiça; acima de tudo, um despertar orientado sem grandeza. Mas essa profundidade e essa grandeza, não é já sob a conduta de Hitler que podem ser atingidas. (…) Hitler apega-se ao que é fácil, ao que é transitório - a expansão imperialista – para mascarar a sua falência na política interior. O resto ultrapassa-o. De modo que todo o problema está nisto - saber em que grau o despertar da alma colectiva das massas na Alemanha é independente de Hitler e quando, afastado este, esse despertar entrará na fase, por enquanto não atingida, das realizações duradouras e fecundas. Será preciso dizer que aqui se contém, neste momento, a chave dos destinos da Europa?”
Continuava Caraça:
“Mas não nos iludamos. Se o enunciar da questão parece fácil e claro, a sua resolução afigura-se-me extremamente difícil. Ao analisá-la do ponto de vista internacional (e só assim pode ser estudada) surgem as complicações, tais e de tão estranho carácter, que se não enxerga, no meio de tantas possibilidades, qual o caminho necessário de saída. A hegemonia de Hitler sobre o centro da Europa cortando-a em duas, do Báltico ao Mediterrâneo, hegemonia conseguida através da aliança com a Itália (a primeira grande vítima futura de tudo isto) é um facto inegável, uma realidade política, económica e geográfica. Mas grande nau, grande tormenta; essa hegemonia acabou por provocar, como reacção, uma conjugação poderosa de forças opostas a qualquer novo acto de expansão imperialista na Europa. À primeira vista, parece ser Hitler o inimigo nº 1 dessas forças postas ao serviço da paz (15) e por um lado assim é; no entanto, Hitler é hoje um homem absolutamente indispensável na Europa capitalista…”

Este trecho foi escrito em Maio de 1939, em complemento da conferência de Maio de 1933, e Caraça terminava-o reiterando:


“De modo que mais necessário e urgente que nunca, para pôr termo a esta coisa sórdida, anti-racional, a esta macacada que é a política europeia presente, mais necessário que nunca é e continua a ser despertar a alma colectiva das massas.” 

A Cultura Integral do Indivíduo – problema central do nosso tempo, 1933-1939



1 comentário:

Anónimo disse...

No nosso tempo, o problema é a incultura torpe do indivíduo.
BJ Caraça e Cosmos são exemplos a ser lembrados e revisitados